Katniss é o tipo de pessoa que te conquista sem um único sorriso (até porque ela não sorri muito), sem fazer esforço e sem tentar te agradar. É puramente natural em tudo que faz e isso despertou em mim algo que até então só havia provado ao encontrar o tecido perfeito para minhas obras: profunda admiração. Nossa primeira conversa não foi muito produtiva, mas parece que ela começou a confiar em mim e não queria mais me acertar uma flecha no olho. Tirei as medidas com o máximo de cuidado para não parecer abusado, a expressão rabugenta daquela tributa me assustava um pouco. Peeta era o completo oposto: tentou me impressionar desde o primeiro momento, sorrindo e me dando tapinhas no ombro como se fôssemos melhores amigos. Não é que não gostasse dele...só preferia gastar meu talento fazendo roupas apenas para Katniss. Ela me parecia a manequim perfeita para todos os modelos que eu desenhava, combinando em aparência e personalidade como se fosse feita para minhas criações. Não demorou muito para que eu percebesse que minhas criações estavam sendo feitas para ela.

Quando os Jogos Vorazes finalmente acabaram eu estava, ao mesmo tempo, aliviado e consumido pela dor. Katniss estava salva e Peeta também, mas eles haviam se beijado. Ela arriscou a vida para ajudá-lo. Isso deveria bastar para eu desistir do desejo insano de vesti-la outra vez, de vê-la dando voltinhas tímidas dentro de um dos meus vestidos, só eu olhando.

Balancei a cabeça para me livrar dos pensamentos. Os Jogos haviam acabado há algum tempo e Katniss deveria estar aproveitando os dias com a família...ou Peeta. Suspirei e larguei o lápis sobre meu caderno de esboços. Não havia um traje sequer que não portasse chamas, fogo ou mesmo algo vermelho. Olhei para o telefone, era por ele que mantinha algum contato com Katniss e dele veio a melhor de todas as notícias: eu faria todos os trajes de Katniss durante a Victory Tour. Estava ansioso demais para dormir aquela noite, então me concentrei em descontar toda minha inspiração e excitação no papel. Afinal, a modelo perfeita merecia peças perfeitas.

Chamei Katniss até a nossa cidade “desenvolvida” (aspas porque pessoas que se vestem daquele modo não merecem ser chamadas assim) para tirar suas medidas. Na verdade, eu já as conhecia como as minhas próprias, mas precisava fazer algo muito importante.

-Então perdeu as anotações com as minhas medidas, mas não as de Peeta?

Eu sorri timidamente.

-Pois é...

-Cinna, por favor...não zombe da minha inteligência. Sou mais esperta que isso.

Meu sangue gelou. Será que ela havia descoberto tudo? Mas também, que plano ridículo! Uma das qualidades que mais admirava em Katniss era sua esperteza e eu não a tinha levado em conta.

-Não precisava de todo esse circo. Era só dizer que queria me ver e dar os parabéns pessoalmente. Sei que mal nos falamos desde o final dos jogos, mas eu precisava ver minha família antes de tudo.

-Eu entendo- suspirei de puro alívio- mas preciso mesmo tirar suas medidas.

-Tudo bem.

Ela deu um risinho discreto e tirou a jaqueta, os sapatos e assim por diante. Me forcei a desfazer aquela expressão babona e coloquei a mão no bolço dianteiro da minha calça, sentindo algo além da fita métrica que buscava.

-Sabe...acho que nunca vou me acostumar a ficar desse jeito na frente mais ninguém.

-Assim como?- eu não sou burro, estava apenas distraído.

-Nua.

-Ah...-aproveitei que ela estava de costas e admirei a visão por uns instantes- nem na frente do Peeta?

-Não- ela se virou e eu desviei o olhar de suas nádegas- nem do Peeta.

-Mas você não o ama?- passei a fita métrica sobre os ombros de Katniss, aproveitando para apoiar minhas mãos e sentir sua pele.

-Durante os Jogos...sei lá, tinha muita coisa em jogo e eu estava cheia de adrenalina. A verdade é que não tive tempo suficiente para me apaixonar.

-Mas você o beijou. E arriscou sua vida para salvá-lo – parei de me preocupar com as medidas e apenas sondei seu olhar, colocando uma mecha de cabelo atrás de sua orelha.

-O beijo foi como aquele aperto de mãos no desfile, só que eu estava mais alerta e...motivada, por assim dizer, por causa da situação em que estávamos. Não queria que ninguém morresse, muito menos alguém do meu distrito que já me ajudou a não morrer de fome. Peeta também me salvou, embora não tenha se arriscado para isso.

-Voltando à minha pergunta...-deixei a fita de lado e segurei sua mão entre as minhas- você não o ama?

Katniss suspirou e, devido à nossa proximidade, isso fez meu corpo se arrepiar.

-Não, Cinna, eu não o amo. Gosto dele, mas acho que não é amor. Quem sabe durante o Tour?

Segurei o rosto dela entre minhas mãos e fui beijar sua bochecha, como antes de os Jogos começarem, mas o instinto em mim foi mais forte. Meu rosto foi se virando lentamente até se alinhar com o dela e nossas bocas se tocarem. Achei que fosse receber um tapa, mas ela apenas entreabriu os lábios e permitiu que minha língua acariciasse a dela.

-Cinna, você parece mais assustado do que eu.

-Achei que fosse ganhar uma flecha grátis...na testa.

Ela riu e pude perceber que seus lábios ainda estavam úmidos com a minha saliva.

-Queria saber como era beijar alguém que não fosse o Peeta.

-E como é?

-Melhor, eu acho.

-Alguns anos a mais de experiência- sorri e desviei o olhar, encabulado.

-Tenho certeza que você não é tão velho quanto diz que é.

-E o que te dá essa certeza?

Ela levantou discretamente uma sobrancelha e eu entendi tudo. Estávamos colados e ela podia sentir perfeitamente o volume extra em minhas calças, o que me aqueceu o rosto imediatamente. Sabia que, se não fosse por minha pele negra, estaria parecido com um tomate. Ou melhor...como os esboços que eu fazia para Katniss.

-Será que eu posso ver os trajes que planejou?

-Bom...estão todos no meu apartamento, Katniss.

-Então o que estamos esperando?

Ela recolocou as roupas e eu a levei até onde morava. Adorei ver a expressão de surpresa em seu rosto quando mostrei que um dos trajes já estava pronto: um vestido tomara-que-caia vermelho, longo, coberto de renda e pedrarias. Sandálias pretas com detalhes de chamas, brincos com asas negras iguais às dos tordos e havia até mesmo uma peruca onde eu havia testado o penteado. Estava deslumbrante.

-Será que posso provar?

-Claro, é seu.

Ela levou o manequim até o meu quarto e, pouco tempo depois, me chamou. Eu esperava encontrá-la magnífica no vestido que eu havia projetado, mas o que encontrei foi infinitamente melhor: uma Katniss nua, olhando para mim com uma expressão meio encabulada, mordiscando o lábio inferior.

-Você é o único com quem eu tenho coragem, Cinna.

Enlacei sua cintura e olhei o mais profundamente que pude em sua íris azulada.

-Não tenha medo.

-Não estou com medo.

Eu sorri e uni nossos lábios, como num sonho, pela segunda vez naquele dia. Depois disso, só posso dizer que naquela noite Katniss Everdeen se transformou novamente na garota que pega fogo.