Voltei para o quarto com a cabeça abaixa. Sentia cada olhada de pura pena que as pessoas pelas quais eu passava me davam. Tava cansado daquilo tudo. Era tratado como um coitadinho por todos, e a maioria nem sabia da história inteira. Me sentia culpado, mas aquele drama todo como se eu estivesse vivendo dentro de uma história de amor trágica que se contam pra garotinhas de treze anos chorarem e passarem o resto de suas vidas procurando por seu príncipe encantado e que vegetasse num quarto de hospital, aguardando ao leito de sua amada que ela acorde e que eles possam enfim viver suas vidas felizes para sempre, era demais.

Sim. Nessas últimas semanas meu humor vem "melhorando" bastante.

Sentei na poltrona e passei minutos olhando simplesmente para o nada. Imaginava como estaria o Dez agora. Com certeza deve ter ido discutir com a namorada as novidades. Suspirei. Que merda.

"Oi de novo, meu amor. Então, não tá sendo fácil. Tô com vontade agora de te agarrar pelo ombros e sacudi-la até você dar algum sinal de vida, alguma coisa, mas o doutor já me pegou quase fazendo isso, então é melhor eu não repetir o incidente. E se eu falar do dia em que te levei para conhecer meus pais? Você estava nervosa e não parava de falar sequer um minuto. Eu lhe disse que tudo ocorreria bem, mas você insistiu em provar cada vestido e cada sapato que tinha no Shopping apenas para um jantar na casa dos Moon's.

– E esse? - perguntou pela trigésima nona vez. Você deu uma volta lenta em torno de si mesma, sorrindo pra mim em seguida, mas dava para ver que estava cansada.

– Você tá linda, Ally. - disse, sincero.

– Você disse isso nos cinco últimos - desabou no banco ao meu lado em frente ao provador.

– Foi mal, a cota de elogios diferentes terminou no vestido trinta e... - fingi fazer as contas nos dedos, você me olhou brincalhona e me deu um soco leve no ombro.

– Idiota - disse. Sorri pra ela.

– Tamos aqui faz quatro horas e já foram mais de trinta vestidos, tem certeza que não achou um que gostasse mesmo? - perguntei.

Você me olhou pensativa, provavelmente relembrando de todos as roupas as quais provou. Até que de repente seu semblante mudou completamente e só faltou uma lampada acender em cima da sua cabeça. Você saiu correndo e me deixou lá, sentado, com cara de taxo. Olhei para a vendedora na minha frente, a qual controlava a entrada e saída de mulheres do provador e perguntei:

– É o 40 agora, né? - a mulher me olhou solidária e sorriu em confirmação.

Depois de muito, muito e muito tempo você saiu da cabine e veio desfilando, é sério, você veio desfilando mesmo até mim. Deu a famosa voltinha e sorriu.

– E aí?

Meu queixo caiu e eu não conseguia fazer outra coisa a não ser admira-la. Cara, você tava uma gata. Quer dizer, não que você não fosse...

– Tô achando que agora quem vai ter que passar mais quatro horas aqui sou eu, até achar uma roupa a sua altura, porque... - cortei a frase ali, já que na minha direção veio uma morena muito gata e me beijou.

– Você é a garota mais linda que eu já vi em mina vida! - sussurrei entre seus lábios. Você riu.

– Não exagera, Austin. - disse.

– Vem, vamos aproveitar que você gostou desse e dar o fora daqui, minha bunda já tá dormente de tanto ficar sentado nesse banco duro - rimos e fomos para o caixa. Não estragaria a sua alegria e essa sua ansiedade que, na real, eu tava adorando, dizendo que meus pais amariam você mesmo de jeans velho e regata.

...

– Ally, anda, vamos chegar atrasados! - gritei da porta de seu apartamento, já que eu batia ponto todo dia lá, ou seja, só faltava eu me mudar de vez pra sua casa.

– Tô indo, apressadinho. - você gritou, seu salto fazendo "click" no chão toda vez que você corria pelos corredores vendo se tinha esquecido de algo.

– Eu não tô com pressa, só não tô afim de comer comida fria. - do fim do corredor você me olhou mortalmente e tenho certeza de que me mandou ir pra merda mentalmente.

Enfim nós saímos de casa. Você toda produzida e fazendo perguntas a todo momento sobre meus pais, e eu com meus jeans, meu allstar preto e um paletó por cima de uma camisa qualquer. Tive que passar por muita coisa pra conseguir usar o allstar e por mais coisa ainda pra colocar aquele paletó que me dava calor.

Você apertou meu braço enquanto eu tocava a campainha. É, acho que você deve lembrar que eu não era muito de ficar lembrando onde enfiava a chave da minha própria casa.

– Tá tudo bem, eles vão gostar de você. - disse, te acalmando.

– Como você pode ter tanta certeza? - perguntou, aflita.

– Porque eu gosto. - sorri - Amo, na verdade.

Você ia me dizer algo, mas a porta foi aberta e de lá apareceu uma mulher loira e com traços, aparentemente, iguais aos meus - minha mãe.

– Allicia Dawson - ela falou, seu tom e sua expressão sérios. Você apertou mais ainda meu braço, e eu já tava rezando para não perde-lo. - Prazer, minha linda. Sou Mimi, mãe do Austin. - minha mãe sorriu e estendeu a mão para você. A última coisa que eu ouvi antes de entrar em casa foi um grande suspiro de alívio e um "ufa!' sendo murmurado bem baixinho. Sorri com aquilo. Aquela iria ser uma noite e tanto."