Cinderela às Avessas escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 3
Que se achava no direito de pisar em todos




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Apesar de ainda ser vinte e três de novembro, aquele foi o último dia de aula e todos já tinham os resultados. Assim, não havia mais porque ir a escola. Uns passaram direto e comemoravam alegremente os próximos dois meses de férias sem ter que se preocupar com livros e cadernos. Já outros lamentavam a recuperação e os dias que seriam perdidos por causa das provas. Quatro jovens estavam muito alegres com seus resultados.

– Uhuuu! Não acredito que passei direto! – Cascão comemorava segurando seu boletim. – O papai aqui não é mole não!
(Mônica) - Ai, que alívio! E até que minhas notas melhoraram esse ano!
(Magali) – Meus pais vão ficar muito felizes!
(Cebola) – Com essas notas, vamos ver se meu pai libera um tablet novo!

Carmem seguia todos andando sozinha porque suas amigas estavam lhe evitando. Claro, elas não passavam de umas invejosas recalcadas, por isso lhe tratavam daquele jeito. Por que tanta implicância? Ela não tinha feito nada demais, apenas falou algumas verdades aqui e ali sobre as roupas delas. Especialmente as da Mônica e Cascuda.

Afinal, elas estavam mesmo vestidas como mendigas e alguém precisava dizer isso. Só que elas eram sensíveis demais e não suportavam críticas que tinham sido feitas para seu próprio bem. Azar o delas.

Ainda assim era desagradável ter que andar sozinha. Até Denise estava lhe evitando. Mais a sua frente, a turma ia conversando animadamente planejando como iam passar as férias do fim de ano. Férias de gente pobre, certamente. Cebola e Mônica estavam de mãos dadas. Eles estavam se entendendo bem ultimamente. Também iam Cascão e Cascuda, felizes e abraçados. Na saída, ela viu Quim esperando por Magali e Franja por Marina. Todos felizes em ignorá-la.

Quando saiu da escola, Cascuda deu um sorriso ao ver o primo lhe esperando no outro lado da rua.

– Oi, Rafa! Como vai? – ela foi até ele com as amigas logo atrás. Apesar de ser mais velho, aquele homem era mesmo um gato!
– Oi. Trouxe o CD que te prometi.
– Vou ouvir quando chegar em casa, deve estar lindo!
– Quem é esse bofe escandaloso de bom? – Denise perguntou com todo seu assanhamento e Cascuda resolveu apresentá-lo para as amigas.
– Meninas, esse é Rafael, meu primo. Ele é músico e veio me trazer um CD de... de... – ela parou de falar quando viu Carmem examinando o carro atentamente. – O que você tá fazendo, criatura?
– Nossa! Essa BMW é último modelo, super cara! Eu não sabia que tinha um ramo chique na sua família, fofa! Por que não me contou? E esse seu primo é uma graça, viu? Prazer, querido, eu sou a Carmem Frufru! – ela falou estendendo a mão com um grande sorriso no rosto.

Meio sem jeito, ele estendeu sua mão para cumprimentá-la e procurou esclarecer as coisas.

– Er... meu nome é Rafael, mas esse carro não é meu. Eu trabalho como chofer e de vez em quando uso para... – Carmem afastou a mão rapidamente e fez uma careta de nojo.
– Ah, tá. Outro pé rapado. Hunf, nem sei por que perco meu tempo com gentalha!

Cascuda cerrou os punhos com força, seu rosto ficou vermelho e seu auto controle acabou indo para o espaço.

– Do que você chamou o meu primo?
– Será que além de pobre, você é surda? Eu não vou ficar repetindo as coisas pra ninguém!

Um tapa voou em seu rosto, sendo seguido por um puxão de cabelo, unhadas e alguns socos. Foi uma gritaria geral, uma pequena multidão se reuniu ao redor para presenciar a briga mais louca do ano e todos torciam para que Cascuda batesse ainda mais naquela patricinha irritante.

Mônica precisou separá-las e segurar Cascuda para que Carmem não apanhasse mais. Sua roupa estava suja, havia marcas de tapas e arranhões no seu rosto, seu cabelo estava desgrenhado e grande porção dele ficou na mão da sua oponente.

– Sua cretina, quem você pensa que é? Ninguém xinga minha família, ninguém!

Os pais de ambas as moças foram chamados e a Sra. Frufru mal conseguia esconder a vergonha. Que situação mais constrangedora! O que deu em sua filha para ter agido daquela forma?

– Nós podemos ser pobres, mas temos dignidade! Que tipo de educação vocês dão para sua filha? – os pais de Cascuda falaram muito indignados.
– Me desculpe, por favor, mas sua filha também errou ao bater na minha! Violência não justifica nada!
– Claro, mas sua filha humilhar a nossa pode, não é?

Licurgo brincava com bonequinhos de papel ignorando a discussão dos três. Quando perceberam que o diretor estava silencioso demais, pararam de discutir.

– Eu acho. – ele falou ajeitando os óculos. – Que as duas deviam dar um beijinho e fazer as pazes.
– Como é que é? – elas falaram ao mesmo tempo totalmente horrorizadas.
– Ora, é fim de ano e daqui a pouco é natal! Por que brigar tanto? O sargento papeludo aconselha que todos façam as pazes e parem de brigar!

A mãe da Cascuda olhou para a filha como que pedindo explicações para aquela esquisitice. A moça deu de ombros e Licurgo decidiu.

– É isso aí! Meu exército de papel não quer mais brigas! Façam as pazes agora mesmo e prometo não colocar ninguém para descascar batatas!

Sem outra escolha, as duas pediram desculpas mutuamente. Desculpas forçadas porque na verdade uma queria esganar a outra. Tudo terminado, todos foram embora com Carmem ainda reclamando.

– Você devia processar aquela baranga, olha o que ela fez com o meu lindo cabelo! E as minhas roupas estão estragadas pra sempre!

Quando chegaram em casa, o Sr. Frufru as esperava muito preocupado e os três foram ao escritório onde podiam conversar com privacidade.

– Filha, estamos muito preocupados com você. – ele começou.
– É pra ficar preocupado mesmo, aquela pobretona quase me matou! Será que vai ficar marca no meu rosto?
– Não é isso. – Sua mãe interrompeu. – Não gostei nem um pouco do jeito com que você falou com aquela moça. Chamar a família dela de gentalha? Isso não se faz com ninguém!
– Falei mentira por acaso? Eles são pobres, estão num nível muito abaixo do nosso! Como queria que eu agisse?
– Com educação e civilidade! Não criamos uma filha mal educada e eu estou muito chateada com esse comportamento!
– Eu também! Só porque temos dinheiro, você não pode tratar as pessoas como se fossem insetos.
– Por isso mesmo eu estou pensando em não te deixar ir ao desfile nesse sábado.
– O quêeeee? Não, mamy, isso não! A senhora prometeu!
– Isso foi antes de você maltratar sua amiga daquele jeito!
– Vai quebrar sua promessa? Não é justo!

Sr. Frufru coçou a cabeça, pensou um pouco e falou.

– Carmem, saia um pouco para que sua mãe e eu possamos conversar.
– Tá bom, papi.

Ela saiu e esperou por alguns minutos. Depois seu pai lhe chamou novamente. Sua mãe falou.

– Seu pai e eu conversamos e decidimos que você pode ir ao desfile. Eu prometi e pretendo cumprir minha promessa.
– Ai que bom! Obrigada, muito obrigada. – Sua mãe continuou.
– No entanto, o que você fez foi errado e não posso deixar impune. Como castigo, você não poderá comprar nada.

Carmem precisou se apoiar em um móvel para não cair.

– N-não comprar nada? Espera, a senhora não pode estar falando sério!
– Sim, filha. Eu estou. Você já tem roupas demais e todas ainda estão na moda.
– Mas é a nova coleção de verão, não posso deixar de comprar! Quer que eu fique feia nesse natal?
– Carmem, obedeça sua mãe ou não a deixaremos ir ao desfile.
– Papi...
– Estamos falando sério. Se sua mãe diz que você não precisa de mais roupas, é porque não precisa mesmo. Ou você promete que não irá comprar nada, ou estará proibida de sair.

Não adiantou chorar e nem implorar. Eles permaneceram irredutíveis e Carmem viu que se não cedesse, acabaria perdendo o desfile pelo qual ela tinha esperado o ano inteiro. Sem outra solução, ela acabou se dando por vencida.

– Está bem, eu prometo.

Sra. Frufru a olhou nos olhos muito séria.

– Promete mesmo? Lembre-se de que eu estou lhe deixando ir a esse desfile porque sempre cumpro com a minha palavra. É importante que você retribua também cumprindo com a sua. – Seu pai apoiou.
– A palavra é algo muito importante. Se prometer, não poderá voltar atrás. Podemos confiar em você?
– Podem sim, juro juradinho! Por favor, deixem eu ir!
– Está bem. Se você promete, então pode ir ao desfile. Mas volte antes das sete! Você também prometeu isso!

Carmem deu um abraço nos dois e um beijo em cada face. Um beijo fingido e sem emoção, já que no fundo ela os achava os piores pais do mundo. Era muita crueldade lhe proibir de comprar aquelas roupas maravilhosas que ia ter no desfile. Por que a vida tinha que ser tão cruel com ela?


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