Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 76
O salvador.




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Robin estava muito alheio a história nos últimos capítulos, precisava provar para os leitores que ainda fazia parte desse mesmo enredo. Precisava olhar nos olhos de seus inimigos e desmoroná-los sem usar nenhum golpe. Não sentia essa necessidade, já tinha passado há muito tempo da fase de querer ser o melhor dos melhores, de ser o bambambam. Ele só queria mesmo um tempo de paz para se conhecer mais.

Ele tinha aprendido a voar e sentia que poderia voar para qualquer lugar que bem quisesse, podia voar de volta para a pequena vila que foi acolhido, voar de volta para  a ilha de cassinos onde trabalhou como segurança, voar de volta para Frota. Tinha saudades, assim como o rapaz de franja.

São personagens que estão desde o primeiro capítulo, assim como Xupa Cabrinha. E, ainda assim, são personagens que parecem bem distantes do enredo. Não parecem ser protagonistas, pouco tem a ver com os Vril e com a destruição iminente do universo, mas em breve teriam.

Robin decidiu fazer o mesmo caminho que fizera nesses últimos dias que resultavam em pouco mais que um mês, ou algo assim. Depois de tanto tempo escrevendo sobre viagens temporais fica meio complicado para o autor voltar a compreender a forma linear como calculamos a diferença de um momento para o outro, mas ele vai se esforçar mais nos próximos capítulos.

Ele voava alto, mas baixo o bastante para estar distante das nuvens no fundo do céu. Tudo aos seus lados estava claro, e o chão distante parecia um tapete gigante forrado no qual pousaria. Seu primeiro destino seria a vila que fora acolhido. Não lembrava muito bem pessoas em particular ou seus nomes, mas lembrava-se das fogueiras e um pouco do idioma. Desde aquele momento foram tantos dias, tantas novas lições aprendidas. Tinha aprendido lições importantes com as pessoas que povoavam aquele pequeno vilarejo. Eram pessoas de bom coração, que amavam ao próximo e cuidavam um do outro apesar das dificuldades que enfrentavam todo dia para sobreviver num local tão isolado de qualquer civilização.

A paisagem ao chão era bege, como um deserto molhado pela chuva com rochas paradas por lá há séculos. Não era um terreno plano, era um terreno com uma geologia bastante variada e abandonada pela vida. Não conseguia enxergar riachos, não conseguia enxergar florestas. Viviam da água rara da chuva e comiam de cereais cultivados numa outra vila há quilômetros de distância. Sentia-se bem em pensar que até mesmo nos lugares com menor probabilidade de vida, uma flor como aquelas pessoas gentis tinha nascido. 

O que será que tinha acontecido com eles nos últimos dias? O rapaz se perguntou, será que estavam a essa hora andando para seus trabalhos em lugares distantes? As aldeãs estariam tecendo com a seda de terras distantes? Os filhos estariam acompanhando seus pais em jornadas em busca do alimento para mais tarde? Estava começando a entardecer, e provavelmente eles estavam voltando.

A vila parecia completamente diferente vista de cima. Lentamente, com seu coração ansioso de felicidade pelo encontro com os antigos amigos que com certeza reconheceriam Robin, desceu de seu voo maravilhoso.

O que tinha acontecido? Durante esses meses de treinamento e meditação, a vila tinha sofrido com ataques de pistoleiros mercenários de uma companhia estrangeira de gás natural. Os aldeões e aldeãs não sabiam que seu território era causa de disputas territoriais entre as nações que por ali se estendiam e que sua terra era rica no combustível.

Foi esse combustível que tirou a vida de muitas crianças, mulheres e homens. Poucos inda residiam, paranoicos sobre a possível chegada de mais pistoleiros no outro dia, com suas armas no fundo de suas casas, protegendo as poucas pessoas dos invasores. Era tudo o que a companhia precisava para poder trabalhar naquela região. Em um local distante de qualquer governo ou qualquer um que punisse ou julgasse suas ações, tudo que precisavam fazer para poder trabalhar o local era acabar com qualquer povoado. Depois disso, poderiam trabalhar livremente sem pagar nada a ninguém e sem serem julgados por seus pecados.

Robin não via corpos na rua, pelo menos não na primeira vez que revirou os olhos pelas pequenas casas de madeira. Viu manchas de sangue que pintavam a cor da madeira molhada e, andando mais um pouco, viu a cor pálida e fria de uma mulher morta no meio da areia molhada de água e de sangue. Ele estava chocado. Seus olhos se enchiam de lágrima.

Como assassino, tinha se acostumado com cenas assim nos seus tempos que trabalhava apenas pelo o dinheiro e usava de suas habilidades para a morte dos injustiçados e inocentes. Não era ele que causava o banho de sangue, ele era um executor. Sua função era a morte de simplesmente um alvo importante. Geralmente membros de outros grupos mafiosos ou coisa do gênero. Ele não sabia o que era justiça, ninguém nunca o tinha ensinado o que era isso e também não sabia de sua figura cega, mas sentia que fazia o certo ao matar seus alvos.

As ruas de onde morava eram marcadas pelo sangue de pessoas inocentes e outras armadas. Era tudo mais uma parte do dia, era lá onde ele fora criado e manchas de sangue no asfalto não eram nada mais do que uma lembrança de que a realidade que ele vivia era cruel com todos.

Não eram as ruas da sua cidade... Eram as ruas de um vilarejo qualquer... Eram pessoas... Algumas lágrimas desceram, mas conseguiu fazer com que parassem. Era impossível que não passassem imagens mais antigas de sua vida na cidade.

Muitas vezes acreditava que as manchas de sangue limpava a cidade daqueles que a corrompiam. Na época ainda não acreditava que todos aqueles que seguravam suas armas estavam a corrompendo, e nunca chegou a crer isso. Acreditava que até os que caminhavam junto com a lei eram corrompidos pela própria lei e pelo vazio das palavras escritos nelas. Eram apenas palavras, não ideias.

Robin não sabia ao certo para quem trabalhava, ninguém que conversara dizia ser o chefão, e nenhum deles eram tratados como chefão. Alguns tinham mimos que Robin e outros de um escalão mais baixo da gangue não conseguiriam se permitir pela falta de recursos. A gangue parecia ser uma hierarquia de níveis infindáveis. Robin nunca deu ordens a ninguém, apenas cumpriu as suas próprias, sozinho, como um lobo solitário assassino.

Quando acionava o gatilho pensava em estar fazendo um bem para a comunidade. O sistema não a salvaria. O único salvador que existia era a gangue a qual participava, mas não conseguiria salvar o subúrbio onde foi acolhido após fugir do deserto sem que antes eliminassem seus inimigos.

Os alvos nunca acabavam. Ele não sabia quantas gangues inimigas existiam ou se estava realmente matando homens maus ou simplesmente inocentes, algumas vezes era difícil saber. Quando olhava pelas ruas da cidade, estivessem elas suja de sangue ou não, se perguntava quais daqueles que caminhavam na mesma rua que ele aprontavam-se para uma chacina ou apenas iam à padaria da esquina.

Seu sentimento em busca do bem da comunidade começara com o fim de sua infância. Vivera na rua, usando as habilidades a qual já tinha controle para conseguir furtar sem ser pego. Uma hora furtou de alguém que percebeu depois que não deveria ter furtado, e chegou ao ponto em que chegou. Entregando drogas, como qualquer outra criança no narcotráfico. Depois, ao chegar à idade de quatorze, teve que fazer uma escolha difícil e decidiu por salvar seus amigos derramando o sangue de uma ameaça.

Foi talvez quando viu pela primeira vez o ato de assassinar como uma forma de limpar o mundo de sua sujeira. Tornou-se um assassino de uma máfia que pensava que era um vigilante.

O vermelho que encharcava a rua passou de ser motivo de medo quando criança para uma marca da realidade, uma consequência da limpeza que sua gangue estava fazendo naquela cidade. E sonhava em conseguir salvar as pessoas que caminhavam e que faziam o pão, traziam o jornal, pegavam trens e ônibus, vivessem, pessoas que simplesmente vivessem ali. Queria ser a mão que as ajudaria, já que não existia nenhum mecanismo no sistema que a ajudasse.

Bastou uma noite de sono para que algo subitamente mudasse. Robin acordou sem que tivesse mais ordens, sem encontrar mais informações de seu alvo onde normalmente encontrava. Sem encontrar as figuras de confiança de seu grupo pelas ruas e pelos becos. Ele apenas encontrou estranhos na sua cidade.

Existia um novo comando na cidade e não teria lugar ali. Sentiu-se estranho por ter que abandonar o único lugar que pôde chamar de casa. Ele não tinha mais amigos, todos perdidos ou mortos por esse mundo triste, ele apenas tinha a si mesmo e sua .22.

Durante a tentativa de Robin de se tornar uma pessoa que jogasse pelas regras do mundo, trabalhando como garçom numa das cidades mais ricas do mundo, Robin ainda manteve de certa forma essas mesmas lembranças e essa mesma visão do mundo. Era difícil pro rapaz conseguir se manter quieto enquanto servia champanhe para os que tinha muito. Principalmente depois de ver tudo o que tinha visto e participar daquilo que tinha participado.

Robin não era mais essa pessoa. Ele passou por mudanças severas em sua visão do mundo e em sua visão de quem realmente era. Não era mais o vigilante conturbado com um ego que machucava a si mesmo. Marcas de sangue e o corpo sem vida significavam tristeza. A vida é importante demais para que simplesmente acabe no puxar de um gatilho, mas era dessa forma que ela chegava ao seu fim muitas vezes.

Ele ouviu passos ao horizonte e andou para onde as casas não atrapalhariam a sua visão para conseguir entender o que estava para acontecer. Mais pistoleiros estavam a caminho da vila e Robin sentiu que mais sangue seria derramado. Sentiu que vinham para acabar de vez com os sobreviventes do último ataque. Ele precisava fazer algo.

Foi quando teve essa percepção que precisava fazer algo que seus conceitos antigos e mais recentes entraram em choque. Deveria matar os pistoleiros e clamar pela salvação dos cidadãos como um vigilante sanguinário? Com suas forças sobrenaturais poderia muito bem apenas desabilitar os homens ou as suas armas e deixá-los vivos. Mas sabia que outros voltariam com novos instrumentos mortais para outra chacina.

Essa não era a sua posição, ele não era alguém que poderia escolher pela vida dos outros. Ele não era uma divindade com poderes sobrenaturais que escolheria o destino de cada um.

Conseguia sentir a respiração de pelo menos cinco pessoas ali. Robin gritou para que corressem, anunciando o perigo, mas não percebeu reação dos sobreviventes. Gritou mais uma vez, e então ouviu passos desesperados.

Ele atrasaria os pistoleiros para que não conseguissem alcançar aqueles que fugiam.

A pequena garota sentia-se triste e desesperada na escuridão da casa fechada junto com o seu pai, que protegia-a e também a sua própria vida. O pai não acreditava muito que conseguiriam sobreviver, apenas eles e sua velha arma. Os últimos dias tinham se tornado um pesadelo a quais queriam fugir, e só precisaram de um aviso para que se preparassem para fugir, ainda com receio de abandonar a terra de onde moravam, e de outro para que começassem a correr.

A criança corria junto ao pai, de mãos dadas, sentindo a estranha textura da areia levemente molhada pela água nos dias anteriores. Não pensaram na vida que tiveram até tudo aquil o começar ou na vida que teriam caso sobrevivessem, apenas pensavam em sobreviver. Ela chorava por fora e ele chorava por dentro, corriam para qualquer lugar que pudessem correr, sem parar. Correram por minutos e minutos, ainda ouvindo os passos distantes dos homens maus armados.

Não aguentavam mais correr quando perceberam que o barulho dos passos pararam por um breve segundo para depois passarem a ouvir o estalar das armas. Não sabiam de onde esses tiros viam e não sabiam em quem miravam, mas foi o suficiente para que prosseguissem correndo, mesmo que seus corações e pernas não aguentassem mais.

Repentinamente, com o silêncio uma figura conhecida desceu dos céus. Não perguntaram como o rapaz que acolheram pouco atrás aprendeu a voar ou se perguntaram como era possível alguém voar, o pai apenas chorou como sua filha que agora estava em seu colo e ficaram aliviados por perceber que agora estavam a salvo. Foi quando pensaram em todas as pessoas queridas que tinham morrido nesses últimos dias e que sentiriam falta delas no seu futuro.

Robin as acolheu e voou com elas para um lugar melhor, onde poderia confiar não só essa pequena família, mas também os outros sobreviventes a alguém que deles cuidaria.  


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