Far, far away escrita por Soufis


Capítulo 3
I - Alaska e Lucy: Anjos


Notas iniciais do capítulo

Inspirado nos weeping angels da série Doctor Who.



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Ao chegarmos às construções de metal tínhamos notado que era um abrigo antibombas. A primeira coisa boa do dia.

–Al, eu tô meio enjoada... Podemos entrar? Por favor. – Lucy indagou.

–Certo Lucy, vamos estar a salvas aqui. – Levei minha mão para abrir o pequeno portão que dava acesso à propriedade, mas antes de toca-lo o portão rangeu e abriu sozinho.

–Al... Tem alguém na janela! – Ela apontou para a janela esquerda. E vamos lá, em qualquer situação assim o que é esperado é que não tivesse ninguém. E adivinhe só, não tinha ninguém mesmo.

–Lucy, você esta cansada. Só isso... Vem, vamos entrar.

Atravessamos o portão e enquanto andava sob a trilha de pedras desreguladas do chão, analisei cada aspecto do abrigo: ele era baixo, tinha poucas janelas (tinha contado apenas três), acho que tinha um porão, pois havia uma janela na parte mais baixa da casa, além disso, não pude deixar de notar eles: estatuas de anjos com a mão cobrindo a cara tomavam quase toda parte da frente do abrigo, eles pareciam estar chorando.

Ainda estava observando os anjos quando cheguei à porta, empurrei essa de leve e essa se abriu sozinha. Senti como se alguém ou algo soubesse que estava ali.

Dei um passo adentrando no abrigo, mas a curiosidade estava me matando: o desejo de ver aquelas estatuas tinha tomado parte do meu corpo... Foi quando me virei e algo seco tomou conta da minha garganta e uma rajada de vento tomou conta de meu corpo.

Os anjos estavam mais perto.

–Al... O que você está olhando?

– Nada. – Fechei a porta.

(...)

Lucy:

O local era cheio de falhas, quero dizer: as paredes estavam com o papel de parede já envelhecido, sendo que algumas partes nem estavam mais lá, o chão tinha algumas tábuas soltas, daquelas que quando você pisava o lugar inteiro grunhia. Mas a pior parte era a mobília: quadros, panos, estatuas com imagens de anjos. Eram anjos, mas você não se sentia segura com eles lá, você sentia uma vontade inexplicável de olhar para eles.

Como se algo horrível acontecesse se você não olhasse.

–Eu acho que vamos ter que passar a noite aqui – Alaska havia me tirado das costas dela e me deitado em um sofá. Ela andou até uma lareira na frente do sofá e analisou o relógio – O sol vai se por em duas horas, depois, temo que fique escuro, os interruptores não funcionam.

–E a lareira?

–Não trouxemos fósforos nem isqueiros... Nem nada. – Ela soltou um suspiro andando em direção ao sofá e sentando-se ao meu lado. – As pessoas daqui eram bem religiosas, não?

Assenti com a cabeça, encarando uma das estatuas acima da lareira.

–Tudo bem Lucy?

–Elas me dão medo. – Disse sem tirar os olhos da estatua.

–Dão mesmo, não? Aquelas lá da frente são arrepian...

BAM. Outra bomba explodiu o que me fez tremer e abraçar Alaska.

–Relaxe... – Ela estava me abraçando forte, me alinhando em seu corpo enquanto fazia carinho em minha cabeça. –Estamos seguras aqui.

Abracei-a mais forte, estávamos em um abrigo antibombas, é claro que estávamos seguras contra as bombas e as explosões... Mas esse lugar tinha essa tal energia que nunca me permitia sentir segura, nem ali, abraçada com Alaska.

Livrei-me dos pensamentos e abracei Alaska mais forte, fechando os olhos e tentando me lembrar de algo bom para não sentir medo.

Como se alguma vez isso tivesse funcionado.

(...)

Flashback:

Estava olhando pela janela, era Natal e a neve caia por toda cidade deixando as ruas e as árvores cobertas de uma fina camada de neve.

Papai e mamãe haviam trabalhado bastante para conseguir comprar o peru e outras comidas para ceia, que, por culpa da guerra tinham preços absurdos.

Nossa casa era a única casa da rua iluminada para o Natal: pisca-piscas brilhantes na porta e na calha das árvores e também tínhamos um pinheiro! Mamãe disse que quando era pequena, ela lia uma história para mim sobre Deuses gregos e romanos que um dia tomaram conta da terra e do seu mundo olimpiano... Uma das minhas heroínas favoritas se chamava Thalia, ela era uma semideusa filha de Zeus e um dia, se sacrificou para salvar seus amigos e os deixar entrarem em um acampamento protegido para semideuses. Seu pai, Zeus, notou a coragem da menina e a transformou em um pinheiro, deixando-a na entrada do acampamento, como se ela fosse proteger eles. A autora dos livros, de acordo com a mamãe, era uma semideusa também... Mas eu nunca acreditei realmente nisso.

A questão é que eu sempre chamava nosso pinheiro de Thalia, em homenagem a heroína de minhas histórias.

–Lucianna, vai se arrumar para a ceia. – Mamãe gritou da cozinha.

Eu já estava pronta antes mesmo dela falar. Estava pronta desde a hora do almoço, quando peguei meu vestido azul favorito e enfeitado meu cabelo com um laço branco.

Fiz isso pois amava o Natal como nunca ninguém o amou, e celebrava ele como nunca ninguém o celebrou nessa rua... ou nessa cidade, ou talvez até no mundo. As pessoas deixaram de celebrar o Natal faz tempo, não por culpa do preço das comidas, mas por culpa do sentido do espirito natalino: esperança. Algo que, infelizmente, as pessoas tinham abandonado.

Mas era por isso que celebrávamos o Natal, por essa simples palavra chamada esperança. Ela era uma chama que a cada ano se acendia em minha família. Esperança era tudo que nos restava.

Meia hora depois, estávamos todos sentados à mesa, agradecendo a seja-lá-quem-estiver-lá-encima pelo ano, pela saúde... Pela vida.

E foi nesse momento que uma bomba caiu do lado de nossa casa...

E matou meus pais.

(...)

Abri minhas pálpebras e percebi que havia dormidoo. Alaska não estava mais comigo, mas havia me arrumado de uma forma que usasse o sofá como cama e também tinha enfaixado minha perna com um tecido vermelho que na mesma hora reconheci ser da blusa dela. Toquei a minha perna algumas vezes para ver se sentia os cacos de vidro, mas não sentia nada, ela provavelmente havia limpado o corte.

Sentei no sofá com dificuldades e analisei o lugar mais uma vez: a lareira apagada com as estatuas acima dela, o relógio, os quadros, tudo estava no lugar, exceto uma tábua de madeira com o que parecia ter um metro de tamanho e... E ser a muleta perfeita.

Apoiei os pés no chão e tentei ficar de pé o que logo fez minha perna machucada queimar por dentro. Sentei-me no sofá de novo, Alaska podia limpar um machucado, mas não era mágica. Mas eu precisava daquela muleta, não podia deixar Alaska ficar me levando para qualquer lugar nas costas.

Respirei fundo e fiquei em pé apoiando apenas o pé da perna boa no chão enquanto mantinha a perna machucada dobrada, e fui pulando em um pé só rumo à muleta. Chegando lá, apoiei-me à parede e peguei a muleta improvisada, alinhando ela em meu corpo do lado da perna machucada e comecei a andar pela sala.

Foi quando eu vi.

Parado na porta havia uma estatua de anjo que eu jurava não estar ali... E o pior... Ela não era igual às outras estátuas com a mão sobre o rosto, tampando o choro. Ela tinha uma aparência horrível: com a boca aberta deixando a mostra todos os dentes afiados e com os braços esticados em minha direção.


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