As minhas sete ex-melhores amigas. escrita por Rodrigo Lemes


Capítulo 1
Parte I - O meu sétimo fora.


Notas iniciais do capítulo

- As falas dos personagens são representadas por aspas.
— Eu converso mais com vocês ao final do capítulo.



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Todos os dias ruins começam bem, e hoje não foi uma exceção. Acordei lentamente com uma mensagem no celular de que minha melhor amiga, e também paixão platônica Noelle, voltaria da casa de seus avós no interior de São Paulo. Não pude ficar mais feliz, pois meus únicos dois amigos próximos estavam viajando, e com o seu retorno, às férias de inverno deixariam de ser um saco.

Assim que levantei, fui direto para o banheiro escovar os dentes e tomar um banho. Logo após isso, passei um creme em meus cabelos cacheados que ainda estavam bagunçados, tentando deixa-los menos feios. Vesti-me de forma simples: uma camisa de gola V preta, jeans escuros desfiados a altura do joelho, e um venho tênis all star.

Quando já ia fechando a porta do meu quarto e me esquecendo de pegar o dinheiro para as Histórias em Quadrinhos de Noelle, fui até lá e guardei o solicitado no bolso. Estava tudo certo: eu já havia ensaiado completamente minha declaração para ela.

Na cozinha, encontrei meu pai ainda sentado naquela já velha mesa de madeira, tragando um cigarro a cada gole que dava no seu café. Os olhos acinzentados estavam fixos no jornal de notícias, os mesmos olhos acinzentados por quem minha mãe havia se apaixonado antes de sua morte.

“Porque está me encarando, Dante?”, perguntou-me ele, logo após dar uma coçada em sua barba rala e esticar os cabelos lisos para traz.

“Hummm. Nada. É que hoje eu vou fazer aquilo que o senhor me disse, tentar arrumar uma namorada.”

“Isso significa que você não vai me ajudar na oficina de novo?”

“Só estou fazendo o que você falou pai. O senhor sempre disse pra eu seguir meus...”.

Antes de poder completar aquela típica frase clichê que devemos correr atrás de nossos sonhos, meu pai me interrompeu, alisando novamente sua barba rala enquanto falava.

“Por mim tudo bem. Vai lá, e boa sorte”.

Logo após isso, ele se levantou da cadeira e meu deu um longo abraço, sussurrando em meus ouvidos que me amava. Eu também disse que o amava, porque você nunca pode deixar de dizer pra alguém que a ama. Meu pai me ensinou muitas metáforas sobre a vida, e a principal sempre foi: amanhã é tarde demais.

Descendo as escadas do prédio, não demorei a perceber que o clima estava gélido e acinzentado, como costuma ser o inverno paulista. As pessoas andavam nas ruas com seus ternos e gravatas, as expressões de seus olhos sendo movidas por uma sensação mórbida de rotina. Mas no fundo, era só isso que eu seria daqui a uns dias: um adulto chato que passa o dia inteiro trabalhando e só faz sexo uma vez por ano.

Fui a pé de casa até a rodoviária, já que o percurso não duraria mais do que quinze minutos, e não sou uma pessoa muito sedentária. Logo que cheguei ao local de desembarque, percebi que o ônibus de Noelle ainda não havia chegado, o que me deu tempo de ir até a Cafeteria.

Não demorei muito tempo para ser atendido por uma garota pequena e loira, que tinha provavelmente a mesma idade que a minha, e usava uma camisa escrita: Faça amor, não faça barba. O que é uma coisa irônica, já que se um homem de barba namorasse com ela, ele provavelmente seria considerado um adultero.

“Qual o seu pedido, senhor?” Perguntou-me a garota, que possuía lábios pálidos e uma voz doce.

“Hum...”, pensei, e logo depois retornei a falar, “Quero um cappuccino com pães de queijo”.

“Tudo bem. Fica pronta em cinco minutos”, e logo depois ela saiu andando com o bloquinho de anotações de pedidos na mão.

Meu pedido não demorou a ser atendido, sendo entregue pela mesma garota de antes, só que agora ela estava com um avental verde por cima daquela camisa que havia chamado minha atenção. O lado ruim de tudo é que aquele avental era muito grande para ela, porque provavelmente só pessoas velhas usam aventais para cozinhar.

“Eu preferia a camisa de baixo, sem avental, cara”, comentei com a menina, quando ela já ia saindo de perto.

Dessa vez, ela não disse nada, embora o seu sorriso direcionado a mim valesse mais que mil palavras.

Assim que eu estava terminando de comer, vi que o ônibus de Noelle estava acabando de estacionar, e sem pensar muito, deixei o resto dos pães de queijo encima da mesa, correndo até lá para vê-la.

Noelle foi à última passageira a descer do ônibus, mas acho que todo o tempo em que fiquei a esperando do lado de fora valeu a pena. Ela vestia umas roupas típicas de inverno, como um moletom acinzentado com estampa do Batman, calças jeans claras e uma toca preta que lhe cobria a cabeça. Seus cabelos negros como a noite estavam de forma natural, com belos cachos lhes caindo pelas pontas.

Logo após seu rosto identificar o meu, ela abriu um longo sorriso, segurando sua mala azul clara de viagens, enquanto a outra mão simplesmente acenava para mim. Fui correndo até ela, sendo que logo nossos corpos se cruzaram, e ficamos abraçados por intermináveis segundos. Seu cabelo estava cheirando a alguma fruta que pra mim era irreconhecível, então acho que ela mudou de shampoo. Ficamos sem falar nada por um bom tempo, até ela abrir diálogo.

“Que saudade de você, Dante!”

“Ah, eu também estou com saudades...” (Embora isso tudo de saudade fosse verdade, nós só estávamos sem se ver a somente três dias, ou seja, esse não é o tipo de saudade que você encontra nos filmes de romance americano).

“E Então, vamos nos sentar aonde para conversar?” Perguntou-me Noelle, apontando para a mesa da mesma cafeteria em que eu havia comido meus pães de queijo.

“Bom, então, cara... É que eu preciso te contar uma coisa... E não quero que isso seja tão artificial, quero que seja em pé, cara.”

A essa altura eu já estava soando frio, e ela parecia me encarar com seus intensos olhos azuis, que pareciam tão serenos e agressivos ao mesmo tempo, como uma infinidade de sentimentos que percorriam a mesma alma.

“Hum... Eu também tenho uma coisa pra te contar, Dante. Mas, não sei se você vai gostar muito da ideia. Porém, eu até já sei o que você tem pra falar, amorzinho”. E então, ela deu um sorriso irônico, o qual não mostrava os dentes.

“Eu já imaginava que você saberia...”.

E então, fui interrompido novamente.

“Sim, eu sei que você tá apaixonado por uma garota não sei das quantas, como todas as outras seis vezes, meu pequeno Dante. E sei que levou o seu sétimo fora seguido. Não é isso? Mesmo você sendo bonzinho e tal, não é do tipo que viria aqui só pra me dar boas-vindas novamente”.

“Mas eu ainda nem levei o fora!” Adverti.

“Então, você já falou pra ela que você gostava dela?”

“Uhum...” Respondi, timidamente.

“E ela disse o que?” Perguntou-me Noelle, franzino suas sobrancelhas, obviamente curiosa para saber a resposta.

“Nada. Porque você não disse nada a respeito disso.”

Dessa vez, os antes olhos azuis que eram indecifráveis, demonstraram um só sentimento: o de surpresa. Meu coração ainda estava batendo forte, e eu então eu comecei a chorar, até desabar no chão. Noelle somente se abaixou e encostou minha cabeça em seu peito ossudo, num gesto de compreensão.

“Desculpa!”, arfei, embora os soluços de meu choro não dessem muito sentido às palavras.

“Eu não acredito... Sério, Dante. Eu sou sua amiga desde os cinco anos de idade, e você nunca me disse NADA?” Seu tom de voz parecia meio sério agora, pouco sentimental, como se ela não se importasse verdadeiramente como eu estava, mas sim como deveria ficar minha relação com ela.

Dessa vez, não respondi. Depois de longos minutos, me levantei e fui até o banheiro lavar o rosto. Quando retornei de lá, encontrei-a sentado num banco de pedra, me esperando impacientemente. Eu só fui até lá e sentei ao seu lado, obviamente, sem dizer nada.

“Porque você nunca me chamou pra sair, Dante?” Perguntou-me Noelle, como se parecesse decepcionada.

“Hã... É, porque nunca tive coragem.” Respondi, tentando tomar coragem para não chorar novamente.

“Olha cara, durante muitos anos, principalmente na infância, eu tive uma quedinha pelo tal do Dante Collins. O garotinho bonitinho com cachos de cabelo que era amiguinho da garota gordinha e desprezada, e que foi o único que estava lá para socorrê-la depois de ela cair da escada. Durante todos esses anos, aguentei você me desprezar pra se apaixonar com diversas vadias, que no fundo sempre lhe diziam: somos só amigos. Mas você nunca enxergou quem verdadeiramente estava do seu lado, meu pequeno Dante. Você me feria, me machucava, não correspondendo aquela paixãozinha de pré-adolescente... E olha o que aconteceu agora, meu pequeno Colins? Você que tanto despercebeu minha paixão, hoje tá aí, pedindo pra ficar comigo. Isso é irônico cara! É muito irônico!”

Ela fez uma longa pausa para me encarar dos pés a cabeça, como se fosse um cão avaliando sua futura presa. E então, continuou a falar:

“Sabe, meu pequeno Collins. O Mundo irá feri-lo. As pessoas irão machuca-lo. E você não poderá fazer nada além de estar lá, de só existir no mundo, e ser só mais um como tantos outros garotos que foram machucados por garotinhas. Eu até te acho fofo e tal, você é um amor de pessoa, mas não quero fugir do clichê que somos só amigos. Se eu pudesse aceitar esse seu pedido ou declaração de sei lá o que namoro, nós com certeza estaríamos fazendo sexo num canto qualquer, como pessoas legais e jovens que se amam fazem. Mas não posso pequeno Collins. Perdoe-me...”.

“Porque não pode?” Perguntei, com uma carinha de cachorro abandonado.

Ela não respondeu nada. Só sacou do bolso de sua calça jeans seu celular, e me mostrou. A principio ele estava bem normal, exceto pelo fato de que o papel de parede dele era uma foto recém-tirada de Noelle com Marco, um ex-namorado dela de dois anos atrás.

“Não acredito... Você voltou com esse babaca?!” Arfei, num grito de raiva.

“Sim, Dante.” Sua voz continuava serena e doce, embora ela se irritasse muito fácil, nunca ficou verdadeiramente nervosa comigo. E então, ela continuou a proferir, dessa vez uma voz mais agitada “Cara... Você simplesmente acha que vai ficar com uma menina se continuar sendo assim, um cara bonzinho, que só se dá bem com palavras e cartinhas de amor? Não estamos mais na quinta série, meu pequeno Collins. Marco pode ter sido um babaca que vivia à base de maconha no colegial, mas ele mudou, e provou o que sente por mim. E daí que ele não gosta das mesmas merdas de quadrinhos que eu e você? E daí que ele é um escroto que só pensa em foder comigo? Ele foi até Bragança só pra me ver... Ele parou de ser um doidão qualquer no mundo, e mudou por mim, cara. Você nunca faria isso por ninguém: vai continuar sendo um cara frio e monótono, que não representa uma grande emoção pra ninguém. A questão não é aquilo que você é, mas sim o que você fará por alguém que ama. Metáforas de livros sobre romances americanos não provam o que você realmente sente Dante.”.

E então eu comecei a despejar lágrimas pelos meus olhos castanhos de novo, provavelmente deixando ele todo avermelhado. Não chorei alto dessa vez, e só deixei meus lábios sentirem o salgado das lágrimas.

Não falei nada por um bom tempo. Ela também não. Ficamos sós nos encarando, e naquela hora eu tive certeza do que eu realmente era: um merda num mundo de merda.

Levantei-me a acenei para ela, esperando obter resposta, mas Noelle não respondeu meu aceno. Só me olhou profundamente, e quando eu virei de costas para lhe entregar o dinheiro dos quadrinhos, ela simplesmente me respondeu: “Não precisa me pagar, Dante. Aproveita que você tá carente e paga uma garota de programa, ou sei lá o que. Mas do jeito que você é o mocinho da história, vai dar o dinheiro pra um mendigo comprar drogas”.

E então eu não fiz nada. Só sai correndo pela saída da rodoviária, as lágrimas salgadas escorrendo do canto de meus olhos com expressões tristes. A chuva já começava a cair no meio de minha corrida melancólica, até eu escorregar no asfalto liso e ser atropelado por uma alguma pessoa de bicicleta, que eu até descreveria para você, se eu não tivesse batido a cabeça no chão molhado e gélido, que acabava de me causar um repentino desmaio.


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Notas finais do capítulo

Essa história foi inspirada em algumas especiais o suficiente para não serem esquecidas.