Christmas Knight escrita por Ferla


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Esta história está participando do desafio de férias, mas caso você não saiba do tema, aqui está: ''O senhor Noel foi visto pela última vez nos arredores de sua mansão, no Polo Norte, dia 23 de dezembro de 2013. O trenó e as renas foram encontradas no local, no entanto, não existe nenhuma pista do paradeiro dos presentes e do próprio Papai Noel. Todas as autoridades mundiais foram acionadas para a resolução desse mistério.''

Bom, agora podem aproveitar a leitura, espero que gostem =3



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23 de dezembro de 2013

14h48min — Polo Norte

— Está tudo certo, mãe?

— Só falta o seu avô aparecer. Aonde ele foi?

Pude ouvir a conversa da neta do Sr. Noel e de sua mãe na cozinha cheia de duendes e outras criaturas mágicas. Aquela mansão era estranha, cada dia que eu ficava lá era uma surpresa a mais. Eu me sentia excluído no meio da família do Sr. Noel e de seus bichos que falavam com os duendes do Polo Norte. O que eu, um jovem comum de apenas dezessete anos, estava fazendo lá?

Claro, tinha sido há sete anos.

Meus pais tinham ido numa excursão da ONG de que participavam, eu, como um bom filho, entrei no helicóptero escondido no dia em que eles estavam prontos para partir. E eles, como bons pais, perceberam absolutamente nada, tendo o pensamento ingênuo de que eu estava sobre o maravilhoso cuidado da vizinha do apartamento 52.

Ao saírem, eu notei estar sozinho dentro do veículo e (com aqueles pensamentos idiotas de crianças), fui dar ‘’uma voltinha’’ pelo Polo Norte. Naquele dia, eu explorei a imensidão branca o máximo que eu pude.

Nem preciso mencionar que não achei mais o caminho de volta, e fiquei durante um dia inteiro procurando, sem parar para dormir ou comer a minha barrinha de chocolate que estava por baixo dos três quilos de roupas.

Eu estava perdido num mundo branco onde poderiam aparecer ursos polares ou qualquer outro animal que adoraria ver a minha carne no jantar, e eu tinha consciência disso. Corri o máximo que pude, caí várias vezes e corri mais ainda gritando pelo nome da minha mãe, que teimava em não aparecer. Pensei que seria melhor estar comendo o bolo de soja da vizinha do que estar perdido num lugar o qual eu só havia visto em desenhos.

Chegou uma hora em que eu não aguentei mais em pé, minha barra de chocolate já havia partido, eu estava congelando e com o rostinho cheio de lágrimas. Meu corpo de criança não suportou, e eu desmaiei no meio do gelo.

Pesadelos tomaram a minha mente da forma mais horrível possível, a pior coisa que uma criança de dez anos pode querer.

Eis que, depois de um tempo indeterminado, meus olhos se abriram e vislumbraram a imagem mais linda que eu já havia visto: uma bela menina, aparentava ter a minha idade, com os cabelos brancos e levemente encaracolados nas pontas. Encarava-me com magníficos olhos verdes e vivos. Estava exibindo uma expressão de preocupação. A voz melodiosa pedia, euforicamente, para que eu acordasse, e a mão, que parecia seda, me sacudia no ombro. A garota estava acompanhada de um urso polar que usava um laço na orelha direita. Eu só podia estar sonhando.

Mas, felizmente, não era um sonho ou um delírio causado pelo frio.

Quando eu acordei após um desmaio, me encontrei num quarto claro e quente.

— Você dormiu durante três dias... — disse uma mulher que ainda não tinha notado. Ela e a garota não eram muito parecidas, a não ser pelos olhos verdes magnificamente lindos. A mulher tinha cabelos castanho-claros presos num coque.

— Ele acordou!? — ouvi uma voz familiar perguntando.

Minha visão embaçada pôde ver a menina entrando no quarto correndo, carregando uma bacia com água.

— Mais baixo, Miranda! O garoto acordou agora, você pode deixá-lo assustado.

— Desculpa, mãe. Não foi a minha intenção, eu só queria saber o que aconteceu. Não é comum ver gente desmaiada no meio do Polo Norte — a voz era de uma criança, e mais fina impossível. Não era uma voz que irritava, mas que confortava.

A senhora molhou um pano na bacia com água quente que a menina segurava, e depois colocou-o na minha testa. Reconheci o gesto e não estranhei, apesar de estar na casa com uma menina maravilhosamente linda e sua mãe que eu não conhecia, estava confortável. A mulher perguntou o que eu estava fazendo lá, mas eu não me lembrava.

Foi assim que tudo começou.

Naquela noite, fui apresentado ao bondoso Sr. Noel, o dono daquela mansão enorme. Lá ele morava com a Sra. Noel, com quem era casado havia muitos anos, e tinha uma filha e um filho.

Seu filho mais novo conhecera uma mulher na França, e depois de casar com ela voltara para o Polo Norte. O fruto desse amor fora uma menina, chamada Miranda, a minha salvadora.

Não faço ideia se naquele dia eu bati a cabeça, mas minha memória fora perdida. O Sr. Noel me acolheu em sua casa, fui educado e recebi aprendizado ao mesmo tempo em que Miranda, estudamos juntos durante cinco anos (método de aprendizagem ao modo do Papai Noel, sendo de um ensino melhor do que qualquer outra escola americana).

Os anos se passaram e, quando eu e Miranda já havíamos parado de estudar, minha memória começou a voltar lentamente. Depois de um mês, eu estava lendo meu diário antigo, foi ai que notei que já lembrava de tudo, apesar de não achar que foi uma coisa boa, afinal significava voltar para a minha família e deixar a garota pela qual eu me apaixonei desde que bati meus olhos nela.

Não sei como tive a coragem de fazer a loucura, mas eu fiz: eu fui até os Estados Unidos para mostrar para os meus pais que lá estava eu, vivo. Não preciso dizer que nunca havia os visto tão felizes, até postaram no jornal ‘’A Volta de George Knight’’.

Contudo, eu queria ficar no Polo Norte, ao lado da Miranda. Tudo bem que não éramos próximos, nós conversávamos pouco. Mas eu a amava, muito, e não sabia o que eu ia falar para a minha mãe, ela nunca me deixaria ficar no Polo Norte por causa de uma garota.

E, por fim, depois de uma semana pensando, cheguei à desculpa de que deveria ficar no Polo Norte ajudando o Sr. Noel com a fábrica de presentes, afinal seria covardia deixá-lo daquela forma depois de ter recebido educação e alimento após tanto tempo. Meus pais pensaram durante mais uma semana e no final concluíram que o que eu disse era verdade. E lá continuei eu, trabalhando com os duendes na produção de presentes.

Naquela tarde do dia 23 de dezembro, eu estava sentado na mesa da cozinha, com a minha roupa de duende, cansado, mas feliz.

— Mãe, eu vou procurar o vô.

— Não, Miranda! Está tendo uma tempestade de neve lá fora, os duendes já estão procurando.

Enquanto Miranda e sua mãe discutiam, eu levantava e ia para o banheiro tomar um banho. Subi as escadas lentamente, quase desabando no quarto degrau. Então eu entrei no banheiro enorme e liguei a ducha, o que deixou o banheiro infestado da umidade quente que a água evaporou.

Naquele dia eu estava de folga, a produção de presentes já havia parado, então vesti a minha calça jeans azul escura e um moletom vermelho. Nada melhor do que aquilo, não aguentava mais olhar para aquela roupa verde de duende.

Lá estava eu saindo do banheiro, quando ouvi o som de botas batendo contra o degrau da escada.

— GEORGE!

— Srta. Miranda! — senti uma onda de alegria me infestar ao ver que ela me chamava. — Calma, o que foi?

— Há quanto tempo você está nesse banho!?

— Há meia hora... eu acho...

— Uma hora! Muita coisa pode acontecer em uma hora!

— Ah sim... — olhei para baixo, analisando cuidadosamente as suas roupas.

Ela estava usando um vestido vermelho rodado e de mangas compridas, uma renda branca circular e detalhada na gola, tendo duas iguais no final da manga de cada braço, enquanto dois ‘’ponpons’’ (eu não sei o nome daquilo, roupas de mulheres não são o meu forte) caiam na frente da gola do vestido. Ela usava uma meia fina cor da pele, e uma bota branca de pelugem. Eu subi um pouco a cabeça para analisar seu rosto. Suas bochechas rosadas tinham destaque na sua pele, ela usava um batom rosa claro. Seu cabelo branco estava solto, tinha o comprimento um pouco abaixo do ombro, tendo ondulações nas pontas. A franja era penteada de lado, e dois fios caiam em cada lateral. E os olhos... ah, aqueles olhos verdes faziam eu me sentir um lixo com meus cabelos e olhos castanho-comuns.

— George?

— O quê? Ah, sim... perdão, Srta. Miranda, o que você estava dizendo?

— Oh céus! — ela balançou a cabeça rapidamente. — George, meu avô foi sequestrado!

— Sequestrado!? — eu analisei bem a cara de Miranda, ela não costumava fazer muitas brincadeiras desse tipo. Seria um desastre se aquilo acontecesse. — Isso é alguma piada?

— Por que eu brincaria com uma coisa dessas?

Sr. Noel sequestrado dois dias antes do Natal era o pior pesadelo não apenas para nós, mas para todas as crianças do mundo. Como alguém poderia fazer a baixaria de sequestrar o bondoso velhinho?

‘’Dinheiro’’ pensei.

Eu desci correndo até o andar de baixo.

A cozinha, a sala e a parte responsável pela produção dos presentes estavam um caos, duendes por todas as partes gritando ‘’PRODUÇÃO, PRODUÇÃO!’’.

— Como o Sr. Noel desapareceu!? — perguntei ao Marcos, o filho mais novo do Sr. Noel e pai de Miranda.

— Nós não fazemos ideia! — disse com o suor escorrendo por entre os seus óculos.

‘’Nunca mais fico por uma hora no banho...’’ pensei.

— Por que estão produzindo os presentes de novo?

— O meu pai desapareceu com todos os presentes.

— Vai dar tempo de produzir tudo?

— Infelizmente, não — ele suspirou — Estamos refazendo os presentes que seriam entregues para os países mais pobres, que não tem meios de comunicação para saber que Papai Noel foi sequestrado. E as crianças pensarem que Papai Noel se esqueceu delas as deixaria muito desapontadas. Essas crianças já sofrem demais, melhor não estragarmos a única alegria que elas têm no ano. Felizmente, essa remessa de presentes dá tempo de refazer até o natal.

— Então eu acho melhor ir ajudá-los...

— Não! — ouvi Miranda gritando atrás de mim, vindo em nossa direção. — Você irá me ajudar a procurar o meu avô, é o único que pode sair da fábrica sem prejudicar a produção.

— Miranda! — falou Marcos.

— Não é, pai. Confie em mim, tenho certeza de que o sequestro é culpa do...

— MIRANDA! — gritou seu pai, num tom autoritário, surpreendendo a garota. Senti pena de Miranda nesse momento. — É errado pensar no meu tio dessa forma. Você está proibida de sair de casa até seu avô aparecer. Já acionei todas as autoridades mundiais, que diferença faria uma garota de dezessete anos?

Ela baixou a cabeça.

— Tudo bem, pai. Desculpa por te incomodar.

Eu olhei para Marcos e para Miranda que subia as escadas apressada. E lá estava eu numa dúvida entre ficar do lado do cara que era quase o meu chefe, ou de sua filha que eu tanto amava.

E cheguei à conclusão de que seria melhor ir atrás de uma jovem garota que poderia estar chorando naquele momento (não, eu que queria acreditar naquilo, Miranda nunca foi tão frágil). Subi as escadas em passos rápidos para alcançá-la.

— Srta. Miranda... — disse antes de ela fechar a porta do seu quarto.

— Quietinho! — ela olhou para os lados rapidamente e puxou meu pulso, levando-me para dentro do quarto e trancando a grande porta branca.

Miranda me jogou em sua cama, foi para a janela analisar se havia muita gente lá fora.

— Err... Srta. Miranda... — disse gaguejando, enquanto sentia meu rosto pegar fogo. Meu rosto não, meu corpo inteiro! Por que Miranda estava fazendo aquilo? E por que eu estava envergonhado? A garota que eu amava tinha acabado de me puxar para seu quarto, me jogado em sua cama e trancado as portas. — Eu acho que somos muito jovens para esse tipo de coisa e entendo nossos hormônios jovens, mas...

— O quê? Ah me desculpa, George. Eu estava muito concentrada aqui. Pode repetir, por favor? — falou Miranda vindo até mim com seu notebook na mão, com a cara de maior inocência do mundo. Pra minha sorte Miranda não conseguia prestar atenção em duas coisas ao mesmo tempo. Agradeci eternamente por isso, e me insultei até não aguentar mais por ter dito aquilo.

— Não é nada, Srta. Miranda. O que você deseja?

— Preciso da sua ajuda. Sei que estarei desrespeitando as ordens do meu pai, mas é necessário.

— Para o que você precisar, estarei disponível.

— Obrigada — disse ela fechando os olhos e soltando um suspiro de alívio — Como você acabou de descobrir, meu avô foi sequestrado e todas as autoridades mundiais foram acionadas. O único problema dessa situação é: estão procurando no lugar errado.

— O que você quer dizer com isso?

— Eu acho que tenho ideia de quem sequestrou o meu avô, e acho que sei até mesmo o porquê.

Miranda virou o seu notebook para mim, mostrando um endereço. Parecia ser uma casa de luxo e, de acordo com o endereço, ficava na Inglaterra.

— Harold Noel. — Miranda mudou de guia e mostrou a foto de um homem. Cabelos curtos e bem aparados, eram brancos. A barba estava por fazer e seus olhos eram azuis, parecidos com os do Sr. Noel.

— Esse homem...

— Sim, é o irmão mais novo do meu avô. Um executivo de grande sucesso, tem muito dinheiro, mas não alcança ‘’O Grande Papai Noel’’.

— E por que ele teria sequestrado o irmão?

— Bom, Harold sempre teve inveja do irmão. Afinal, ele pode ser rico, mas nem chega aos pés do vovô. E se Papai Noel morresse, ele seria o primeiro na linha de sucessão.

— Espera, esse não seria o seu pai?

— Não, meu pai ainda está muito novo, tem que ser alguém mais de idade.

— Então... você acha que ele sequestrou o irmão pra poder ter a fortuna dele?

— Exatamente.

— Por que um velho já rico faria algo assim?

Miranda deu de ombros.

— Riqueza. Nunca sabemos do que as pessoas são capazes.

— O que faz você ter essa certeza?

— Há alguns meses, eu fui com meus pais visitar o ‘’tio Harold’’. Eu libertei o meu espírito explorador porque queria conhecer aquela mansão. Eu olhei todos os quartos, mas o que mais me impressionou foi o escritório dele.

Miranda chegou mais perto. Tão perto que pude sentir o cheiro do perfume doce de jasmim.

— Eu encontrei algumas cartas no escritório dele. E todas elas eram recentes, falavam sobre o sequestro do meu avô com o homem que eu imaginei ser quem ele contratou para fazer o serviço.

— Por que não contou essa parte pro seu pai?

— Porque ela ia achar que eu estava mentindo, sem falar no crime de ter aberto as cartas de outra pessoa para ler.

— Isso é crime!?

— Claro.

Olhei para o lado e me lembrei das tantas vezes que tinha aberto as cartas dos meus pais.

— Eu penso em sairmos em busca do meu avô na casa de Harold, na Inglaterra.

— Como nós vamos sair do Polo Norte?

— Vamos sair daqui e seguir na Fleur — Fleur, a ursa polar gigante de Miranda que usava um laço vermelho na orelha — Até um ponto onde minha mãe vai estar esperando com o helicóptero.

— Sua mãe vai nos ajudar?

— Apenas com o transporte e com o dinheiro, para o meu pai não desconfiar. Ela vai dizer que saímos para um passeio.

— E quando partimos?

— Dia 24 à uma da manhã, nesta madrugada. Leve uma mochila que não pese, mas o necessário, não sabemos quantos dias vamos ficar.

— Será um prazer ajudar. — Levantei e sorri para Miranda.

— Eu que agradeço. Eu iria sozinha se não fosse por você... — Miranda deu aquele sorriso tímido que me derretia inteiro.

# #

24 de dezembro de 2013

00h58min — Polo Norte

— Tudo pronto? — perguntou Miranda.

— Sim, senhorita.

Eu mal podia acreditar que estava prestes a viajar sozinho com Miranda.

Nós subimos na Fleur (não acredito que chamo um urso polar pelo nome) e ela raspou as patas contra o chão, pronta para correr.

Foi quando ouvimos alguém nos chamando. Era um duende alto e bombado, parecia mais um lutador do que um cara que passava o ano fazendo bonecas para meninas de todo o mundo.

— Esperem! Por favor — disse o mais baixo que pôde, mesmo ainda sendo num tom alto.

Miranda virou-se depois de me olhar com uma cara do tipo ‘’Acabou.’’

— Eu imploro, me levem com vocês!

Eu e Miranda ficamos quietos, olhando.

— Por favor! Preciso ajudar o Sr. Noel. Eu ouvi vocês conversando mais cedo e...

— O quê? — perguntei descendo de Fleur e encarando o cara que tinha os músculos quase saindo do corpo e que poderia me dar uma boa surra, mesmo eu sendo alto.

— Por que vocês estão me olhando desse jeito? Eu não estou brincando!

Eu e Miranda permanecemos calados, esperando ele justificar.

— Melhor eu começar de novo... — ele suspirou — Meu nome é Albert, sou um duende da fábrica. Ontem eu ouvi vocês conversando no quarto da Srta. Miranda, não foi intencional, eu ia chamá-la a pedido do pai dela, quando eu ouvi a conversa por trás da porta. Eu quero ajudar vocês, por favor! Eu devo a minha vida ao Sr. Noel...

Ele deu uma pausa, como se o que fosse falar em seguida o machucasse muito.

— Tudo bem — disse Miranda — Sei que muitos duendes dessa fábrica têm passados terríveis, você não precisa nos contar, Albert. Pode vir conosco.

E assim a viagem com a minha amada tinha ido por água abaixo.

— Bom, vamos nos espremer na Fleur, assim cabemos — falei com o tom menos animado do mundo. Aquele cara tinha destruído as expectativas que eu tinha bolado enquanto arrumava a mochila.

Todos sentamos na ursa polar e seguimos viagem. Logo estaríamos bem.

Olhei em meu relógio de pulso, eram 3:15 e tanto eu quanto o resto do pessoal estávamos cansados, até mesmo Fleur. Pelo que eu fiquei sabendo, nenhum deles tinha dormido antes da viagem porque não tinham juízo, já eu, porque deitei na cama e nem preguei o olho de nervosismo.

—Vamos parar naquela caverna, Fleur — disse Miranda.

Eu nem tinha notado que havia uma caverna coberta de gelo ali, apesar de parecer ter sido construída por mãos humanas. Não duvidaria de nada.

Ao entrarmos, cada um tirou um saco de dormir que estava amarrado na mochila, menos eu, porque eu não tinha saco de dormir.

— George, você se esqueceu do saco de dormir?

— Eu não tenho — disse constrangido, mas dando uma pequena risada entre os dentes tremendo.

— Era só me falar que eu pegava um pra você... — ela se arrumou no seu saco — Fleur, você pode deitar do lado do George pra ele se encostar?

Fleur fez uma reverência com a cabeça e sentou ao meu lado.

Devagar (afinal, eu poderia ser devorado pela ‘’menina’’), eu me encostei nela e me cobri com a jaqueta. Estava mais quente.

— Melhorou? — perguntou Miranda.

— Sim, obrigado, senhorita — sorri.

Um silêncio percorreu a caverna escura. Eu conseguia ouvir a respiração pesada que Albert estava exalando.

— Eu me sinto mal de entrar nessa e não contar pra vocês o meu passado — falou Albert. — Se importam?

— Nem um pouco, na verdade vai nos deixar mais confiantes a seu respeito — eu disse, tendo um tom de grosseria na voz que Albert não reconheceu. Não sabia o porquê de estar sendo grosso.

— Por onde eu começo... — ele ficou quieto por um minuto pensando — Há seis anos, meu pai tinha sofrido um acidente de trabalho e morrido dois anos antes, e minha mãe havia encontrado um namorado nesse período de tempo. Um cara de mau caráter, mas ela estava perdidamente apaixonada, minha pobre mãe estava carente e ainda não tinha superado a perda do marido, acho que encontrar um namorado foi o jeito dela superar a perda, e felizmente funcionou. Mas o cara não me aceitava e convenceu a minha mãe a fugir com ele.

— Ela te deixou... sozinho? — perguntou Miranda.

— Sim... não deixou nem um bilhete. Eu não tinha família pra onde ir, tios ou avós, eu não conhecia ninguém. Temia que os vizinhos descobrissem e acionassem o conselho tutelar, o que me chutaria para um maldito abrigo. Então eu saí do apartamento pra viver nas ruas. Eu tive que me meter no ramo do tráfico de drogas, mesmo que eu não consumisse, me garantia um dinheiro pra comer e teto numa casa velha onde alguns traficantes se escondiam, eu já era um deles.

Ele fez uma pausa antes de continuar.

— No natal, o Sr. Noel estava entregando presentes quando me viu sentado num banco do parque, eu tinha acabado de levar uma surra porque não tinha ganhado o dinheiro necessário naquele mês, então os caras me chutaram dali. Eu estava pensando seriamente em acabar com a minha vida com uma faca que era a única coisa que me sobrara. Então o Sr. Noel me convidou para vir ao Polo Norte com ele. Eu sempre quis morrer de uma forma nobre como o meu pai, e se eu me suicidasse ali eu não morreria da forma como eu achava honrado.

— Como assim? — perguntei.

— Meu pai morreu tentando salvar uma família. Ele era bombeiro.

O silêncio voltou. Eu comecei a me sentir um pouco mal por ele, enquanto meus pais ficaram anos preocupados comigo, pensando que eu estava morto, a mãe dele o deixou sem pensar duas vezes. As histórias dos duendes do Sr. Noel eram terríveis e eu sabia daquilo, mas nunca tinha ouvido uma. Eu sou o que sempre teve a história de menino apaixonado.

— Desculpa, eu tentei resumir o máximo que pude — disse Albert, dando uma risada discreta.

— Não, Albert, foi bom que você tenha contado, agora podemos contar com você — falei, dando uma risadinha. Já estava me sentindo mais confortável em relação a ele, não era um cara ruim.

Miranda olhou para nós dois e sorriu.

— Acho que nós três vamos ser bons amigos.

Eu não sei se aquilo deveria me deixar feliz ou decepcionado por ela ter me colocado em sua zona de amigos.

# #

— Estamos quase no helicóptero! — gritou Miranda.

Nós já estávamos andando por uma hora quando um bando de ursos polares começou a nos perseguir.

A nossa pior ideia foi deixar Fleur voltar para a mansão e seguirmos caminhando.

— Vamos, pulem aqui! — gritou a mãe de Miranda quando estávamos perto numa distância em que era possível ‘’dialogar’’.

— Mas se pararmos eles nos alcançam! — berrou Miranda, com um ar de desespero.

Estávamos correndo como podíamos para chegar ao helicóptero, mas eles iam nos alcançar.

— Já sei! — sibilou Albert, em seguida aumentou seu tom de voz — Senhora, ligue o helicóptero e suba em voo baixo com ele!

— Mas...

— Por favor, faça o que eu disse!

A mãe de Miranda fez o que Albert mandou e ficou olhando para nossos movimentos, apreensiva.

— Srta. Miranda, George, subam. — disse Albert.

— Mas e você!? — perguntou Miranda.

— Eu vou despistá-los com a minha arma.

— Você tem uma arma!? — perguntei.

— Nunca se sabe. Não se preocupem, não vou matá-los, talvez eu consiga dar um susto com isso.

— E se não conseguir?

— Eu prefiro arriscar. — ele disse sorrindo maroto.

— Você é louco! — disse Miranda com remorso, mas sabia que era a única ideia que poderia funcionar — Tome muito cuidado!

Miranda correu mais rápido (se é que isso era possível) e se jogou na corda.

— Cuidado, parceiro! Quando voltarmos vamos montar algumas bonecas juntos — eu falei, sorrindo e colocando minha mão em seu ombro, ou quase, porque estávamos correndo.

— Vai ser um prazer, George. Vamos fazer as mais belas bonecas que o mundo já viu — ele riu e bateu nas minhas costas.

Foi então que eu pulei.

Albert fez um sinal positivo com o polegar, sorrindo, e tentou tirar a arma da bolsa.

‘’Não vá falhar agora, parceiro’’ pensei olhando-o com firmeza.

Ele conseguiu pegá-la quando um urso pulou em cima dele, fazendo a arma cair de sua mão e deslizar para longe de seu alcance. Ele se debatia para poder pegá-la, até o resto do bando chegar.

Albert estava sorrindo enquanto olhava para o helicóptero e seu último segundo passou quando o resto do bando o bloqueou do nosso campo de vista.

Miranda estremeceu.

‘’Não... Não é justo...’’ pensei.

— Albert! — o helicóptero não estava tão longe do chão, e Miranda fez a loucura de tentar se jogar para salvá-lo.

— Não! — eu gritei segurando Miranda com força — Esses animais não são a Fleur!

Miranda voltou a sentar ao meu lado, com os olhos cheios de lágrimas. Eu também estava, ele tinha acabado de dar a vida por nós. Na verdade, tinha sido muito rápido.

— Era assim que ele queria morrer. Como o pai — eu disse baixinho para Miranda, tentando segurar minhas lágrimas e abraçando-a. Achava que iríamos ser bons amigos. Senti um peso na consciência por não ter insistido para ele pular junto.

‘’Desculpa, parceiro. Acho que não vamos montar bonecas juntos.’’

# #

30 de dezembro de 2013

17h02min — Inglaterra

— Finalmente achei a casa! — disse Miranda.

— A enorme?

— Essa mesmo.

— E ele não vai suspeitar dessa visita?

— Eu digo que é uma visita de natal. ‘’Oh desculpa, meu pai queria vir, mas está muito preocupado com as investigações, então pediu para eu vir. Desculpa o atraso, foi difícil convencer George a vir, eu não queria viajar sozinha.’’

— De onde tira essas coisas?

Ela cutucou a cabeça com o dedo indicador e riu. Era a primeira vez que eu tinha a visto rir depois do que tinha acontecido com Albert. Eu também estava mal, mas a minha preocupação em deixar Miranda melhor foi tão grande que acabou me dominando também.

Nós andamos até a casa de Harold e ficamos parados no portão enorme de cor branca com as iniciais HN escritas no meio. Miranda tocou a campainha e depois de um longo minuto, uma empregada veio nos receber.

— Srta. Miranda!

— Eu vim visitar o tio Harold, ele está?

— Ele foi para a casa dele no Rio de Janeiro já tem alguns dias, a senhorita não sabia?

— Rio de Janeiro!?

Eu vi o corpo de Miranda se arrepiar por completo.

— Senhorita?

— Obrigada, Ruth. Nós voltamos outro dia para vê-lo então.

— Desculpa, se eu soubesse da sua visita eu tinha o avisado.

— Tudo bem — Miranda sorriu — Obrigada de qualquer forma.

Eu e Miranda descemos a rua em silêncio.

— Vou tomar uma providencia — disse ela.

Miranda tirou seu celular da mochila e se distanciou um pouco para fazer a ligação.

— Obrigada, mãe — ela desligou o celular e olhou para mim.

— Espero que tenha trazido roupas de verão.

— Por quê?

— Estamos indo ao Brasil daqui quatro horas.

# #

31 de dezembro de 2013

13h54min — Rio de Janeiro, Brasil

— Nós vamos mesmo ficar estabelecidos aqui? — perguntei olhando em volta do hotel que Miranda tinha escolhido.

— Minha mãe disponibilizou dinheiro pra nós.

— Não tinha um hotel mais barato?

— George, nós fomos em sete hotéis que eram mais em conta e todos estavam ocupados.

Fiquei quieto e concordei. Afinal, a cidade deveria estar cheia. E eu preferiria ficar num hotel bom do que no terceiro que nós passamos, que não me surpreenderia se encontrasse uma barata dormindo ao meu lado.

Miranda me deu a chave do meu quarto e guardou seu cartão, pensativa.

— Algum problema, senhorita?

— Eu só fico mal de gastar o dinheiro dessa forma. Minha mãe autorizou e tudo pela falta de quartos nos mais baratos...mas...

— Seu avô só está na lista dos homens mais ricos do Mundo, ele pode pagar por três desses— eu sorri, e girei a chave na minha mão — Vamos ficar por poucos dias.

Miranda puxou o colarinho do seu vestido.

— Está calor. Acho melhor irmos até a lojinha para comprarmos algumas roupas de verão.

Eu concordei. Depois de comprarmos algumas roupas, cada um levou as malas para o devido quarto e trocou as roupas para começarmos as investigações.

No térreo, eu vi Miranda descendo as escadas com o cabelo preso e um vestido vermelho, que pendia sob seu pescoço com um laço.

— Vamos? — ela disse.

— Claro. Garanto que vamos achar a casa desse homem ainda hoje!

Nós batemos as mãos num cumprimento e saímos do hotel confiantes.

Chamamos um táxi e, com o nosso conhecimento de português, pedimos para ir a uma praia onde ficava a maioria das casas particulares.

— Por onde começamos?

— Vamos procurar alguma casa com o mesmo portão que o dele.

A primeira casa pela qual passamos era enorme.

— Sério que são todas casas assim? — perguntei.

— Pelo jeito...

Passamos por casas vermelhas, casas com chafarizes, piscinas e muros com flores, mas nenhuma casa com as iniciais HN no portão. Miranda batia no portão das residências e perguntava se os vizinhos conheciam o Harold Noel, mas ninguém nunca havia o visto pelas redondezas.

— Você nunca viu mesmo? Ele tem meia idade, é alto... — Miranda estava discutindo com um homem de uns 24 anos da última casa que nos restava procurar.

— Eu sei quem é, leio revistas de negócio... mas não sabia de que ele tinha uma casa no Brasil.

Miranda suspirou.

— Mas vocês podem ir para a prefeitura! — disse o homem com rapidez. — Eles devem ter registros lá!

O rosto de Miranda clareou num sorriso do tipo ‘’Como eu não pensei nisso antes?’’.

— É verdade! — Miranda se embolou com as mãos como se não soubesse se deveria abraçar o homem ou sair correndo pra prefeitura. Então apenas pegou nas mãos dele num gesto que eu não gostei, mas que para sua mente inocente foi algo normal. — Obrigada!

O rosto do jovem corou.

— É... disponha... caso você precise de mais ajuda eu estarei aqui... — ele ficou olhando para os olhos de Miranda e o rosto dele estava completamente vermelho. Como se aquele vagabundo tivesse o direito de ficar admirando os olhos da minha querida e tendo segundas intenções enquanto ela sorria inocentemente.

— Obrigado — eu disse puxando Miranda.

‘’Se esse país tiver homens atirados iguais a esse cara, eu estou ferrado!’’ pensei enquanto levava Miranda para o ponto de táxi.

— Qual o destino? — perguntou o taxista quando entramos no carro.

Olhei para Miranda, porque eu não sabia o nome de absolutamente nada.

— Praia de Copacabana.

— Ah, vocês vão passar o reveillon lá?

Nos entreolhamos e lembramos que naquela noite era a virada, nós planejávamos ir para o hotel dormir.

— Não me digam que esqueceram que hoje é a virada? — perguntou o taxista.

— É... — eu disse.

— Bom, agora que eu lembrei vocês, passem na praia, os fogos são lindos e o pessoal está sempre bem animado.

— Obrigada pela dica, acho que vamos passar lá pra não deixar passar em branco, não é? — Miranda olhou pra mim e sorriu.

— Claro.

Eu permaneci olhando para o meu lado da janela, e Miranda para o lado dela. De vez em quando ambos soltávamos um bocejo, tínhamos pegado um engarrafamento.

— Aqui estamos — disse o taxista.

Eu acordei tomando um susto quando ouvi a voz dele cortar o silêncio.

— Ah sim, obrigada — disse Miranda, entregando o dinheiro.

— Até mais — eu agradeci e saí.

Miranda já estava parada na calçada olhando para a praia, seus olhos brilhavam.

A praia era linda. As águas balançavam com as ondas, algumas pessoas dançavam e a areia era branquinha. No alto de um morro, o Cristo Redentor estava iluminado como se protegesse a praia. Já tinham me dito da beleza do Rio de Janeiro, mas nunca achei que era grande coisa.

Saímos andando pela calçada, procurando algum banco vazio.

— Já são onze e quarenta, quanto tempo passamos no táxi? Eu acabei cochilando.

— Bastantinho, por causa do engarrafamento que pegamos lá atrás.

Eu e Miranda sentamos e ficamos olhando para a praia. Havia várias pessoas de branco, algumas riam e outras conversavam.

Tudo estava muito lindo, e eu estava admirado, contudo, eu estava sentindo a atmosfera pesada vinda da preocupação de Miranda.

— Não se preocupe. Amanhã nós vamos à prefeitura e perguntamos sobre Harold.

— É lindo... pena que o sequestro do meu avô esteja me deixando tão nervosa. Eu quero pegar aquele Harold e bater nele até que eu canse! — falou Miranda com um tom de raiva, serrando os punhos. Então ela respirou fundo e olhou para a praia novamente. — Eu queria poder vir aqui em outra oportunidade.

O rosto de Miranda estava triste, sem ânimo. Eu não estava acostumado a vê-la sem sorrir.

— Um dia eu te trago aqui de novo.

‘’Isso, George, abre a boca, idiota.’’

Eu tinha acabado de dizer para Miranda que viajaríamos juntos novamente. Eu era um idiota com uma boca enorme. Logo depois eu prometi a mim mesmo que chegaria ao hotel e daria socos na minha barriga.

— Eu mal posso esperar — Miranda olhou para mim e sorriu.

Eu evitei olhar para ela, não queria saber se ela estava realmente feliz ou se era um comentário pra me fazer ficar alegre.

Um silêncio se estendeu novamente, e eu estava distraído vendo dois cachorros brincarem na água.

— Sabe, George... — Miranda estava com os olhos fixos nas pessoas andando. — Eu nunca te falei mas... eu sou muito grata a você.

— O que você quer dizer, senhorita?

— Bom... você sabe que eu nasci no Polo Norte e nunca tinha saído de lá se não para fazer viagens com a família. Eu era uma criança... sozinha. Meus pais brincavam comigo quando não estavam cuidando da produção, mas não era a mesma coisa que eu via nos desenhos, eu queria saber como era conviver com uma criança — Miranda deu uma risada para si mesma, como se lembrar fosse um pouco engraçado. — Eu era triste, mas não admitia isso, afinal eu tinha tudo! A única coisa que me faltava eram amigos, mas eu me contentei, ninguém pode ter tudo na vida, então eu tornei um urso polar a minha melhor amiga, Fleur também gostava. Mas... foi aí que você apareceu quando eu e ela estávamos passeando.

Eu fiquei quieto, deixando-a prosseguir.

— Nós só brincamos durante um ano, quando começamos a crescer fomos nos distanciando. Mas eu já havia experimentado o sentimento de ter amigos. Só que alguns anos depois você recuperou a memória... E eu achei que nunca mais ia te ver... quando você voltou e disse que ia ficar, eu nunca senti uma felicidade tão grande.

Miranda deu uma risada curta e enxugou as lágrimas.

— É normal, George? — ela tinha conseguido domar o choro, mas parecia que tinha medo de olhar para mim. — É normal?

Eu queria poder responder a pergunta de Miranda, mas eu não sabia exatamente o que ela tinha perguntado.

— É normal eu ter me apaixonado por alguém com quem eu nem convivo muito?

As palavras ecoaram na minha cabeça como se uma bomba tivesse acabado de cair em mim.

Miranda tinha acabado de dizer que me amava, mas eu tinha sonhado tanto com aquilo que não parecia real, como se um sonho meu tivesse encarnado numa noite. Eu esperava acordar a qualquer momento na minha cama do Polo Norte, passando frio e não o calor que eu estava sentindo no Rio de Janeiro. Eu não sabia o que fazer, achava que aquilo nunca ia se tornar realidade.

Eu não havia pensado na possibilidade de Miranda me amar.

Assim como eu me apaixonei pela garota que me salvou dos ursos polares, ela se apaixonou pelo garoto que a salvou da solidão. Eu podia receber os sentimentos de Miranda como eu sempre tinha sonhado.

— Desculpa, eu não devia ter te falado assim...

— Não! — eu corri em pegar as mãos de Miranda e olhar nos fundos de seu olhos verdes, que me encaravam com surpresa. — Não, Miranda! Nenhuma frase poderia me deixar mais feliz!

O rosto triste de Miranda começou a deixar de estar presente e se transformou num sorriso aos poucos.

— Você...

— Eu te amo, Miranda!

Seus olhos começaram a encher de lágrimas, mas dessa vez, ela estava sorrindo.

Lentamente, eu e Miranda começamos a nos aproximar e entrelaçar as mãos, o som do fundo em as pessoas fazendo a contagem para a virada. Eu e ela ignoramos, e quando todos começaram a gritar e os fogos a estourar, meus lábios já tinham se encontrado com os de Miranda.

# #

13 de janeiro de 2014

22h15min — Rio de Janeiro, Brasil

Sentamos num banco do hotel. Tanto eu como Miranda estávamos desgastados. Mal comíamos direito, saíamos do hotel às 08:00 para as buscas e voltávamos às 02:30. Quando fomos à prefeitura, não encontramos nenhum registro de qualquer Noel, nenhuma casa, nenhum apartamento.

Nós não perdemos as esperanças e mesmo assim fomos de bairro em bairro da cidade perguntando se alguém conhecia Harold, mas alguns diziam que nunca tinham ouvido falar e os executivos davam risada e perguntavam se estávamos brincando com eles.

Depois de quase vinte dias no Rio de Janeiro, nós já tínhamos perdido toda a força de vontade. Miranda procurava me animar e eu a ela, porém ambos sabíamos que era apenas uma máscara.

Ligávamos diariamente para a mãe de Miranda, avisávamos que tudo estava bem e ela dizia que não havia nenhum progresso quanto à busca do Sr. Noel.

— George, eu estou cansada — disse Miranda desanimada.

— Não se preocupe, Miranda. Ainda há lugares para procurar — peguei a mão dela e entrelacei na minha, tentando dar a ela o pouco de vontade que ainda tinha. Ela olhou para mim e sorriu.

— Obrigada... — Miranda colocou a cabeça no meu ombro.

Eu estava pensando em todos os lugares do Rio e me lembrei das ideias que eu tivera na noite passada.

— Me lembrei agora, ontem notei que somos muito idiotas.

— Por quê?

— Há apenas um lugar para procurar.

— Onde?

— Nas favelas.

— Por que Harold estaria lá? Não faz sentido.

— Exatamente.

# #

— Rápido, não temos muito tempo — eu falei segurando a mão de Miranda.

— Nós já perguntamos em cinco casas, George.

— Então vamos para aquele bar.

Entramos num bar, Miranda olhou para o grupo de velhos sem camisa jogando sinuca como se para ela fosse a maior raridade do mundo ver caras sem camisa.

— Com licença — eu disse ao atendente do bar. O cara estava com uma regata da seleção brasileira.

— O que um casal tão jovem faz a essa hora no morro? — ele disse rindo.

— Estamos procurando uma pessoa...

— Talvez eu possa ajudar. Se quer informações sobre o morro, pergunte para o tio Juca! — ele deu uma gargalhada bem humorada.

— É esse homem — mostrei uma foto de Harold.

O ‘’tio Juca’’ olhou bem para a foto.

— Ah sim, conheço bem um rosto quando vejo um.

— Você sabe onde ele está?

— Não sei. Mas ele subiu por aquela direção — ele apontou para uma curva. — Vai ser fácil achar o cara, não têm muitas casas por ali.

Miranda exibiu um sorriso que eu não via desde o dia da virada.

— Obrigada! — ela pegou na mão do cara e fez uma referência, então saiu correndo morro acima.

Eu ri.

— Muito obrigado.

— De nada, parceiro, qualquer coisa sabe aonde vir.

Eu sorri e deixei o tio Juca cuidar dos copos dele.

— Que horas são? — perguntou Miranda.

— Meia-noite...

— Já estamos há muito tempo aqui... Me pergunto se ele ainda está bem.

— O clima tropical deve ser terrível, mas tenho certeza de que está bem.

Miranda andava disfarçadamente pelo pequeno final de rua, olhando para dentro de todas as janelas e procurando uma que tivesse algo suspeito.

— George...

— Sim?

— Aquela casa, vê?

— A última?

— Essa mesmo. Todas as cortinas estão fechadas e as luzes estão desligadas.

— Você acha que...

— Talvez.

Eu achei que o jeito mais natural era chegar e bater à porta da frente. Provavelmente, Harold não estava lá, deveria ter colocado alguém de guarda que não suspeitaria de dois adolescentes despreocupados e procurando o ‘’cachorrinho perdido’’.

— George! — Miranda me chamou baixo — O que está fazendo?

— Indo bater na porta.

— Você é louco?

— Mas...

— Vamos entrar por aquela janela aberta na lateral com aquela escada — Miranda apontou para uma escada jogada.

Nós entramos na casa, parecia estar vazia, então continuamos com cuidado. Eu tirei a lanterna da minha mochila e iluminei todos os cantos em busca de algo.

Fomos a quase todos os quartos do segundo andar, faltava apenas um, em que entramos com cautela.

Alguém virou o rosto quando a luz da minha lanterna entrou em contato com o quarto. Sua silhueta era grande, o homem estava com as mãos presas numa cadeira com cordas grossas.

— Vô! — Miranda se aproximou do avô e se ajoelhou na frente dele.

— Miranda... George... — ele sorriu. Estava suado e desgastado, seus olhos tinham olheiras e ainda usava as roupas quentes do Polo Norte, mas não parecia demonstrar qualquer sinal de tortura. O que era muito bom.

— O senhor esteve amarrado aqui durante todo esse tempo? — perguntei enquanto rompia as cordas com uma faca.

— Sim... — seus olhos estavam tristes. Assim que se soltou, a primeira coisa que fez foi tirar o casaco. — E os presentes estão no porão da casa. Eu estive aqui durante todo esse tempo com Harold, ele me deixou bem claro que estava fazendo isso por dinheiro.

— Exatamente como eu desconfiei... vamos, vô, depois você explica isso melhor pra nós — disse Miranda apoiando o avô com o braço e levando-o para a escada.

Nós descemos sem imprevistos, quietos. Até chegarmos ao final da rua, perto do bar do tio Juca.

— Aonde vocês pensam que vão?

Me virei e lá estava Harold Noel, vestindo roupas de verão e olhando-nos com firmeza.

— Estamos levando o Sr. Noel para casa — eu disse desafiador, encarando o velho de frente. Eu não tinha medo, não mais.

— Acho que não — Harold deu um riso discreto, tirou um revólver do bolso da calça e apontou para nós.

Estávamos encurralados, podíamos tentar correr e morrer tentando, ou ficarmos parados e deixarmos Sr. Noel morrer.

— Não... — eu pensei alto. — Eles não podem morrer.

— Se eu quiser, podem — Harold me encarou com olhos maléficos.

— Deixe eles irem, e eu fico. Pode me torturar e me matar se você quiser, mas eles não.

— George, não! — Miranda segurou meu ombro.

— E o que eu ganho com isso?

Eu fiquei quieto, não tinha nada a oferecer além da minha vida.

— Como eu pensei.

Pude ouvir o gatilho de sua arma ser acionado, e sua risada baixa.

— Acho que vou começar por você, cavalheiro.

Fechei os olhos com força e ergui a cabeça. Eu não me importaria de morrer, pelo menos eu seria morto na tentativa de salvar a minha amada e seu avô. Morreria com honra, mesmo sem meu objetivo alcançado.

— Acho melhor você desarmar esse negócio — ouvi uma voz familiar dizer, e então abri meus olhos surpreso.

Tio Juca e sua tropa de bêbados estavam atrás de Harold, encarando o homem em forma de ameaça.

— Mas quem vocês pensam que são? Um bando de pobres que vivem na favela acham que podem me ameaçar? Eu sou Harold Noel! Um dos homens mais ricos do mundo e...

O soco que tio Juca deu na barriga de Harold o fez ficar quieto e olhá-lo com desprezo.

— Não me importa quem você é. Mas essa zona é minha, e ninguém mata ninguém na zona do bar do tio Juca — ele deu uma risada. — Crianças, podem chamar a polícia agora, nós cuidamos desse burguês.

Miranda olhou para mim sorrindo e pegou o celular.

— Eu aviso meu pai, você avisa a polícia — ela disse sorrindo.

— No final das contas, acho que uma garota de dezessete anos faz mesmo a diferença. Melhor deixar isso bem claro pro seu pai — eu ri e peguei meu celular, discando o número da polícia.

# #

10 de dezembro de 2017

15h40min — Estados Unidos

— Então você vai administrar a fábrica quando Marcos se tornar Papai Noel!? — disse minha mãe com o rosto iluminado.

— Sim, já tem um ano que Marcos me disse isso, ele anda me preparando.

— Isso é incrível, filho!

Sorri para a minha mãe, tanto ela quanto meu pai estavam extremamente felizes de saber que meu futuro já estava garantido quando eu tinha apenas 21 anos.

— Mas me diga agora, campeão. — meu pai falou, rindo — Você está bem bronzeado, onde pegou essa cor?

— No Rio de Janeiro — eu ri — Estava na minha lua-de-mel lá, vocês se esqueceram que eu disse que pararia aqui no caminho de volta para o Polo Norte?

— Ah é, verdade. Nós ficamos tão animados que acabamos nos esquecendo — meu pai balançou a cabeça. — Falando nisso, onde está a sortuda?

— Ela já está chegando, parou na casa da tia dela para dar um oi.

Minha mãe bateu as mãos, demonstrando ansiedade.

Nesse momento, a campainha tocou e eu sabia que ela tinha chegado.

— Vou abrir pra ela — levantei do sofá e fui até a porta, um pouco nervoso, sabia que eles iriam gostar da minha esposa, mas aquele nervosismo sempre ficava.

Ela estava linda com o cabelo preso em coque, depois que se casou teimou em deixar o cabelo daquele jeito, disse que transmitia o ar de mulher madura que ela queria. Eu apenas dava risada.

Peguei na mão esquerda dela para transmitir confiança. Analisei bem a aliança de ouro que ela usava, que fazia um par perfeito com a minha.

Conduzi-a até a sala, meus pais sorriram radiantes. Minha mãe estava tão feliz que parecia que ia saltar da cadeira a qualquer momento.

— Pai... mãe... Hora das apresentações formais — eu sorri e passei meu braço por cima de seu ombro. — Essa é Miranda, minha esposa.

— É um prazer conhecê-los — Miranda fez uma reverência e sorriu.

— Que meiga! — minha mãe se levantou e correu para abraçá-la. — Olha, Carlos! Dá pra acreditar que nosso filho se casou com uma coisa linda dessas?

— Não se enganem, Miranda já prendeu um cara, ela não é tão indefesa quanto vocês pensam — eu ri.

— Mas eu não fiz isso sozinha — ela olhou pra mim e piscou, sorrindo marota.

— Ah sim, eu estava ansioso para saber dessa história. Sentem-se, quero saber de todos os detalhes — disse meu pai já se posicionando para escutar a narrativa.

— Claro, eu prometi que contaria — falei ao meu pai e me encostei no sofá. — Tudo começou numa tarde de 23 de dezembro, estava tendo uma tempestade de neve fora da mansão do Sr. Noel...


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