Netflix Guy escrita por Roni Ichiro


Capítulo 2
Deus abençoe os pugs




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Eu acho que conheci a garota da minha vida.

No trabalho.

E não é como se eu trabalhasse como fotógrafo de modelos de lingerie ou coisa do tipo. Eu trabalho na porra do Netflix !

Eu achava que esse seria um dia torturante para mim, porque além de lidar com o tédio que era aquele emprego (que meu pai me obrigou a ficar, porque eu era um vagabundo e precisava contribuir pra renda da casa, e blábláblá..), tinha também que lidar com o fato de que podia estar passando aquele dia com a Lori, se ela não tivesse me dado um pé na bunda.

A ligação que eu achava que ia ser como todas as outras acabou se tornando um tele-encontro ! Quer dizer, não sei se conta como encontro e tal, mas a conversa fluiu bem pra caramba.

Eu sabia que tinha acabado de conhece-la, mas queria continuar conversando com ela até meu próximo aniversário. As últimas garotas que namorei eram todas tão fúteis, burras, e desinteressantes (apesar de serem gostosas), e ela era inteligente, divertida ! E pra completar ainda era uma ruiva de olhos azuis. Que cara nunca sonhou em ficar com uma ruiva de olhos azuis ?!

Mas como nada na minha vida pode acontecer do jeito que eu quero, meu chefe tinha que aparecer para acabar com a minha alegria. Ele nunca me nota, nunca, mas bastou perceber que eu estava me divertindo um pouco que ele surgiu para destruir a alegria alheia.

– Ei, Jack ? – escutei Merida falando.

Ela tinha encerrado o assunto anterior, então era minha deixa para tocar no assunto “Então, quando vamos nos ver fora do atendimento do Netflix ?”, ou torcer para que ela mesma mencionasse. Mas não consegui ouvir o que ela tinha a dizer em seguida, porque nesse exato momento o sr. Pitch brotou atrás de mim, soltando uma bufada atrás da minha nuca que me fez arrepiar até o último fio de cabelo. Congelei na cadeira.

Ouvi sua voz assustadora e baixa dizendo : “Frost...”, e me virei, me cagando de medo.

– D-diga, Chefe...

Vi que seus olhos se direcionaram ao computador, depois para mim, e ele falou, irritado :

– O que diabos está fazendo ?

Afastei o microfone e respondi, suando frio :

– Hã...atendendo uma cliente.

Ele me encarou até o fundo da alma, como se quisesse sugar todo o resquício de felicidade que tinha dentro dela.

– Está há horas namorando no telefone e chama isso de atender uma cliente ?!

E me ocorreu que tudo o que eu estava conversando com Merida estava sendo gravado e o sr. Pitch poderia estar muito bem escutando. Meu Deus, como eu era estúpido. Um estúpido que estava ferrado.

E enquanto pensava em como minha cabeça iria ser pendurada na parede da sala do meu chefe, dei uma olhada ligeira até o microfone, torcendo para Merida continuar falando sem parar sem notar que eu não estava respondendo.

Infelizmente, o velho idiota reparou naquilo.

– Eu ainda quer voltar e conversar...Inacreditável ! – havia ódio em seus olhos – Escute aqui, Frost, se quer ficar batendo papo o dia inteiro, fique na sua casa. Mas se não quiser ir para o olho da rua agora, sugiro que desligue essa ligação agora. – e por “sugiro” ele quis dizer “estou ordenando, seu verme”.

– S-sim, senhor. – falei, com o coração pesando. Não podia desligar na cara dela ! Depois de tudo aquilo ! Depois de tê-la alegrado, ela estava tão triste naquele dia ! Iria ficar com ódio de mim, e...não iria querer mais me encontrar.

Merda. Não podia deixar aquilo acontecer.

– Posso só... – sabia que estava brincando com fogo, mas naquele momento meu lado racional estava quase estrando em modo repouso. – Me despedir... ?

Ele apertou os punhos com tanta força que achei que iria levar o maior soco na cara. Mas ele fez pior do que isso. Afastou minha cadeira e foi direto até meu computador. Não só desligou a ligação como deletou a gravação e os dados dela.

Ou seja, eu tinha perdido para sempre o telefone de Merida para poder depois ligar para ela e tentar resolver as coisas.

Aquele velho filho da puta !

E para completar, ainda falou :

– Se eu vir um sorriso sequer, está na rua. – e foi embora.

E fiquei lá parado encarando aquele computador por alguns segundos. Há menos de um minuto estava conversando com uma garota incrível, agora não tinha jeito de voltar a ter contato. Ele deletara tudo.

Que ódio ! Que vontade de gritar e sair daquela merda de emprego ! Que vontade de invadir a sala do Pitch e faze-lo engolir a merda do computador que ele mexeu e estragou a minha noite !!

O que mais me irritava era que eu não podia fazer nada. Nada iria trazer Merida de volta. Nem me demitir eu podia, senão meu pai iria me matar. E ainda tinha que atender uma porra de ligação que estava aparecendo na tela do computador e resolver problemas de pessoas que eu não dava a mínima. Que merda de vida.

Passei o resto da noite passando a conversa que tive com Merida na cabeça. Aquelas reclamações de clientes insatisfeitos passavam de um ouvido para o outro, e minha fala era automática feito a de um robô.

Até que meu expediente acabou e eu pude voltar para casa. Deviam ser quase duas da manhã quando entrei em casa e a primeira coisa que eu vi foi minha irmã tagarelando no telefone com a amiga :

– Ele foi tão gentil ! Estou apaixonada ! Vamos sair de novo semana que vem !

Eu tenho que trabalhar pra continuar morando em casa, mas a princesinha pode gastar o quanto ela quiser no telefone, né ? Pensei para mim mesmo, com ódio.

Mas ao me ver naquele estado, ela se despediu rapidamente da amiga e veio falar comigo.

– Jack ? Que cara é essa ? Você está bem ?

Respirei fundo, depois respondi :

– Não, Tooth. – esse era o apelido que dei para ela quando criança, porque ela tinha os dentinhos muito tortos até fazer onze anos, quando ela finalmente colocou aparelho. – Nada bem.

Ela me encarou preocupada.

– O que aconteceu ? Alguma coisa no trabalho ?

– Na verdade, sim. – dei um riso triste – Conheci uma garota... incrível.

– E isso é ruim ? É maravilhoso ! – ela abriu um grande sorriso com seus lindos e certinhos dentes – Finalmente você seguiu em frente daquela garota horrível ! Como ela se chama ?

– Merida. – respondi, nostálgico.

– Oh, que nome diferente... – e ela parou de sorrir – Mas qual é o problema, Jack ? Ela não gostou de você ?

– Ah, gostou sim... Quer dizer... acho que agora não gosta mais.

– Por quê ..?

E contei a ela toda a história. Desde quando atendi a ligação até o momento em que Pitch deletou tudo.

– Jack... – Tooth disse, com os olhos brilhando – Você precisa encontra-la !

– Como, Tooth ? Meu chefe deletou todo o contato.

– Mas você sabe o nome dela ! Procura no Facebook !

Aquilo pareceu até uma boa ideia. Peguei meu celular e digitei seu nome e cliquei em pesquisar, e... aparentemente aquele é um nome comum lá na Escócia. E o que tem na Escócia ? Tã-dã ! Ruivas de olhos azuis ! Já que eu não sabia como era seu rosto, seria uma busca sem fim. E eu não lembrava o maldito sobrenome complicado dela !!

– Se acalme, vamos pensar... – Tooth ficou pensando em novas ideias, até que falou - Ela não tem cadastro ? No cadastro não tem o telefone ?

– Acho que não, no cadastro só tem o emai... – fiz uma pausa.

– O quê ?

– O email ! – levantei da cadeira com um salto – Não é dela, mas é da mãe ! Se eu falar com ela, talvez chegue em seu telefone ! Ou até endereço ! – comecei a delirar, pensando em aparecer na porta da casa da garota.

– Jack, isso não vai dar certo. – Tooth me encarou espantada.

– Por que não ?!

– Porque o que te faz pensar que uma mulher que nunca te viu na vida iria dar seu endereço por livre e espontânea vontade ?

Murchei, voltando ao planeta Terra.

– Você tem razão.

Estava quase perdendo as esperanças quando de repente, avistei meu irmão mais velho saindo da cozinha, mordendo uma barra de chocolate.

– Mond ! – Tooth gritou, correu até ele e agarrou seu braço – Vem aqui ! Vê se consegue ajudar a gente !

– TOOTH ! – gritei.

Merda ! Meu irmão só iria me sacanear dizendo que eu iria arranjar ideia de me encontrar com um cara ou com uma velha de 90 anos se fingindo passar por uma menina bonita. Não é como se eu tivesse medo dele, apesar do cara ter quase dois metros de altura e uma cara de mal-encarado, mas nossa vida se resume a basicamente um ficar sacaneando o outro, e sinceramente, não estava no clima pra mexer com ele.

– O que foi ? – ele perguntou, nos encarando

– O Jack conheceu uma...

Corri até Tooth e tentei tapar sua boca, mas ela me deu uma mordida e se soltou.

– Uma garota ! Pelo telefone ! E quer se encontrar com ela, mas perdeu todo o contato !

Senti meu sangue subindo até as bochechas. Porra ! Agora que ele iria me zoar pro resto da minha vida.

Mond me olhou de cima a baixo e deu uma risadinha.

– Parabéns, mané. Agora não precisa chorar tomando sorvete de morango porque está sozinho. – ele deu uma piscadela. – Tá, vamos começar lembrando tudo o que você sabe sobre essa garota.

Hã ? Era isso mesmo ? Ele iria me ajudar assim, sem nada em troca ? Aquilo tinha sido minha zoação do dia ?

Mond percebeu minha cara de surpreso, e soltou um último comentário, se sentando no sofá :

– Sim, Jack, eu tenho coração, ao contrário do que você pensa. Só vou esperar você começar a ficar com essa menina pra voltar a te ferrar, sua bichinha sensível.

Dei risada e sentei no sofá. Nem acreditava que meus irmãos estavam lá para me ajudar naquela aventura, sendo que podiam estar fazendo coisa muito melhor.

– Bom... – comecei – Ela se chama Merida, é da Escócia mas mora aqui nos Estados Unidos, tem quatro irmãos...

– Mais fundo, cara. – Mond falou – Não lembra dela ter falado algo sobre a cidade dela ? Sobre a escola ?

Busquei até o mais fundo na memória, mas não lembrava dela comentando nada relevante.

– Só que ela não consegue fazer amizades facilmente.

– Nossa, Jack... – Mond riu – Arranjou uma bela sociopata, hein...

– Mond... – Tooth lhe lançou um olhar repressor.

– Ok, ok. Vejamos... – ele pensou um pouco – Os hobbies dela ?

– Bem.. Ela gosta de assistir a filmes animados, desenhar, passear com a cadela obesa dela...

De repente, Mond parou e me encarou.

– Ela tem uma cadela ? Qual raça ? E nome ?

Ergui uma sobrancelha.

– Isso faz diferença ?

– Responde a minha pergunta, porra.

– Tá... se chama Ursa, é uma pug.

Mond olhou para os lados e começou a estalar os dedos, como se estivesse tentando lembrar de alguma coisa.

– Uma pug...obesa... AHÁ ! – ele levantou rapidamente do sofá – A cadela do Sandy!

– Como é que é ?! – perguntei, aflito.

– Meu amigo Sandy tinha uma cadela que era uma pug muito gorda, mas o irmãozinho dele nasceu muito alérgico, então eles tiveram que doá-la. E eu lembrei dele comentando que doou pra uma menina que tinha uma irmã mais nova...

Meu coração parou.

– Por acaso o nome dessa menina é...Astrid ?

Mond sorriu.

– É ela mesmo !

Minhas mãos tremeram, e meu coração dava marteladas no meu peito. Não era possível ! Aquilo estava acontecendo mesmo ?!

– É a irmã mais velha da Merida !! – pulei do sofá , abraçando meus irmãos com força.

– Jack ! Achamos a Merida !! – Tooth deu pulinhos de alegria.

– Ei, ei, me solta, seu gay ! – Mond se soltou, rindo. – Amanhã ligo pro Sandy e pergunto o endereço delas. Ele sabe, porque ele e o pai levaram a cadela pra lá.

– Espera, o endereço ? – engoli em seco – Não é melhor o telefone, Facebook, sei lá ?

– Claro que não, Jack ! – Tooth falou, com as mãos na cintura – Imagina que romântico vai ser quando você bater na porta dela ! Você precisa surpreendê-la ! Uma ligação não tem o mesmo efeito !

– M-mas... – balbuciei, envergonhado – E se ela não ficar feliz em me ver...?

– É claro que ela vai ficar ! – ela sacudiu meus ombros – Jack, você apareceu como um anjo caído do céu pra essa menina ! Se explicar que foi seu chefe que desligou e não você, ela vai te perdoar !

Olhei com incerteza para Mond.

– Eu tô com ela nisso. – ele falou – Faz o serviço completo logo. Não quer encontrar essa garota ? Vai até ela então, seu bicha.

Caramba. Aquilo era o que eu mais queria, apesar de estar morrendo de medo. Iria aparecer na casa de uma garota que nunca vi na vida, iria ver pela primeira vez seu rosto, e dizer a ela que gostava dela.

Eu sabia que aquilo tinha chances de dar muito errado, mas eu não ligava. Queria vê-la. Queria muito vê-la.

Respirei fundo, e falei para meus irmãos :

– Está certo. Amanhã vou ver a Merida.


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Notas finais do capítulo

Pois é, acabou que não serão só 2 capítulos...hehe