Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 63
Por que não?




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Após descobrirem que Leviatã era um dos homens que regia o mundo, uma revista britânica muito famosa decidiu fazer uma entrevista que pegaria a capa da edição.

Senhor Leviatã, o que o senhor faz pra salvar as crianças?

Eu não faço nada disso.

Senhor Leviatã, o que o senhor faz para alimentar os famintos?

Eu não faça nada disso, de onde está tirando essas perguntas idiotas?

Senhor Leviatã, o que o senhor faz para curar os enfermos?

Eu nem me importo com eles.

Senhor Leviatã, como é reger o mundo?

É normal. No início parece bastante exótico, mas depois de um tempo fica tão sem graça.

Senhor Leviatã, você sempre acompanha as edições das nossas revistas?

Não

Senhor Leviatã, de um até dez, o que está achando da sua hospedagem no hotel Hayman?

Menos um.

Qual o melhor dia da sua vida?

Sei lá, não me importo com essas coisas.

Qual a pior coisa que você viu na Terra?

A Terra.

Por que suas perguntas são curtas?

Porque sim.

Qual a coisa mais bonita que você viu na Terra?

A coisa menos feia é o oceano, mas vocês estragaram-no.

Senhor Leviatã.

Oi.

Por que está dando essa entrevista?

Por que eu não daria?

Por que suas respostas não condizem com a expectativa do público?

Porque as minhas respostas são as minhas e as que as que público quer são completamente diferentes.

Por que essa sua última resposta foi a maior?

Porque algumas coisas óbvias têm que ser esclarecidas para o público.

Você está se acostumando com respostas maiores?

Acho que sim.

Como um homem que rege o universo não tem certeza de alguma coisa pra achar ela?

Tenho duvidas quanto a isso também.

Como você está?

Com sede e com sono.

O que é a melhor coisa da Inglaterra?

Os dálmatas.

Qual a pior coisa da Inglaterra?

A Inglaterra.

Por que os dálmatas?

Porque eles são magníficos.

Qual a melhor coisa da Europa?

Era a vegetação.

Qual a pior coisa da Europa?

A Europa.

Qual a melhor coisa da América?

Os animais.

Qual a pior coisa da América?

A América.

Qual a melhor coisa da África?

As pessoas.

Qual a pior coisa da África?

Europeus.

Qual a melhor coisa da Ásia?

A Ásia.

Qual a pior coisa da Ásia?

Os asiáticos.

Qual a melhor coisa da Oceania?

As praias australianas.

Qual a pior coisa da Oceania?

O sorriso das pessoas de lá. É horrível.

Você está aproveitando a entrevista?

Pra ficar com tédio, né.

Você gosta da entrevista?

Um pouco.

Qual a melhor coisa da entrevista?

Não sei.

Qual a pior coisa da entrevista?

Eu ser entrevistado por um robô.

O que você faz pra reger o mundo?

Eu sou o Leviatã, ou melhor, o Senhor Leviatã.

E o que o Senhor Leviatã faz?

O que o Leviatã faz, ora bolas.

Você acredita em deuses?

Não.

Você acredita em si mesmo?

Não.

No que acredita?

Nas coisas boas.

Você é uma coisa ruim?

Não.

O que você é?

Alguém que quer levantar dessa cadeira.

Antes de terminarmos, o que tem a dizer para os nossos leitores?

Vão fazer algo mais interessante, como salvar o planeta.

Salvar o planeta do que?

Dos outros humanos, ué. De quem mais seria?

Existem outros humanos?

Por que não existiriam? Vocês se acham tão únicos assim? Pff.

Foi um prazer ter essa conversa com o senhor, Leviatã.

Tchauzinho robozinho.

– Eu estou tão cansado de fazer fama nesses planetas pelo qual passo. Por que simplesmente não consigo ficar como uma pessoa normal?

– É óbvio, Leviatã, é porque você chama muita atenção.

– Olhe meu rosto, Príncipe, realmente acha que eu chamo muita atenção? Eu sou um monstro.

– Não é pelo seu rosto, e você não é um monstro.

– Pelo que é então?

– Acho que é porque por onde você passa você deixa um rastro muito forte.

– Não sabia disso.

– É, você costuma mudar muito as coisas por onde passa.

– Pra melhor ou pra pior?

– Você consegue deixá-las do mesmo jeito, mas as muda demais.

– Acho que eu devo parar com isso.

– Sim, talvez na próxima Terra você realmente devesse parar com isso. Nessa aqui não tem mais jeito, se continuar aqui vai acabar se tornando uma celebridade e vão encher o seu saco.

– Que merda. E pensar que quando eu tinha 12 anos eu queria tanto ser famoso. Eu era só um menino de Nova Jersey que assaltava turistas.

– Eu me lembro disso, você fazia isso bem.

– O que você era, Príncipe?

– Uma jogadora de xadrez campeã do campeonato colegial de xadrez da China.

– Por que você não volta a jogar xadrez?

– É que agora é tão chato pra mim.

– Entendi.

– Quer ir embora, Leviatã?

– Eu quero, príncipe, mas antes eu quero comer um sanduíche. Me acompanha?

– Tudo bem, mas sem chamar muita atenção e sem mudar as coisas sem que você realmente mude elas, ok?

– Vou ser discreto, confie em mim.

– Da última vez que fiz isso de alguém eu quase fui preso.

– Conte-me essa história melhor enquanto comemos.

– Eu não quero, essa história é íntima demais.

– Não tem problema, se quiser conto uma história íntima e ficamos quites.

– Eu não quero ficar quite com você, seu babaca.

– Você é um príncipe grosso demais.

– Pensei que tivesse se acostumado depois de quatro bilhões de anos.

– Tem algumas coisas que nunca nos acostumamos.

– Tipo o quê?

– Tipo teletransporte. Aliás, quero comer numa lanchonete especial. Foi o primeiro lugar que eu comi hambúrguer e acho que quero comer o último desse planeta naquele mesmo lugar.

– Não se entra pela porta que se sai.

– Não diga bobagens. Vamos logo, vou estalar os dedos e chegamos lá em um instante.

– Você não entende nada sobre ser discreto, né?

Tim.

Tim geralmente não é uma onomatopéia para representar o barulho que o estalar de dedos faz, mas foi usado nesse caso.

– Viu? Chegamos ao local.

Um grupo de adultos barbudos punks arregalou os olhos com a chegada repentina dos dois. Um homem gordo com um bigode bem peculiar, e careca, que vestia uma jaqueta de couro bem rasgada levantou-se como um leopardo e gritou: Olha lá, é ele, o homem que rege o universo. O estabelecimento começou a chover conversas paralelas sobre aquele homem e o que ele andou fazendo.

– Calma, calma pessoal. Vocês já viram Homens de Preto? – Perguntou Príncipe.

Algumas pessoas responderam para elas mesmas, mas o gordo que estava em pé disse que não.

– Fiquem calmos, eu vou passar esse filme pra vocês, que tal? Apreciem o lanche e as bebidas, acompanhados de um ótimo filme.

O gordo concordou bravamente balançando a cabeça e sentou-se, olhando a sua esquerda, esperando que o filme magicamente aparecesse. Mas não apareceu, pensou em dizer “Ué, cadê o filme? Onde ele vai passar?”, mas depois de ouvir um estalar de dedos acabou esquecendo isso, também esqueceu que tinha ouvido um estalar de dedos. Olhou pro rosto de seus amigos, seu nome era Ramon, e disse que hoje o hambúrguer estava muito bom e que precisava pedir outro. O outro amigo, um cabeludo que tinha um tique nervoso de piscar muito, não concordou nem rejeitou a idéia de Ramon, mas ficou pensando nisso enquanto dava um gole na sua cerveja barata cuja lata era preta e estava bastante amassada. Ramon, o cabeludo – que se chamava Henry -, Carl e Max estavam jogando pôquer, era a noite dos garotos. Ou melhor, era assim que gostavam de chamar esse encontro noturno de toda quinta e segunda-feira, falavam assim também para suas mulheres, a frase “Amor, hoje à noite é a noite dos garotos”, se tornou sinônimo pra “Brotinho, eu sei que eu sou um executivo muito bem sucedido e me comporto muito bem como pessoa, tenho ótimas maneiras, fico sempre cheiroso, mas essa noite, antes de sair, eu tenho que estar suado e com roupas bregas de jovens punks pra ir beber, comer, jogar pôquer e conversar com meus amigos para lembrarmos de nossas façanhas das juventudes, não espero que você aceite isso porque quer que eu fique pra janta, mas eu não to nem aí porque a noite dos garotos é muito mais importante que você, já discutimos isso.”

– Ah, Ramon, como vai a Samantha?

– A minha filha? Ela só quer saber de sair com o namoradinho, quero saber quando ela vai começar a estudar de verdade pra conseguir passar em alguma faculdade decente e me sustentar. E como vai a Josefina?

– Ela está muito bem. Como vai a Nicole, Carl?

– Ela quer namorar um safado aí, mas eu não deixo. Eu já disse pra ela, se esse cara aparecer lá na porta de casa eu mato ele.

No geral esses eram os assuntos.

Príncipe passou por eles junto com Leviatã e desejou aos senhores que tenham uma boa noite, eles agradeceram.

– Quem é esse sujeito? Parece gente boa. – Disse Carl.

– Não sei, nunca vi, deve ser turista. – Disse Ramon.

– Turistas, que palavra engraçada, hahahaha. – Max já demonstrava sinais claros de embriaguez. – Desculpe, Ramon, mas acho Samantha um nome ridículo.

– Eu também, minha mulher que decidiu colocar esse nome horroroso na minha filha e eu tive que aceitar. Tenho que aceitar tudo que ela diz. Isso é horrível.

– Tudo bem, Ramon, vai ficar tudo bem, um dia ela vai perceber a pessoa magnífica que você é e vai deixar você participar das escolhas da sua vida.

Ramon começou a chorar e os amigos foram consolá-los.

Leviatã falou com Frota, o atendente, que enviou o pedido de dois hambúrgueres “especiais” para os cozinheiros. Os cozinheiros olharam direito para os olhos de Frota. Frota não estava entendendo a situação, os cozinheiros estavam desesperados. Um hambúrguer especial...

– Que cliente pediu dois hambúrgueres especiais?

– Aqueles homens de terno ali, Claiton. Por quê?

– Diga-lhes para me encontrarem atrás da lanchonete.

Frota não estava entendendo nada, mas se aproximou do Príncipe e passou o recado, sussurrando em seu ouvido. Príncipe também não entendeu o que significava, mas assim que deram as costas para Frota perguntou para Leviatã o que é tudo isso.

– Tudo? Mas você ainda não viu nada.

Claiton, o cozinheiro, encontrou-se com Leviatã e Príncipe atrás da loja.

– O que você quer comigo, Leviatã? Você de novo? – Claiton parecia fadigado, estava suando de tantas horas que tinha ficado de frente à chapa.

– É assim que você diz olá para um amigo? E cadê os dois hambúrgueres especiais?

– Você sabe que não fazemos mais hambúrgueres assim desde 1962.

– Eu sei, era só pra você entender o recado. Fico feliz que entendeu.

– Você não muda mesmo... Continua andando por aí achando que só porque rege o universo pode ir e vir para onde quiser.

– Mas é o direito de ir e vir, não é? Não entendemos muito disso, até porque eu sou o Leviatã e ele é o Príncipe.

– Ele também rege o universo?

– Sim, eu também sou um desses.

– Hoje são dois? Que azar o meu. Vieram me cobrar de novo?

– Não. Ele nem sabe que eu tinha essas intenções quando vim pra cá, ele está perdido, mais do que o seu atendente gatinho de franja e de óculos escuros, ele acha que realmente quero hambúrgueres especiais.

– O que você quer, então? Diga logo, eu tenho que terminar os pedidos antes de meia noite.

– Mas esse mundo vai acabar às vinte e três e quarenta e sete, Claiton.

– Quem vai fazer isso?

– Os outros humanos, pensei que tivesse visto isso na entrevista de hoje mais cedo.

– Que entrevista?

– Pensei que você lesse a Science Split, Claiton, dei uma entrevista pra ela pra passar essa mensagem pra você, que a Terra ia acabar hoje.

– Logo hoje que eu ia receber meu salário... Poxa...

– Você tem cinco minutos pra poder decidir se vem comigo ou não, Claiton.

– Você está me salvando?

– Estou retribuindo o favor que você fez por mim há cinco mil anos atrás.

– Eu era outra pessoa, Leviatã... Eu agora sou um humano, pertenço a aqui, não posso abandonar meu lugar, devo morrer com ele.

– Você não é só um humano. Nós regemos o universo, você rege a vida.

– Se você se importa tanto com a vida, por que não impede o ataque dos outros humanos?

– Porque isso não me interessa. Uma morte é tragédia, oito bilhões de mortes é apenas estatística.

– Por isso que eu não gosto de você.

– Gostando ou não, você sabe que vai acabar voltando pra gente. Mesmo que você morra pro ataque, é só eu voltar aqui, recolher a sua essência, e colocá-la em um novo corpo. Simples.

– Eu não sou o único que rege a vida, por que eu, então?

– Você é confiável, Claiton. Precisamos de você para reconstruir os milhões de mundos que estão sendo destruídos.

– Por que não os salva, ao invés de reconstruí-los?

– Mesmo salvando, eles apenas destruiriam novamente.

– Você não pode matá-los?

– Não teria graça – disse Leviatã.

Claiton estava decepcionado.

– Como vamos reconstruir, se eles vão destruir novamente?

– Calma, nossos reforços estão por vir. Há outros, não homens que regem o universo, mas homens comuns. Esses homens comuns vão destruir esse vilão maligno.

– Como pode ter tanta certeza nisso, Leviatã? – indagou Príncipe.

– Está nas estrelas.

Claiton olhou para o chão, com as pernas bambas, a situação parecia drástica.

– Você não está me enganando de novo, está?

Leviatã sorriu. – Confie em mim.

Com dois minutos de antecedência para a destruição daquela Terra, Claiton, Leviatã e Príncipe atravessaram a muralha entre os mundos e foram para o local além. O local que pode observar todo o universo, que se pode observar até o que está fora dele, que se pode observar tudo.

Montesquieu estava sentado em uma cadeira de nuvens quando disse:

– Finalmente você voltou, Claiton, digo... Voltaire.

– Não me chame assim, agora sou Claiton, sou humano, não um ser como vocês.

– Não renegue o que você é só porque encontrou um pouco de paz entre os humanos. Você é um de nós. Você não é Claiton, você é Voltaire.

– Eu não sou Voltaire.

Montesquieu tirou seu charuto da boca e disse, com os olhos fechados: Tudo bem, tudo bem, que tal voltar para o seu planeta e morrer com ele? Ainda dá tempo.

– Eu adoraria.

– Montesquieu estalou os dedos e Claiton sumiu.

Leviatã surtou.

– Você está louco? Como vamos proceder com o plano agora?

– Eu sei lá, só sei que com ele não conseguiríamos continuar com o plano também, humanos não servem pra trabalhar, não fazem nada direito.

– Claiton era um bom homem...

Montesquieu levantou os olhos.

– Ele é, ele não morreu. Não consegue sentir isso?

Era verdade, o universo de Claiton não havia sido destruído e com isso ele ainda estava vivo.

– Talvez o segredo da Terra sobrevivente esteja também nesse universo? Mas isso não é possível, vocês sabem disso - disse Príncipe.

– Sim, essa Terra devia ter sido destruída há 1 minuto e 23 segundos, foi assim da última vez que observamos esse planeta. Voltamos um pouco no tempo para tentar recuperar Claiton já sabendo que a Terra seria destruída.

– Será que a nossa presença no local fez com que uma singularidade surgisse?

– Isso é improvável. Nós não mudamos nada.

– Príncipe, volte lá, tente investigar toda a database do planeta.

– Sim, Montesquieu.

– Eu e Leviatã vamos resolver algumas coisinhas mais importantes.


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