Crescida em um reino pequeno, e quando a neve caía, eu apenas a observava da janela. Sonhando com o que eu poderia ser, e se eu terminaria com um felizes para sempre.

Tentando com dificuldade fazer os outros me entenderem, mas quando eu tentava falar, sentia como se ninguém pudesse me ouvir. Querendo fazer parte daquele lugar, mas algo parecia tão errado lá.

Eu poderia me libertar, do frio, não do frio bom, aquele da neve branquinha que fica na porta toda manhã, mas o frio que eu sentia agora, um frio que eu não quero sentir nunca mais, é um frio que eu não desejo a ninguém, não é o frio de um congelamento, não é o frio das palavras.

É o frio da vida.

É o frio do medo.

Aquele que percorre nossas espinhas e nos fazem fazer coisas loucas, correr sem ter essa opção, ou ficar e matar.

Eu corri.

Corri por que não quero matar mais ninguém.

Corri por odiar ser persuadida.

Odeio o Pitch.

Corri pra aquele que eu costumei dar uma chance de me fazer rir. E o único disposto naquela cidade a me ajudar. O único que eu conhecia ali.

Corri para o Jamie.

~•~

Bati na porta e desejei que Jack tivesse ido embora, desejei não ver a cara cínica da Sophia e aquele vestidinho rosa minúsculo dela.

Desejei ver apenas o Jamie.

Então a porta abriu e um sorriso branco me recebeu.

–Jamie! - exclamei. - Graças aos Céus!

–Elsa?! Como assim, pera, o que aconteceu, você voltou? - ele arregalava os olhos.

–Posso entrar?

–Ah, Ahn, sim, claro! - se atrapalhou e me deixou entrar.

Sentei no sofá aquecido e mesmo não gostando muito do calor (por motivos óbvios) me senti acolhida.

Era disso que eu precisava, uma amizade.

Ele se sentou ao meu lado.

–O Jack correu muito atrás de você, onde você estava? - Não podia falar do Pitch, quanto mais eu me lembrasse dele, mais eu acreditaria.

–Me escondi de Jack. - digo simplesmente com certa mágoa escondida na voz.

–E veio pra cá?

–Não tenho outro lugar que eu conheça aqui em Quebec.

–Entendo. - diz olhando pro chão.

–A Sophia...? - Sinto minha cara esquentar.

–Não, ela foi embora logo depois que Jack voltou dizendo que não havia te encontrado.

–Hum, tudo bem, ahn, será que eu podia dormir aqui hoje então? - Pergunto sem jeito.

–Claro, o quarto de meus pais está livre, depois, se quiser, pode me contar o que está havendo, para eu poder te ajudar, tudo bem?

–Okay, se importa se eu for pro quarto?

–Não, claro que não.

~•~

Senti a água gelada percorrer meu corpo, do contrário das pessoas normais que tomam banho quente no inverno, eu tomo banho gelado.

Eu não sou normal mesmo.

Aquela água me fazia pensar.

E comecei a pensar no dia em que conheci Jack, em como ele flutuava acima da minha cama e nos momentos em que dormia comigo, seu sorriso provocante capaz de me fazer ir patinar no gelo naquela tarde, que já parecia distante.

Lembrei também de minha irmã, a essa hora deveria estar preocupada, mesmo não sabendo que sou sua irmã, ela já havia me considerado uma amiga.

Me lembrei de minhas promessas, até então esquecidas.

Lembrei de ter dito que a protegeria para sempre.

Lembrei de ter dito ao Norte de que não usaria meus poderes para o mal.

Fiz uma boa escolha não ficando com Pitch, mesmo ele me prometendo vingança.

Mas que anormalia teria? Eu já sou um monstro mesmo, com ou sem o Pitch.

Lembrei do sorriso maléfico de Pitch, sempre escondendo algo.

Lembrei do sorriso amigável de Jamie, que poderia esconder algo mais.

Me peguei pensando na lua.

E em Jack Frost.

E lua.

E Jack.

Droga!

Saí do banho, chega de coisas para pensar. Me enxuguei e troquei minha roupa com a magia para uma roupa básica que daria tanto para dormir quanto para sair, era um vestido, eu realmente só usava vestido.

Uma vez rainha, sempre rainha.

Sequei meu cabelo com um vento frio que me rodeava graças aos poderes e fiz minha tradicional trança.

Não queria conversar agora, mesmo que fosse com Jamie.

E acredito que Jack voltará, mais uma promessa foi feita, ele prometeu ser meu guardião, e ele normalmente não descompria promessas.

Me deitei na cama querendo sentir o vento frio, mas não havia o mesmo vento com cheiro de árvores e brincadeiras que tinha na outra casa.

Eu não tinha mais Jack Frost.

Saindo da escuridão e entrando na luz, eu tenho que continuar me movendo.

Sei que não é fácil dizer adeus, mas tenho que mudar, me arriscar, e escapar.

Tenho que escapar de meus medos.

Tenho que escapar do Pitch.

Abri a janela e deixei o frio entrar, me envolvendo em seus braços, deixei o frio ser meu aliado, me deixei amar o frio, mesmo jurando que isso não era possível.

Por enquanto eu não acredito nessa coisa chamada amor.

Me deixo ser levada pela neve e deixo a tempestade em fúria, deixo meus poderes livres e me sinto livre, eu sou a liberdade, e por um momento penso que esse pode ser meu cerne, deixo ser, deixo ir, deixo nevar, e me sinto surpresa ao ver que há alguém me abraçando como se fosse a própria neve.

Jamie.

Seus braços me envolvem em diversas camadas, o abraço também, sinto que deveria fazer isso, seu sorriso me era estranho.

Eu estou sem forças para nada e ele, naquele momento, foi o único a me ajudar, o único amigo que se importava sem perguntar o por quê.

Mas..

Me puxou delicadamente mais para perto e senti sua respiração próxima ao meu rosto, sua mãos quentes em minha nuca formavam um pequeno choque térmico e seus lábios se aproximando dos meus.

No último segundo olhei para frente, por entre Jamie, onde atrás dele se encontrava uma janela aberta, o frio vindo de lá era grande, mas o calor ali no quarto também.

Então da janela ele me viu.

Eu o vi.

Nossos olhos se encontraram no momento exato em que tudo estava acontecendo.

Jack Frost me observava e uma única lágrima, por mais pequena que seja, rolou por sua face pálida e saiu em disparada para lugar nenhum.

Me soltei de Jamie negando com a cabeça e de repente sua face tremulou, como se ele não passasse de uma miragem.

Senti areia em meus dedos onde uma vez estavam encostados em Jamie.

Olhei para minhas mãos e vi que não era areia comum.

Era areia negra.

Jamie se desfez em areia negra e no lugar dele estava o perfil do Pitch esculpido em pura negritude.

Uma risada maléfica foi emitida.

E ele desapareceu com uma rajada de vento.

Se transformando em areia.

Uma areia negra afundou em meu peito, passando por mim no exato canto onde está meu coração.

Senti algo, tão inerte em meus próprios pensamentos.

Minha visão ficou turva e minha respiração, pesada.

Senti o ar ficar sufocante.

Senti medo.

–Eu avisei que você deveria ter ficado.

~•~