Cinderela às Avessas escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 18
E amarga a solidão sozinha




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Em sua casa, Marlene fazia os preparativos para a ceia da sua família. Um cheiro delicioso de comida encheu o ar, indo parar até nas casas vizinhas.

– Que cheiro bom, mãe! – a filha mais nova entrou na cozinha tentando filar alguma coisa.
– Você gosta? Vai ficar delicioso mesmo! Você e sua irmã já arrumaram a mesa?
– Já sim!
– Então vai brincar enquanto eu termino tudo aqui. Depois vamos dar uma passadinha na casa da D. Zefa para dar feliz natal a ela.
– Tá bom!

A menina pegou uma castanha do Pará que estava numa vasilha sobre a mesa e ignorando os protestos da mãe, voltou correndo para a sala. Marlene continuou a fazer o jantar perdida em seus pensamentos. Ela ia ter que enfrentar mais um ano naquela casa horrível. Mais um ano tendo que cozinhar para aqueles dois arrogantes que nunca elogiavam sua comida, mas sempre encontravam algo para criticar.

Ela colocou um pouco de cidra no copo e tomou para ver se afastava aqueles pensamentos tristes. Não era hora de pensar naquilo, por enquanto.

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Toda a turma e suas famílias estavam reunidas na padaria do seu Quinzão para a festa de natal. Havia comida, bebida e todos conversavam alegremente. Cascuda estava sentada numa cadeira com um copo de refrigerante na mão pensando no que tinha acontecido naquele dia. Como Carmem estava? Será que ia passar o natal sozinha naquela mansão?

Alguma coisa parecia lhe incomodar, talvez fosse dor na consciência. Será que não teria sido muito severa? Ela tentava se justificar alegando que Carmem precisava tomar lições de humildade, mas parte dela questionava se ela tinha feito aquilo da maneira certa. Será que não tinha exagerado ao tentar fazer com que Carmem trabalhasse na festa? Afinal, ela tinha convidado a amiga para participar, não tinha falado nada em trabalhar e servir os convidados.

Geralmente, eram os adultos que cuidavam da organização da festa e os jovens apenas faziam a limpeza no dia seguinte.

“Droga, agora ela tá lá sozinha e eu não posso fazer nada! Se bem que ela foi muito grossa comigo, então é bem feito passar o natal sem ninguém!”

Ela tentou comer um salgado para distrair os pensamentos e não funcionou. Por que aquilo lhe incomodava tanto? Não haveria alguma forma de amenizar aquela dor na consciência? Eram dez e meia. Não, não dava para fazer nada. O único jeito de consertar aquilo seria ir atrás de Carmem e chamá-la para a festa, só que não dava mais tempo. Era tarde demais para pegar ônibus, ela não tinha dinheiro para o taxi e sabia que não ia achar nenhum também. Se alguém desse uma carona, até que seria bom, mas ela não sabia como chegar a mansão dos Aguiar de carro, então não daria para orientar ninguém.

Seu coração apertou um pouco ao imaginar Carmem sozinha, talvez aos prantos e sem ninguém para fazer companhia. Certo, sua atitude foi mesmo um exagero. E Carmem parecia não estar se sentindo muito bem, talvez por ter descoberto o jeito que ela falava dela para a turma. Chamar uma pessoa de pobre coitada não era nada bonito.

– O que foi, linda? Tá bolada porque sua amiga não veio? Esquenta não, ela deve estar bem.
– Espero que sim. Sabe, eu tava pensando numa coisa... você acha que eu sou muito severa com as pessoas?

Cascão coçou a cabeça, olhou para os lados, tossiu algumas vezes, tentou desconversar e Cascuda viu que a resposta era sim.

– Puxa, não queria ser desse jeito, é muito cruel!
– Você não é cruel. Pra me agüentar, tem que ter um coração bem grande!
– Obrigada, fofinho, mas eu sei que posso ser má às vezes. Fico aqui pensando se eu não cobro demais das pessoas, talvez mais do que elas podem fazer.
– Éeeeee....
– Acho que cada um é como é. A Carmem sempre foi cabeça de vento desde criança. Será que é justo cobrar dela mais do que ela pode dar?
– Mas hein?

Cascuda falava mais para si mesma.

– A vida dela virou de cabeça pra baixo e tudo o que eu fiz foi só criticar. Isso não se faz, ainda mais com uma pessoa que tá na pior!
– Hã...
– Acho que grande parte disso foi culpa dos pais dela, que não souberam educar. Mas agora é ela quem tá sofrendo as conseqüências pelos erros deles! Isso não é justo mesmo!
– Tipo assim...
– Eu achava que podia dar lições de moral pra ela, ensiná-la a ser uma pessoa melhor, mas acabei sendo tão ou mais horrível do que ela! Me sinto tão mal por isso! O que eu faço?
– Er...
– Já sei! Amanha vou ver se passo lá na mansão pra falar com ela. Quem sabe não levo alguns salgadinhos da festa? Vai ajudá-la a se sentir melhor. Obrigada, Cascãozinho! Você é mesmo um fofo! – ela falou lhe dando um beijo na bochecha.
– Nhá!

Ela se afastou para conversar com as amigas deixando o rapaz sorridente. De repente, ele coçou a cabeça e ficou com cara confusa.

– Peraí... ela me agradeceu pelo quê mesmo?

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Seu único consolo, se é que podia ser chamado assim, era pelo menos poder chorar numa cama, porque todo o resto tinha dado errado. Carmem chorava na cama de Cassandra, colocando toda sua amargura para fora. Aquele dia prometia ser tão bom e acabou sendo uma droga. Ela ficou ali sozinha, sem nada para fazer nem para onde ir. Não havia sequer algo para comer porque todos os lugares onde se guardavam comida estavam trancados.

A única televisão da casa estava no quarto dos patrões, que era trancado a chave sempre que eles saíam. Não havia sequer um mísero radinho de pilha para lhe distrair. Tudo o que ela podia fazer era chorar e lamentar.

Será que foi boa idéia brigar com a Cascuda? Na hora ela estava de cabeça quente, com o ego ferido e o orgulho acabou falando mais alto. Depois de se acalmar e pensar bem, ela começou a achar que teria sido melhor ignorar tudo e assim poder ir a festa. Pelo menos não estaria sozinha, amargurada e faminta.

– Por que isso tá acontecendo comigo? Por quê? O que eu fiz pra merecer isso? Por que aquela mulher não aparece logo? Eu arrumei a porcaria do emprego e ela não apareceu! Que mentirosa!

Ela foi praguejando contra Creuzodete, Cascuda, Toni, Cassandra, seus patrões e contra todo mundo que conseguisse lembrar. Era como se o mundo inteiro tivesse conspirado para torná-la infeliz. Não havia outra explicação.

O rangido da porta se abrindo lentamente chamou sua atenção. Não tinha como ser o vento porque a casa estava toda fechada. Foi como se alguém tivesse mexido na porta. Será que os outros tinham chegado?

– Ai meu santo! Se a Cassandra me pega aqui, me mata de uma vez! – ela levantou-se rapidamente para arrumar a cama e resolveu ir até o banheiro para lavar o rosto.

Nos quartos dos empregados, lavanderia e demais áreas de serviço, as lâmpadas eram mais fracas por conta da absurda economia que a Sra. Aguiar impunha a todos. A luz fraca das lâmpadas dava um clima meio assustador que fazia Carmem ter arrepios de medo. Afinal, ela estava totalmente sozinha e não tinha uma única alma viva naquela propriedade além dela. E se entrasse algum ladrão na casa?

Tentando espantar o medo, ela lavou o rosto rapidamente e na volta levou um susto ao ver que a porta da lavanderia estava aberta, mostrando o lado de fora. Será que ela tinha esquecido de fechar? Mas ela nem abriu aquela porta porque tinha entrado pela cozinha, como sempre.

– Eu heim! Será que a Marlene esqueceu de fechar? Que perigo!

Quando foi fechar a porta, ela viu o vulto de uma pessoa se movimentando no lado de fora e estava prestes a abrir o berreiro de sempre quando viu que era alguém conhecido.

– Você?



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