A festa era longe, e eu e a Laura fomos cantando o caminho inteiro, acompanhando a radio. Só consegui ver a roupa dela quando descemos, e uau.

O vestido era preto, naquele estilo tubinho. Tinha uma linha reta acima do busto em renda, deixando os ombros a mostra. As mangas e parte das costas também eram de renda e o tecido ia até o meio das coxas. O cabelo preso em um coque frouxo com a franja curtinha, bem curvada acima dos olhos.

–Uou, pra que tudo isso?

–Só uma palavra: ex!

Ah não...

–Não acredito que me carregou pra uma festa só por vingancinha de ex.

–A festa é dele.

–O que?

–Seguinte: ele é terminou comigo pra ficar com a nojenta da minha prima – mais um sinal de que ela e a família não se dão bem – e depois teve a ousadia de vir me chamando pra festa. Acha que eu ia perder a chance de esfregar na cara dele que ele perdeu isso – ele apontou pro próprio corpo – pra ficar com aquela vara pau da minha prima? Ah não minha querida...

Ela não me deu tempo para protestar e saiu andando reclamando e fazendo gestos estranhos.

Ela não me esperou pra entrar.

Eu não sabia identificar se era uma casa ou um daqueles espaços que você alugava para eventos. O som estava extremamente alto lá dentro e pelos casais que estavam se engolindo e algumas meninas que choravam por alguns cantos, tinha muuuuita bebida sendo distribuída. O que não faz diferença pra mim já que eu não bebo. Ou pelo menos, era isso que eu achava...

***

–Pernas de matar que ela tem...

Minha vontade era socar a cara gorda do Gus.

–Dá pra deixar de ser idiota por um minutos só?

Ele só ria, como sempre.

–Cara, esquece isso... Você sabe que eu to super afim da Laura também e to aqui de boa.

–É diferente...

–Por que com você é sempre diferente?

Eu não tinha uma explicação pra dar, mas só de envolver Laura e Manuela já ficava obvio que era diferente.

–Esquece.

Acabou que o Gus capotou assistindo TV no sofá. Fui para o meu quarto e tentei rabiscar alguma coisa. Vários desenhos pequenos foram se formando sobre a folha, preenchendo-a em pouco tempo.

Acabei ficando entediado e indo dormir também.

***

Resolvi entrar para procurar a Laura. Era melhor não ficar muito tempo longe dela, pra garantir que nada acontecesse de verdade.

Se eu já achava que as pessoas estavam bêbadas do lado de fora, preferia nem comentar como estava lá dentro. A musica tocava alta, as pessoas dançavam e se agarravam, as que estavam com as bocas desocupadas cantavam em plenos pulmões. Pro meu azar, todas as musicas que tocavam eram boas e estavam na minha playlist. Acompanhava as partes de algumas letras cantando baixinho. Um bar tinha sido montado lá dentro e eu já estava morrendo de sede. Aquele tanto de gente, era muito calor corporal pra um lugar só! Estava abafado demais e mesmo depois de umas cinco voltas pelo espaço, não achei a Laura. Estava tocando Clarity e eu me segurava para não dançar também. Eu amava essa musica. Me encostei no balcão do bar e continuei cantarolando a musica, acompanhando com movimentos discretos do corpo.

“Cause you are the piece of me

I wish didn’t need

Chasing relentlessly

Still fight and I don’t know why

If our love is tragedy, why are you my remedy?

If our love’s insanity, why you are my clarity?”

Eu nunca tinha prestado atenção de verdade na letra da musica, e me amaldiçoei por ter reparado agora. Maldito curso de inglês!

–Mas que merda!

–Quer alguma coisa?

Era o barman. Ele falava comigo e batia as bebidas ao mesmo tempo, servindo e sorrindo o tempo todo.

–Sem querer me meter, mas ta tudo bem moça?

–Acho que sim – as frases traduzidas pela minha mente pareciam voar nos meus olhos, me deixando zonza entre a musica e o jogo de luz.

“Ainda luto e eu não sei por quê

Se o nosso amor é tragédia, por que você é o meu remédio?”.

Amor? Não é algo forte demais para se colocar até mesmo em uma musica?

–Você tem água?

–Água? – ele realmente pareceu surpreso com o pedido – Tem certeza que não quer algo mais forte?

–Eu não bebo.

Ele abriu um sorriso debochado e limpou as mãos em um pano, se virando para cortar as frutas para os drinks.

–Já ouvi muito isso.

Ele não era bonito, mas tinha uma coisa diferente. Geralmente, você imagina o barman forte, com o cabelo estiloso, um sorriso de derreter as pernas e um corpo de tirar o fôlego. Ele não. Seu cabelo estava mal cortado, era magro – mas tinhas as mãos extremamente ágeis – e os olhos eram de um verde profundo, que eu só pude ver pela própria iluminação colorida do bar. Usava uma regata, calça jeans e um coturno.

De uma hora para a outra, a Laura surgiu gritando para o barman:

–Outra dose.

Ele riu e pelo visto, reconheceu a voz. Pegou uma vasilha com pedaços de limão, um copo que reconheci ser de tequila e cobriu a borda com sal. Encheu o copo com a bebida e entregou para a Laura.

Ela não tinha me notado na lateral do bar, virou de uma vez e chupou o limão. Sacudiu a cabeça já meio tonta e saiu gritando junto com o DJ. Não me dei o trabalho de ir atrás.

–Quantos ela já pediu?

–Por quê?

–É minha amiga, preciso dela viva pelo menos pra poder ir embora.

E adivinhe só? Ele sorriu. A luz bateu e percebi que ele usava aparelho.

–Não vai mesmo querer nada?

O cheiro das frutas recém cortadas estavam começando a me dominar. O morango principalmente. Pareciam tão... Gostosos.

Eu nunca gostei de beber. Aquilo descia quente pela garganta e dependendo, deixava um gosto amargo na minha boca. Mas sempre gostei desses drinques com fruta que serviam em formaturas e casamentos. Mas sempre bebi sem álcool. Também sempre achei feio essas bêbadas de festa... Sei lá, parecia que as gurias perdiam a noção do ridículo! E eu não queria ficar assim. Claro, que era só ter noção de quando parar, mas não dá pra confiar... Mas apesar disso, sempre fui doida pra experimentar tequila. Mas nunca experimentei.

Minha garganta e boca secas. O calor cada vez maior. Minha cabeça entre mil pensamentos com o mesmo trecho de musica “Ainda luto e eu não sei por quê”. Mas que droga Eduardo...

–O que você sugere então?