Misericórdia escrita por Halina


Capítulo 1
Não pode morrer


Notas iniciais do capítulo

Fanfic escrita para o Beta-oculto. Minha beta oculta é a Verena, menina adorável que fez com que eu me apaixonasse por Throbb. O título da fanfic vem, principalmente, de uma passagem do segundo livro:
"Caiu, descuidado, sem fôlego, fazendo pingentes de gelo se despedaçar à sua frente. Misericórdia, soluçou. Atrás, ouviu-se um uivo arrepiante que congelou seu sangue. Misericórdia, misericórdia." (A Fúria dos Reis; p. 516)



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O que está morto não pode morrer

Theon sabia como era estar morto. O coração ainda bate, os pulmões ainda funcionam e os olhos continuam a ver, é quase como estar vivo. As dores ainda doem e desejo consome a carne dia e noite, madrugada à dentro. Por todos os anos que ainda virão, o que está morto nunca morre. Theon enterrava-se em lembranças, morto sem nunca morrer.

Robb e ele costumavam treinar lutas de espadas como quem se ama.

Lembrava-se de um dia em que a neve caía desde a madrugada, acumulando-se em cada canto do jardim e sobre as muralhas de Winterfell. Ele e Robb treinavam havia horas e seus corpos estavam tão quentes que os flocos pareciam derreter antes mesmo de alcançá-los. Theon estava perdendo, sempre perdia para ele, por ele. Perdia-se completamente nas sardas em seu rosto, em sua respiração ruidosa e nos fios ruivos que caíam sobre seus olhos. Porque Robb era um labirinto na areia e Theon era as ondas que tentavam alcançá-lo, submergi-lo.

Terminou com uma cicatriz no ombro, resultado de sua desatenção.

— Concentre-se na luta — Robb ralhou de um jeito que também pedia desculpas.

Era outro tipo de luta que exigia a atenção de Theon. Uma luta entre dois corpos sedentos um pelo outro, numa cama coberta por almofadas destroçadas e fios de cabelo ruivos e negros. Não importava o quanto se esforçava, ele não podia se esquecer da noite anterior. O modo como Robb fechara os olhos, deixando, porém, os lábios entreabertos pelos quais saía sua respiração morna e ruidosa. Theon queria tocar seu rosto mais uma vez, mas o que aconteceu foi que a espada do jovem Stark o alcançou antes, deixando um corte fino e pouco profundo em sua perna esquerda.

Robb o encarou furioso e largou a espada, que bateu no chão coberto de neve produzindo um som metálico abafado.

— Qual é o seu problema? — ele praticamente rosnou. Theon deu de ombros, sabia que isso o deixaria ainda mais furioso. Gostava do Stark ainda mais quando ele atingia o extremo, fosse esse o do prazer ou o da raiva. — Já chega! — tirou uma mecha do cabelo alaranjado de frente dos olhos. — Vou procurar Jon, talvez ele esteja mais no espírito para a luta. — Então afastou-se dali pisando firme e deixando a espada para trás.

Tinha apenas quinze anos e soava como o garoto que era. Quando brigava, mais parecia um pequeno lobo chorando pelo leite da mãe. Theon não se importava, até achava divertido. Ele está crescendo, pensou, mas é mais lobo do que homem. Poucos lobos se aproximavam do mar, mas Robb era destemido. Ele chegara perto demais da costa e Theon fizera o resto. Iria puxá-lo para baixo até alcançarem o fundo juntos.

O que está morto não pode morrer

Robb sempre foi tão vivo que doía.

Anos depois, enquanto Theon andava pelo pátio de Winterfell, chutando neve e pedras, a ponta de sua bota se chocou com algo mais duro. Curioso, limpou a neve ao redor do local até poder ver o que era: a ponta de uma lâmina. Tomado por uma ânsia que deslizou por seus músculos, dos dedos dos pés até os braços, ajoelhou-se e começou a cavar em volta da lâmina. A terra estava dura, mas ele enterrava as mãos nela mesmo assim, sem se importar se machucava. Só parou, ofegante, quando a espada estava inteira diante de si. Era uma espada simples, daquelas normalmente usadas nos treinos.

Quando as lágrimas ameaçaram brotar de seus olhos, Theon as conteve. Era um homem de ferro, não chorava. E podia haver pessoas olhando, aqueles mendigos de Winterfell, nortenhos idiotas que nada tinham da coragem e da piedade de um Stark, mal podiam esperar para ver qualquer sinal de fraqueza nele. Precisava manter-se forte como aço. Sua fraqueza estava longe demais dali e usava a coroa de um rei. Não era Robb, o menino lobo. Não era um menino, não era um lobo. Robb afastara-se do mar e Theon fora junto. Não era capaz de afundar sem ele, não era capaz sem ele.

Naquela época os dois estavam vivos, verdadeiramente vivos. Tinham sangue quente em suas veias. Mas a alma de Theon em breve secaria e o coração de Robb logo ficaria estático.

Naquela época tudo em que Theon pensou foi: “Por que você não voltou para buscar sua espada, Robb?”.

Então ele voltava. Ele sempre voltava.

O que está morto não pode morrer

Theon costumava sonhar com o mar, com a fúria e a ansiedade das ondas indo de encontro à costa e com a redenção, a suavidade com a qual elas acariciavam a areia. Mas chegou o tempo em que a atmosfera desses sonhos tinha o aroma dos fios de cabelo de Robb. Então, sem que Theon soubesse como, estava sonhando mais frequentemente com o garoto Stark do que com o mar. Sonhos doces para fazê-lo suportar os dias de agonia, sentia saudades da maresia, sentia saudades da neve derretendo na pele quente de Robb, sentia saudades da urgência do mar e de como seus beijos eram sempre suaves nos lábios de seu menino. Sentia tantas saudades que seus dias se tornaram nublados por ela e a ele não restou alternativa senão sonhar. Era sonhar ou morrer.

O que está morto não pode morrer

Haviam lhe dito que Robb estava morto, que haviam costurado nele uma cabeça de lobo e desfilado com ele por uma multidão de assassinos. Theon achava engraçado. As pessoas podiam ser tão tolas, tão cegas. Será que elas não percebiam? A espada ainda estava lá, no pátio de Winterfell. As florestas ainda estavam lá, repletas do riso de um menino ruivo e das piadas obscenas de Theon. O quarto de Theon ainda estava lá, frio nas paredes e quente a medida que Robb aproximava seu rosto do dele. Quantas vezes Theon precisaria repetir?

O que está morto não pode morrer

Como as ondas, as memórias podiam parecer furiosas à distância. Mas eram sempre gentis quando o alcançavam. Como o sorriso que Robb dirigira a ele durante o jantar, horas depois de terem treinado com as espadas e de ele ter se enfurecido com a falta de concentração de Theon. Ele retribuiu o sorriso, discretamente, depois desviou os olhos e continuou a comer. Estava perdoado. Porém, mais tarde, sob a proteção do quarto de Theon, Robb ainda demonstrou-se um pouco irritado — ainda que de um modo divertido.

— Peça por misericórdia — ele sussurrara provocando.

Theon se inclinara em direção a ele e pedira. Ele sabia, o que está morto não pode morrer. Dia após dia, ano após ano, ele sabia. Mas volta a se erguer, mais duro e mais forte.

Theon pedia por misericórdia, mas não a queria.


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Notas finais do capítulo

Espero que você tenha gostado, Verena, de verdade, porque eu gostei muito de escrever essa história. E se ela está confusa em algumas partes é porque meus feels por esse shipp embaralhavam minha mente, I blame the feels. E espero que, mesmo que você, leitor, não seja a Verena, tenha gostado também.