Secrets escrita por Yukii


Capítulo 11
Secret 11 - I just love you


Notas iniciais do capítulo

~Este capítulo se passa entre os episódios 98 e 99 de YYH.



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Ela voava, mais uma vez. Seu único acompanhante era o manto negro-azulado da noite, salpicado por estrelas tímidas. Botan sempre acreditara que, enquanto voasse, sempre estaria feliz. Voar era uma satisfação sem tamanho; sentir o ar leve da noite, a delicadeza dos pensamentos e desejos que voavam pela noite em busca das estrelas, roçando na sua pele. Tudo isso lhe proporcionava uma felicidade tão grande! Essa felicidade tão grande, porém, não parecia mais o bastante. Era o mesmo que nada, na verdade. Isso porque agora, naqueles céus, ela nunca mais poderia esbarrar com os pensamentos e devaneios de seus amigos, seus queridos amigos.

 

Eles estariam indo embora - um já havia ido, na verdade. Yusuke partira há algumas horas; ela não sabia dizer quantas, porque passara a maior parte daquele intervalo de tempo chorando. Embora Hiei insistisse mentalmente na concepção de que ela seria capaz de morrer por Yusuke, ele estava parcialmente errado: Botan seria capaz de morrer por qualquer um de seus amigos. Ela se apegava às amizades de tal modo que, naqueles momentos de despedida, seu coração doía e sua cabeça latejava, como se uma parte do próprio espírito da ferry girl estivesse desprendendo-se e a abandonando.

 

Agora, porém, ela estava quieta. Não chorava, mas tampouco sorria. Seu remo cortava a massa de ar noturna, e o céu parecia estranhamente morto - era noite de lua nova. A guia espiritual voava a alta velocidade, sentindo os cabelos grudarem no rosto dela com insistência. Estava atrasada, e sabia disso. Um nervosismo enlouquecido pulsava dentro dela, e os olhos róseos varriam a floresta escurecida abaixo de seus pés flutuando no ar, à procura da clareira que abrigava o templo de Genkai. 

 

Já faziam algumas semanas que Sensui havia sido derrotado, e o mundo recuperara sua calma impertubável. Nesse curto espaço de tempo, várias coisas haviam acontecido: o buraco que levava ao Makai havia sido fechado, Kuwabara voltara a estudar e - o mais alarmante - Yusuke, Hiei e Kurama haviam recebido convites estranhos de três supostos reis do Makai, que convidavam cada um para trabalhar com eles. Por causa disso, um novo buraco fora aberto, para que os três Reikai Tantei pudessem ir ao Makai. Yusuke tinha motivos de sobra para ir; estava sendo perseguido pelo Reikai, e queria encontrar o youkai que lhe convidara para o Makai, que aparentemente havia sido quem interferira na sua luta com Sensui. Kurama não dizia a ninguém o porquê de aceitar um convite tão inconveniente, mas ele próprio devia ter seus motivos. E Hiei, bem, ele não precisava de um motivo, só precisava ter algo com que pudesse lutar e, eventualmente, matar - essa era a concepção da ferry girl, pelo menos. Yusuke partira há poucas horas, atravessando o buraco e deixando uma Botan chorona e uma Keiko triste para trás. Aparentemente, Kurama só iria ao Makai dali a alguns dias - ela não sabia quantos dias eram, nem por qual motivo ele esperaria esse tempo, porque na hora que isso havia sido mencionado ela estava ocupada demais em - como Hiei dissera - "se livrar de toda a água do corpo pelos olhos", e não prestara atenção em mais nada. A única coisa que conseguira captar é que Hiei partiria um pouco depois. Mais precisamente, ele partiria naquela mesma hora em que ela se achava voando pelo céu. Aquilo enervava Botan.

 

Basicamente, ela deveria estar junto dos outros, assistindo Hiei ir embora. Mas, como sempre acontecia, sua mente e seus pensamentos a confundiam. Ela havia hesitado em ir ver Hiei embora; achava que sua presença apenas incomodaria aquele koorime rebelde, e ele pouco ligaria se ela estava ali ou não, afinal. Outro motivo que a fazia hesitar era o medo de se perder em todos aqueles olhares bobos de novo, de sentir palavras desconhecidas presas em sua garganta, querendo ser pronunciadas. E também aquele calor estranho que subia nas suas bochechas, ocasionalmente. Todo aquele medo de olhar de frente o youkai do fogo nascera no dia em que eles haviam levado um ao outro pelos olhares, na entrada da caverna Irima; e tudo só piorara, para ela, quando haviam retornado para cuidar dos feridos no templo da mestra Genkai, onde todos aqueles momentos constrangedores haviam se desnrolado. A mera lembrança fazia o rosto de Botan esquentar enquanto ela mordia compulsivamente os lábios. Depois de muito refletir se deveria ir ou não ver Hiei ir embora, ela havia decidido que iria. Fora nesse momento que ela montou no remo e saiu pela noite, em busca da alcançar o templo de Genkai, onde o buraco cheio de luz seria aberto e onde Hiei desapareceria também, talvez para sempre. Aquela ideia assustava Botan. Sabia que Yusuke havia prometido regressar dali a 3 anos, mas que dizer de Hiei? Ela queria vê-lo, apenas uma última vez. Despediria-se, se tivesse chance. Quem se importava com todas aquelas coisas que ela sentia ao vê-lo? Bastava ignorar. Sabia que era forte o bastante para fazê-lo. Não deixaria de se despedir do colega por algo tão... bobo. Poderia nunca mais ver Hiei, afinal de contas.

 

Essas ideias conturbavam a mente de Botan enquanto ela voava, fazendo algumas lágrimas escaparem dos olhos e se prenderem nas pálpebras, ansiosas por descerem. "Ah, tenho que parar de ser tão sensível!", disse Botan mentalmente, esfregando os olhos úmidos com um braço, enquanto o outro continuava agarrado ao remo voador. "Hiei tem razão em me chamar de chorona. Ultimamente eu tenho chorado demais". Aquele pensamento não ajudou em nada; pensar em Hiei não era consolo nenhum: ele iria embora também. Deveria estar indo naquele momento, levando em consideração o fato de que as demoradas reflexões sobre ir ou não ir haviam feito Botan se atrasar para o momento marcado. "Ele já deve ter ido! E eu estou aqui, me desgastando, pensando nele!", Botan esfregou as lágrimas com mais urgência, enquanto pensava e voava. "Bom, pelo menos ele deve ter ficado satisfeito de não me ver, ele sempre parece que fica tão irritado comigo".

 

Quando havia sabido que os amigos tinham recebido convites para trabalhar no Makai, não duvidou nem por um instante que Yusuke iria; ele era impulsivo e vingativo, e provavelmente nunca sossegaria com uma vida normal. Botan também tinha uma grande suspeita de que Hiei recusaria o convite, que acharia algo muito idiota e indigno dele, e provavelmente não pouparia sua cota de descaso em cima do ser que o havia convidado tão pretensiosamente. Não tinha levado em conta, porém, a vontade que o koorime tinha de voltar ao Makai. Para ele, isso estava acima de tudo: de qualquer idiota que o convidasse para qualquer inferno, de qualquer amigo, de qualquer mundo, de qualquer vontade imbecil. "E está acima de mim também", acrescentou Botan mentalmente - ela tinha a forte conviccção de que ela era tão importante para Hiei quanto um cesto de lixo público. O desejo de voltar ao Makai só não estivesse acima de Yukina, afinal de contas. Aquilo fazia o coração da ferry girl escorregar como manteiga; não havia nada que ela achasse mais fofo do que aquele amor fraternal oculto. Será que ele iria contar algo para Yukina, já que estava de partida? Ela achava difícil. Enquanto voava, Botan se perguntava porque não virava seu remo e fazia meia-volta; estava bem atrasada para a hora marcada, e, mesmo que ele ainda não tivesse ido, o koorime provavelmente não daria a mínima para ela estar ali ou não. A ferry girl estava fazendo aquilo muito mais por ela do que por qualquer outra pessoa: tinha necessidade de mostrar seu afeto e preocupação, mesmo que estes fossem implacavelmente desprezados.

 

- Ah! - ela exclamou, ao avistar algo semelhante a uma bola de luz, banhando a mata com seu brilho; era o buraco. Botan vergou o remo para o solo e desceu rapidamente, sentindo o quanto estava atrasada.

 

A guia pousou ao lado do templo, numa parte em que a luz prateada vinda do buraco aberto para o Makai não chegava direito. Ofuscada pelo brilho, Botan estreitou os olhos, tentando distinguir os vultos das pessoas ao redor do buraco brilhante. Quatro ou cinco agentes erguiam os braços, e fluxos de energia conectavam suas mãos a cratera que se abria no ar; era impossível para a ferry girl deduzir se eles estavam abrindo ou fechando o buraco. Próxima a fonte da luz forte, encontrava-se Yukina, cujos cabelos claros esvoaçavam com o vento noturno, os olhos rubros parecendo um pouco nervosos. Mais atrás, havia um vulto baixo e escurecido. A ferry girl sentiu o canto da boca se curvar num sorriso, com plena certeza de que era Hiei ali. Quando o vulto se aproximou mais, porém, ela viu que ele tinha cabelos um pouco mais longos, e que a silhueta era menor que a de Hiei - lembrava a velha Genkai. Estranhou aquilo; estava com algum problema de visão? Ou Hiei já teria ido? Ela varreu o resto do cenário com os olhos, à procura de outro vulto, mas não havia mais nenhum. Por alguns instantes, a guia espiritual sentiu lágrimas arderem nos seus olhos; ele tinha ido embora, e ela não tivera chance de vê-lo uma última vez, tudo por causa de seus medos infundados. Uma lágrima tímida escorreu pelo seu rosto, e ela sentiu raiva de si mesma e de seus medos. "Ele não fazia questão de mim aqui, mas eu queria vê-lo, droga!", ela pensou consigo mesma, apertando os dedos na parede de madeira da casa. Queria poder culpá-lo, mas sabia que a culpa tinha sido sua, por se demorar, por hesitar em encarar o koorime. Vencida, ela estava prestes a limpar a lágrima solitária que escorrera pelo seu rosto e ir reunir-se aos outros no trecho iluminado pela luz do buraco, quando algo quente agarrou seu braço esquerdo e a puxou para trás, para o escuro que se estendia ao lado e atrás do templo.

 

- Hiei! - exclamou ela com um gritinho, ao ser bruscamente empurrada contra uma das paredes do templo pela mão do koorime. Ele bufou, e ela sentiu a outra mão dele tampar sua boca com certa urgência, enquanto os olhos dele vasculhavam ao redor.

 

- Não berre tão alto assim. - orientou ele, lançando um olhar sério para ela e destampando a boca da garota. Ela respirou pesadamente com um ar levemente assustado, enquanto ele reparava na mão que usara para fazê-la se calar; estava levemente úmida. - Você estava chorando, Onna?

 

- Ah! N-não! - negou ela, mirando o vulto dele na escuridão. Apesar de ter sido pega de surpresa, sentia uma alegria estranha ao ver que ele ainda estava ali. - Mas o que houve? Eu pensei que você já havia ido! E por qu...

 

- Você demorou demais, Onna - interrompeu Hiei, com uma voz baixa e irritadiça - Onde diabos estava?

 

- Deixe eu terminar minhas perguntas primeiro! Por qu...

 

- Não quero saber das suas perguntas, quero saber porque demorou.

 

- Desde quando meus atrasos fazem alguma diferença para você?!

 

- Já disse que não tenho interesse nessas perguntas infundadas, Onna.

 

- Mas eu quero respostas! Por que você me trou...

 

- Mas eu não quero dar maldita resposta nenhuma. E pare com essas perguntas idiotas de uma vez, eu...

 

- Não! Eu não estou entendendo nada! Por que...

 

A voz de Botan foi se apagando até morrer, enquanto ela escondia um sorriso no rosto. Estavam brigando - como costumavam fazer em nove de dez vezes em que se viam -, e aquela atividade tão comum a tranquilizava, lhe dava certeza de que as coisas ainda não haviam mudado de todo, afinal. Se Hiei estivesse olhando para ela, teria visto o sorriso dela; mas o koorime olhava pro alto, bufando consigo mesmo, procurando manter a calma. Aquilo surpreendeu Botan; era a primeira vez que o via fazendo algo assim. Calma e Hiei não eram duas palavras que combinavam.

 

- O que está acontecendo? - perguntou ela com um fiozinho de voz.

 

- Um monte de coisas está acontecendo numa pancada de lugares - respondeu ele sarcasticamente.

 

Botan amarrou a cara.

 

- Eu estou perguntando sobre...

 

- Eu entendi. Não está acontecendo nada. Eu apenas quero lhe pedir uma coisa antes de ir. Por isso que estava esperando você, Onna.

 

- Ah... pode pedir. - disse ela, num tom um pouco surpreso, acrescentando em seguida: - Mas por que temos que conversar aqui em vez de lá na frente?

 

- Você vai entender - sentenciou ele calmamente, saltando para um pequeno batente que ficava em frente à porta traseira do templo de Genkai. Ali em cima, ele ficava da mesma altura dela. Botan quis rir disso, mas os olhos rubros cravados nela mal a deixavam respirar, quanto mais rir. Ambos ficaram em silêncio por um momento, apenas encarando aqueles olhos misteriosos um do outro, e ouvindo o barulho de energia fluindo na frente da casa.

 

- Diga. - falou o koorime em um tom baixo de ordem.

 

- Huh? - Botan franziu o cenho, acordando do transe em que aqueles olhos a mergulhavam. - Você quem deveria dizer, algo, Hiei! Você disse que ia me pedir uma coisa...

 

- E estou pedindo, Onna. Estou pedindo para você dizer.

 

- Dizer o quê? - quis saber ela, incrédula.

 

- Você não tem nada que queira me dizer? - indagou o koorime, estreitando os olhos.

 

Botan sentiu seu coração dar uma batida desencontrada, enquanto seu estômago parecia escorregar e ela sentia o rosto esquentando. Isso de novo não, pensou desesperadamente. As palavras se amontoavam na garganta dela, sem sair. Não sabia o que queria dizer; não sabia que palavras eram aquelas. Ela permaneceu em silêncio, o rosto estranhamente assustado, e a boca apertada.

 

- Não se demore tanto, Onna. Eu não tenho o tempo inteiro. Você se atrasou, e eu ainda tenho que falar com Yukina.

 

- Como eu ia saber que você ia querer... ia querer... - o rosto rubro dela abaixou-se para a grama, e ela mudou bruscamente o rumo da frase. - Você vai falar com a Yukina-chan? Vai contar para ela que...

 

- Não vou contar absolutamente nada. Ela foi quem pediu para falar comigo. - o youkai mirava fixamente o rosto de Botan. - Fale de uma vez, Onna.

 

- Eu não tenho nada para falar! - disse ela em tom histérico. As palavras continuavam presas em sua garganta, e ela sentiu que seu rosto ainda estava corado.

 

- Você sabe que tem. Eu sei que você tem.

 

- Você também tem! - acusou Botan prontamente. Hiei arregalou levemente os olhos. - Você não devia jogar a responsabilidade de alguma coisa em cima de mim, Hiei. Isso é horrível. Eu nem sei o que é tudo isso o que eu sinto.

 

Antes que ela se desse conta, já estava falando.

 

- Eu não sei o que você quer que eu diga, Hiei...! Eu não consigo entender. Eu sinto vontade mesmo de dizer algo, mas eu não sei o que é... eu não sei como falar. Tive muito medo de vir por causa disso. Se tornou muito difícil para mim... eu... eu nem sei o que estou dizendo! - ela levantou o rosto avermelhado, tentando sorrir. Hiei a observava com olhos compreensivos, o que a surpreendeu e a encorajou a continuar falando. - Eu... eu não quero que você vá!

 

A última frase saiu torcida e muito rápida da sua boca. Quase sentia que era aquilo, era aquilo o que ela tanto tentara falar. Na caverna Irima, ela também sentira isso; também não queria deixá-lo ir. Queria-o perto de si, e não conseguia entender por quê.

 

- Não estou entendendo você, Onna.

 

- Nem eu - murmurou ela, olhando para os próprios pés.

 

O silêncio caiu mais uma vez. Botan se sentia horrivelmente nervosa; sua vontade era de correr dali, para longe, para onde aqueles olhos não pudessem ver seu rosto corado.

 

- Hn. Olhe para mim, Onna. - ele disse secamente. - Nos meus olhos.

 

Botan não quis obedecer; aquilo era desconfortável. Ela olhou, ainda assim. Ele sabia que ela olharia. Sempre sentiam a mesma coisa, mesmo sendo tão diferentes um do outro.

 

- Por que você quer que eu lhe diga alguma coisa? - disse Botan num tom nervoso. - Você não é esse tipo de pessoa! Por que você quer me ouvir?

 

- Hn. Tire suas próprias conclusões.

 

- Eu odeio isso! Por que eu tenho que dizer seja lá o que e você nunca responde minhas perguntas?

 

O koorime jogou a cabeça para trás, olhando o céu vazio acima de si. Uma noite sem lua.

 

- Você acha que pode guardar mais um segredo, Onna? - perguntou ele, ainda olhando para o alto.

 

- O quê?

 

A mão livre de Hiei apanhou os cabelos azuis de Botan, puxando-os para si. Ela apenas teve tempo de aspirar o cheiro leve dele, antes de sentir o koorime beijá-la de forma intensa. Uma mão continuava cravada nos cabelos dela, a outra a puxava pelo pulso. E, de repente, a ferry girl sentia como se o mundo tivesse desaparecido. Como se ela tivesse desaparecido, junto com a grama e as árvores. As únicas coisas que ainda pareciam existir eram as mãos suaves de Hiei e a boca dele, brincando com a sua e produzindo aquela sensação tão nova e doce. Haviam cócegas engraçadas na sua garganta, e o ar parecia pesado e inexistente. Ela não percebeu, mas tinha fechado os olhos. Todo o amor que ela sentia dentro de si pelo koorime pareceu se condensar e explodir, fazendo com que ela retribuísse o beijo de forma desajeitada. Separaram-se alguns segundos depois, quando o ar começava a faltar para Botan. Hiei afastou o rosto dela, mas permaneceu com a mão agarrada no pulso da guia espiritual, a boca vermelha pelo ato. Botan não corou; estava branca. Permanecia dura na mesma posição, a boca entreaberta em descrença.

 

- Eu disse para você falar. Você não falou, baka Onna, eu tive que tomar alguma atitude. - disse Hiei, como se justificasse o ato.

 

Botan não mexeu um músculo. Piscava, um pouco descrente. O koorime amarrou a cara.

 

- Você não entendeu, certo? Era de se esperar - parecia irritado e sem graça; sem olhar nos olhos dela, saltou do pequeno degrau e saiu marchando a passos duros, em direção a lateral da casa: - Estou indo.

 

- Ah... Hiei! - a voz dela saiu esganiçada e irregular, e Botan se esticou para puxar o koorime pelo pulso. Ele virou o rosto, os olhos a observando friamente. Se a ferry girl não sentisse seus lábios quentes e seu coração saltitante, poderia ter acreditado que estava tendo ilusões.

 

- Hn. O que é?

 

Mas ela não sabia o que dizer ou fazer; continuava emudecida. O silêncio não foi quebrado por quase cinco minutos, até que Hiei franziu a testa e disse:

 

- Se você vai ficar me olhando com essa cara de paisagem, Onna...

 

- Você é o ser vivo mais cruel que eu já encontrei! - berrou ela, quase à beira das lágrimas. O koorime ergueu as sobrancelhas. - Como você pode fazer aquilo e simplesmente ir embora depois?!

 

- A culpa não é minha se você ficou igual a um zumbi.

 

- É SUA, SIM! - gritou a ferry girl em tom histérico. Hiei sentiu os ouvidos latejarem. - Como isso pode... - haviam lágrimas nos olhos dela - ...como você pode fazer algo assim antes de ir embora? Talvez embora até para sempre! - ela soluçou baixinho. Botan escondia o rosto corado nas mãos, e escorregou o corpo até o chão, ainda soluçando, agachada num mesmo canto. Ela falava muito baixo, e tinha vergonha.

 

A mão de Hiei puxou-a pelo braço, fazendo-a ficar de joelhos. Botan o encarou, por entre as lágrimas que se apertavam em suas pálpebras. Os olhos dele estavam frios como sempre. Mas, naquela frieza, ela conseguia enxergar mil e uma coisas que ninguém nunca via. E ele amava a antítese e a contradição que se misturava nela; sempre rindo ou chorando. Sempre os extremos. Ela ria por nada, ela chorava por nada. E ele sempre amaria isso.

 

- Você está cada vez mais idiota, baka Onna. - ele disse com a voz leve, erguendo com os dedos o queixo dela para que a ferry girl o olhasse melhor. - Você acha que eu vou embora para sempre?

 

- Não vai? - questionou ela, em uma voz enrolada de choro.

 

O koorime sorriu. Botan sentiu o ar lhe faltar. O sorriso dele era quase imperceptível, mas não deixava de ser lindo.

 

- Hn. Você é um bom motivo para me fazer voltar, Onna.

 

Foi a vez de Botan sorrir. Ela soluçou, limpando as lágrimas com dedos desajeitados.

 

- Obrigada. - murmurou ela. Estava levemente corada, e se sentia a pessoa mais feliz daquele universo. Poderia gritar e derrubar tudo em seu caminho, se não temesse que Hiei lhe achasse ainda mais idiota; ela sentia que precisava ser perfeita para ele, apenas para ele.

 

- Hn. Não tem de quê.

 

Ambos se encararam em silêncio constrangedor. Tanto o koorime quanto a ferry girl sentiam a mesma coisa: o calor que os invadia, uma alegria muito forte mesclada com uma tristeza insistente, e uma ansiedade inexplicável.

 

- Mas isso continua fazendo de você alguém muito cruel - murmurou Botan, fazendo um beicinho. - Isso... isso da gente não é coisa para se tratar numa despedida!

 

- E que hora é boa para se tratar de "isso da gente", Onna? - arremedou Hiei, com um sorriso irônico.

 

- Você é quem deveria saber!

 

- De fato. Sou mais corajoso que você nesse tipo de coisa, Onna.

 

- Hiei! - ela fez uma careta de protesto. - Você não deveria brigar comigo assim! Hoje é o nosso último dia, afinal.

 

- Hn. Baka Onna. - disse Hiei do seu modo habitual. - Eu já lhe disse que vou voltar. Não acredita?

 

- Acredito... mas... - ela sacudiu o rosto ainda molhado de choro. - Eu amo você, seu idiota cruel! Amo você! Eu não vou conseguir respirar direito sem você! Não vou poder... não vou poder mais... - e ela já estava chorando de novo; antes que Hiei pudesse assimilar as frases soltas dela, viu-se abraçado por um par de braços finos escondidos por um kimono rosa.

 

- Está me sufocando, Onna - resmungou o koorime, recusando a admitir para si mesmo que estava gostando daquele abraço. A guia se afastou, fungando o nariz, um pouco sem jeito.

 

- Quando você volta? - murmurou ela muito baixo.

 

- Não faço ideia. - disse ele com simplicidade. Botan abriu a boca, indignada, pronta para replicar, mas ele foi mais rápido: - Eu já lhe disse, eu volto. Você não confia em mim, mulher?

 

- Não totalmente - brincou Botan, fazendo-o dar o meio sorriso que ela adorava.

 

- Me espere, baka Onna - murmurou ele. O youkai se esticou para beijar a testa dela, mas acabou desviando do caminho e beijando-lhe a boca; ela gostou.

 

Os dois atravessaram o trecho escuro ao redor do templo. Durante o caminho, a mão de Botan se esticou e puxou a do koorime para si; ele não protestou, apenas retribuiu o gesto. A ferry girl sentia que aquele era um dos piores momentos em sua vida: acabara de entender o que se passava dentro dela, e teria que abandonar aquilo por algum tempo. Mas ela confiava naquele koorime. Confiava nos sentimentos de ambos. Quando ele soltou a mão dela e dirigiu-se para o trecho iluminado pelo buraco rasgado no ar, Botan sabia que se veriam mais uma vez. Ela assistiu em silêncio o koorime conversar com a irmã, e, quando viu Yukina dar sua pedra Hirui para o irmão, sentiu que queria ter dado algo de lembrança para Hiei também; embora, para ela, bastasse aqueles beijos escondidos que haviam trocado. Seu coração pulsava com violência; ela o viu saltar para o buraco, e a guia correu para a área iluminada, gritando qualquer coisa para ele. Os olhares de Yukina e dos outros não a incomodaram; era um segredo que só ela e seu koorime entenderiam.

 

Poderia jurar que tinha visto o youkai de fogo sorrir daquele jeito, antes de ser engolido totalmente pela luz e desaparecer.

 

E, de repente, eu estava apaixonada pelo meu maior medo.

Eu daria tudo para tê-lo, mas eu não podia naquele momento.

Eu deveria esperar.


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Notas finais do capítulo

Consegui, consegui! o/ Finalmente as cenas românticas de verdade XD Me deu um trabalhão, precisei de 3 dias para fazer esse capítulo. A cena do beijo foi especialmente difícil, porque eu queria fazer algo muito bom e não encontrava a direção certa! x_x Bem, está aí. Um pouco grande e sem nexo, mas acho que deu pra captar a ideia geral. Espero que tenham gostado! Me esforcei muito nesse capítulo, acho que foi o mais difícil até agora. Tentei não deixar o Hiei muito OOC, mas não sei se consegui XD Obrigada a todos que acompanham e deixam reviews, o próximo cap. virá em breve, a fanfic não está perto de acabar! E obrigada a quem recomendou também, fiquei muito feliz, de verdade! Continuem acompanhando, o próximo cap. virá em breve =D