Pretty dress escrita por pennyweather


Capítulo 6
Capítulo V


Notas iniciais do capítulo

MEU DEUS DO CÉU!!!
Gente, me desculpem, de verdade. A sorte não estava a meu favor... Entrei em um colégio novo e estou me adaptando ao ritmo acelerado. Além disso, meu PC estava meio pirado e eu não estava conseguindo postar o capítulo de jeito nenhum.
Enfim, me desculpem mesmo: tanto na demora para postar, quanto na demora para responder os reviews (que eu ainda estou respondendo, por sinal). Espero que vocês não tenham desistido da história por causa disso.
ENFIMMMM... Antes de vocês lerem esse capítulo enorme (caprichei, viu?), tenho algumas coisas para dizer.
Primeiro: Viniaa, eu sei que, quando te respondi seu review, disse que postaria no dia seguinte... Bom, tu sabe que não consegui, então, foi mal.
Segundo: Obrigada a todos que estão comentando, sempre me incentivando a escrever. Eu não me canso de reler cada palavra de carinho deixada nos reviews. Vocês são demais. Mesmo.
Terceiro: Um obrigada especial à Roberta Matzenbacher, a leitora incrível que recomendou PD. Linda, eu sei que já te agradeci mil vezes, mas não custa nada te relembrar que estou muito feliz com o que você escreveu. Sempre me surpreendendo, né? Esse capítulo é dedicado a ti.
É isso (pouca coisa, né?). Boa leitura, abiguinhos. XD



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– Posso me sentar aqui? – um garoto loiro perguntou com um pequeno sorriso no canto dos lábios. Ele era alto, forte, e tinha brilhantes olhos castanhos. Ele estava um pouco pálido, as olheiras cavando fundo sob seus olhos, mas ainda assim parecia exalar energia vital.

Madge olhou para ele durante um par de segundos. Apertou mais os dedos sobre os joelhos, como uma forma de evitar que ele percebesse que suas mãos tremiam, e então assentiu lentamente com a cabeça.

Estava apavorada. Era sua primeira noite naquele esconderijo rebelde. Sentia-se perdida, uma intrusa no meio de tanta gente revoltada e decidida. Ela era só uma menina, afinal de contas. Uma menina que teve de fugir de seu verdadeiro lar perdeu sua família para um bombardeio.

Madge parecia pequena demais no meio de tanta gente séria. Queria ajudar em algo, mas sentia-se impotente; ela mal era notada. O garoto que agora se sentava ao seu lado na cama era o único que tivera a decência de conversar com ela.

– Qual é o seu nome?

A loira trouxe as pernas para mais perto do próprio corpo e ficou em silêncio.

– Você não fala muito, né? – ele perguntou, comprimindo levemente os lábios. Encolheu os ombros e voltou a sorrir, tentando deixá-la confortável para dizer o que quer que fosse. – Eu sou o Aaron, Aaron Jackson – apresentou-se, ajeitando a bandana frouxa sobre a testa. Uma mecha de seu cabelo foi para cima com o ato, o que deixou-o com uma aparência engraçada.

Madge soltou uma risadinha, tão baixa que ela suspeitou que Aaron não fosse escutar. Mas ele escutou, e isso só serviu para alargar seu sorriso.

– Sarah – Madge murmurou, em um fio de voz. Era o primeiro nome que lhe veio à mente: sua mãe sempre lhe dizia que, quando estava grávida, seu pai queria que ela se chamasse Sarah. Parecia um nome adequado para uma nova identidade.

– Você é daqui, Sarah? – Aaron trouxe as pernas para si e abraçou-as também, ficando na mesma posição que a garota que mal falava.

Madge negou com a cabeça.

– Não? Eu sou. Não que isso seja uma vantagem, é claro. Esse Distrito é uma bosta – ele constatou, fitando-a de relance. – A Capital tem muita influência por aqui, você sabe. É muito mais complicado reunir um grupo rebelde em um lugar onde a maior parte das pessoas apoia o governo. – Aaron mordeu o interior das bochechas, pensando por um momento. Depois virou o rosto para a garota encolhida ao seu lado. – Como fez para fugir do seu distrito? Ouvi dizer que o controle de migração está bem mais frágil, mas deve ter sido complicado pra caramba. Quero dizer, há algum tempo atrás não havia um dia em que eu não topasse com um pacificador.

Aaron falava bastante, mas isso agradava Madge. Era bom ter quem escutar depois de tanto tempo sozinha. Era bom não ter apenas o silêncio como companhia.

– Ferrovia – Madge respondeu, a voz um pouco menos fraca. Pelo menos não estava mentindo a respeito disso. Ela realmente havia fugido pela ferrovia de Panem. – Trem de carga.

Aaron fitou-a com um ar estupefato.

– Tá falando sério? Isso é genial! Como fez pra ninguém te ver?

Madge engoliu em seco. Eram muitas perguntas com respostas complicadas. Claro que não podia culpar o garoto; se as posições fossem invertidas, ela provavelmente estaria fazendo tantas perguntas quanto ele.

Ela ergueu levemente o pé direito, deixando à mostra a bota branca que usava - parte do uniforme dos pacificadores.Os olhos de Aaron arregalaram-se e seu queixo caiu. Estava realmente surpreso.

– Você fez tudo sozinha, huh? Como conseguiu esse uniforme?

Madge balançou levemente a cabeça, exausta. Não queria falar mais. Relembrar o passado era a última coisa de que precisava no momento. Sua história de fuga corroia-a por dentro, deixando-a fraca e frágil.

Aaron pareceu perceber isso, porque sua expressão era compreensiva.

– Você pode me contar depois, loira. Eu vou tentar te desvendar com o tempo.

Ele disse aquilo com tanta sinceridade que Madge simplesmente não pôde evitar o sorriso que surgiu em seus lábios. Há quanto tempo não sorria?

– Boa sorte com isso.

Aaron soltou uma risada baixa, fitando-a com os olhos castanhos cheios de um brilho curioso.

– Já te fiz sorrir. Era o que eu queria – Aaron observou. Madge sentiu vontade de sorrir mais uma vez, mas não o fez. Ele estendeu-lhe a mão e fez a pergunta que mudaria os dias de Madge no exército para sempre. – Amigos?

Ela não precisou pensar duas vezes.

– Amigos.

~*~

Sabe aquela sensação horrorosa de ter sido apunhalado no peito? Aquela sensação de náusea, dor e desespero, tudo ao mesmo tempo? A sensação de ter perdido alguém que amava por culpa única e exclusivamente sua?

Eu lhe apresento Madge Undersee, a garota que teve a infeliz sorte de sentir tudo isso de uma só vez.

– Por que você mentiu pra mim? – Aaron perguntou. A voz era forte e alta, mas estava falhando um pouco. Seus olhos estavam brilhando mais que o normal por conta das lágrimas, mas ele esperava que Madge não percebesse isso. Não queria que ela percebesse que o feria ao ponto de fazê-lo chorar.

– Aaron, por favor – ela tentou dizer, mas a voz saiu em um fio. As palavras pareciam feitas de vidro, tão frágeis que poderiam estilhaçar a qualquer minuto. – Eu... Por favor.

Ele estendeu para ela duas folhas impressas. Uma delas continha a identidade falsa de Madge: Sarah Donner. A outra continha a identidade original: Madge Undersee, a filha do prefeito do Distrito 12.

Como era possível? Ela havia apagado sua identidade do banco de dados. Tivera ajuda para isso! Como Aaron havia conseguido recuperar o arquivo?

– Você não sabia, não é, Madge? Não sabia que existe um banco de dados só para desaparecidos. – O lábio inferior dele tremeu. Madge encarava as folhas, perplexa, sem conseguir dizer nada. – A notícia espalhada pelo país foi que “encontraram uma família inteira dentro da casa do prefeito do D12”. Só que há alguns meses algum idiota teve a decência de verificar se o número de corpos batia com os registros do sistema de identidades, e descobriu que faltava um. Colocaram toda a sua família na lista de desaparecidos porque não foi possível reconhecer ninguém e descobrir quem estava faltando. Foi assim que eu dei de cara com o seu rosto quando fui estudar a lista.

Uma lágrima escorreu pela bochecha pálida de Madge. Ouvir aquilo doía demais. Como Aaron conseguia falar sobre os corpos carbonizados de sua família numa boa? Será que toda aquela raiva era capaz de fazer isso com alguém como Aaron?

– Você não entende.

– Não, Sa... Madge. Eu não entendo! Por que mentiu pra mim? Por quê?

– Pare de fazer perguntas! – Ela berrou, levando as mãos à cabeça. Ouviu um barulho de porta abrindo e percebeu que haviam acordado Nate. Madge sabia que havia perdido a linha. Não conseguia mais aguentar tudo aquilo.

Era tão injusto! Havia perdido sua família, sua vida. E agora perdia Aaron para a droga de passado que ela tentava esconder há muito tempo. Seria muito mais fácil se ela tivesse morrido no bombardeio, junto daqueles que amava. Seria poupada de toda a dor que o futuro lhe guardava.

– Eu não te conheço mais – Aaron murmurou. Ele passou reto por Madge, apressando o passo para que ela não visse a lágrima que rolava por seu rosto. Ele abriu a porta e lançou-se no frio da noite, apressando o passo. Madge seguiu-o, quase correndo por conta do desespero.

– Não vá embora! Aaron, não vá embora! – Ela implorou, aumentando o tom de voz para que ele a escutasse. Mas ele já estava longe demais, longe demais... – Aaron!

Seus joelhos cederam e bateram contra o chão gelado.

~*~

O frio era devastador. E parecia ainda pior para Madge.

Estava caindo aos pedaços. Sentia um aperto no coração, como se devesse voltar para consertar algo incorrigível. A sensação amarga perfurava-lhe o estômago, deixando-a um tanto desorientada no meio de tanta neve.

Havia perdido seu melhor amigo para o passado que tentara a todo custo esconder.

Levou as mãos à boca e expirou o ar quente diretamente sobre a pele fria, tentando aquecê-la. As lágrimas lutavam para escorrer de seus olhos, mas Madge se esforçava para não deixá-las escapar. Infelizmente, algumas delas conseguiam rolar por seu rosto vez ou outra.

Me perdoe, Aaron.

Já eram quase onze horas da noite e ela continuava andando sem rumo pelo Distrito. Cada pegada deixada na neve cristalina era uma pontada de dor. Um gemido de amargura escapou de seus lábios rachados, e então Madge ergueu o olhar para o céu e procurou por uma estrela.

Só conseguiu encontrar uma, mas, no momento, aquilo era mais do que o suficiente. Desejou àquela única estrela que as coisas simplesmente melhorassem. Que Aaron a perdoasse, que o passado deixasse de ser um fardo horroroso sobre seus ombros. Que a vida voltasse a ser boa.

As palavras de Aaron ecoavam em sua mente, abrindo buracos em seu peito.

Eu não te conheço mais.

Como poderia ter seu perdão? Havia enganado-o por mais de um ano. Enganado o seu melhor amigo, a primeira pessoa a acolhê-la naquele Distrito assustador! Sentia-se egoísta, uma pessoa indigna de compaixão. Havia sustentado a mentira por tanto tempo que ela quase se tornara real.

E então Gale Hawthorne apareceu e desandou tudo de uma vez.

Gale Hawthorne.

Ah, como o odiava! Com aquele ar superior e presunçoso, como se soubesse mais que os outros. Como se tivesse sofrido mais que os outros. Como se fosse o único amargurado naquele Distrito enorme! E ainda por cima ficava fazendo joguinhos, disputando com ela. Agora me digam: Por quê?

Por que ele fazia questão de jogar a merda no ventilador só pra ver o que acontece? Será que ele não percebia que, só porque ele havia desistido da vida, outras pessoas estavam tentando seguir em frente?

Será que não tinha consciência do quão perturbador era o modo como ele confundia a cabeça de Madge? Parecia que seus olhos cinza roubavam suas ideias e embaralhavam-nas, fazendo a mente da Undersee girar repetidas vezes.

Ele era um folgado, isso sim! Um folgado que achava que tinha controle sobre tudo e todos.

– Ele está acabado – um homem que caminhava na calçada em direção à Madge comentou com outro cara, soltando uma risadinha logo depois. – Como será que chegou a esse ponto?

– Ah, cara. Não pergunte para mim. Quem é louco de tentar entender o Hawthorne?

E falando no diabo!

Sem saber o motivo, Madge sentiu o coração parar. Do que eles estavam falando, afinal?

– E eu que sei? Mas de uma coisa eu tenho certeza: duvido que o exército vá querê-lo de volta depois de descobrir o que esse idiota anda fazendo da própria vida.

Quê? Madge havia visto-o há menos de duas horas; o que poderia ter acontecido para Gale de repente cair na boca da população do Distrito 2? Sem tomar conhecimento dos próprios atos, Madge caminhou a passos apressados até os homens.

– Onde ele está?

– Olá, princesa – um deles sorriu. Ele tinha olhos verdes e um sorriso cafajeste no rosto. Por algum motivo, Madge sentiu-se irritada. – Por que a pressa?

– Onde ele está? – ela perguntou mais uma vez, a voz urgente. – O que ele fez?

– Ei, calma, loirinha – o outro ergueu os braços, como se estivesse se rendendo, e então abriu um sorriso também. – De quem está falando?

– Gale Hawthorne. Onde ele está?

Os dois se entreolharam. Pareceram trocar olhares cúmplices e então voltaram sua atenção à Madge. O homem dos olhos verdes demorou alguns segundos para responder, agindo como se estivesse se divertindo com tudo aquilo.

– O que eu ganho se te contar?

Madge fitou-o com uma expressão indignada. A resposta veio à sua cabeça mais rápido do que esperava.

– A oportunidade de continuar com o rosto intacto!

O homem ficou com uma expressão surpresa enquanto o outro ria de um jeito meio estranho. Qual era o problema deles? Era quase como se nunca tivessem sido encurralados por uma mulher na vida.

– O idiota está caindo aos pedaços no bar aqui da esquina. Satisfeita, gracinha? – ele respondeu, o orgulho ferido transparecendo em suas palavras.

Em que você foi se meter, Gale?

– Obrigada. – Ela virou-se e, então, começou a caminhar a passos apressados para longe dos dois homens. Precisava encontrar Gale. Precisava encontrar o arrogante, presunçoso e idiota Gale Hawthorne. Por quê? Ora essa, porque ela era humana e tinha um coração. Não conseguiria ignorar o fato de Gale estar transbordando álcool em um bar qualquer, mesmo que o considerasse um idiota.

Ela se importava, afinal de contas.

Mesmo que não admitisse isso nem para si mesma.

– Posso ao menos saber seu nome? – o homem exclamou, a pergunta atingindo Madge de supetão.

Ela virou-se e ergueu as sobrancelhas. Seus olhos azuis cintilaram no momento em que ela lançou as palavras ao ar. Ela não tinha mais medo. Estava protegida pelas sombras.

– Eu sou Madge. Madge Undersee.

~*~

– Sabe o que é uma merda? – Gale disse com a voz arrastada, o copo cheio de cerveja tremendo em sua mão enquanto ele apontava-o para o atendente do bar. – Você amar uma garota durante anos e ela te trocar por um cara que faz pão de queijo nos tempos livres.

– Que bosta, cara – um homem ao seu lado comentou, ainda mais chapado que Gale.

– Não, não acaba por aí. O buraco é mais embaixo – Gale mexeu o copo, e parte do líquido escorreu pelo vidro, mas ele não se importou. Podia sentir as lágrimas queimando seus olhos cinza, e vez ou outra ele tinha de interromper as frases para reprimir um soluço. – E então eu venho pra esse Distrito e a mulher mais complicada do mundo resolve ressuscitar e me atormentar. Quero dizer, por que eu? Por que justo eu? – Ele virou o copo na boca, sua garganta queimando com o excesso de álcool. – Vou te contar uma coisa, meu chapa. Ela é jogo duro. Não queira uma mulher como essa na sua vida.

A porta do bar abriu-se e uma bela mulher surgiu dali, o semblante preocupado chamando a atenção de todos que se viraram para vê-la. Gale continuou inerte, analisando a cor da cerveja. Nada parecia importante o suficiente para tirar sua atenção do copo.

Foi quando ele escutou.

– Gale.

Ah, não.

Seu corpo pareceu congelar, e ele não se moveu um centímetro.

O que Madge Undersee estava fazendo ali? Será que ele não conseguia um pouco de paz? Não estava bêbado o suficiente para não ter consciência do que estava acontecendo, e sabia que meter-se em um bar depois de um surto de pânico não era a melhor coisa a se fazer, mas isso era um assunto inteiramente da conta dele.

– Dê meia volta e retorne para o lugar de onde veio, Undersee.

Ela nem ao menos cogitou obedecê-lo. Decidida, ela sentou-se no banco livre ao seu lado e girou o corpo, ficando perpendicular a ele. Esperava que Gale fosse se virar para fitá-la, mas ele não saiu da mesma posição. Madge soltou um suspiro audível.

– Isso não vai resolver as coisas.

O moreno encolheu os ombros, indiferente, e fez menção de levar o copo à boca novamente. Suas pálpebras pesavam, e seus olhos cinza pareciam mais escuros que o habitual. Ele estava, realmente, na fossa. Como havia chegado a tal ponto?

A Undersee estendeu a mão e, receosa, tocou o pulso de Gale.

Madge tinha mãos frias e um coração quente.

Gale tinha mãos quentes e um coração frio.

Ele finalmente ergueu o olhar e, para a surpresa de Madge, ele não parecia irritado como suas palavras demonstravam. Sua expressão era cansada, desgastada, mas não agressiva.

Realmente, os dois ainda tinham muito que aprender um com o outro. Haviam construído barreiras tão fortes ao redor de si mesmos que nem ao menos se preocuparam em procurar a humanidade escondida em seus respectivos corações. Gale nunca havia tentado compreender o brilho triste nos olhos de Madge, enquanto a loira nunca havia tentado enxergar através da tempestade que envolvia o semblante de Gale.

Isso estava prestes a mudar.

– Que merda – Gale murmurou, abaixando o copo e levando as mãos ao rosto. Ficou assim por um tempo, sentindo-se um pouco tonto. Fez uma careta de dor, sem que Madge pudesse ver, e esfregou os olhos com a ponta dos dedos. Respirou fundo e então largou as mãos ao lado do corpo, os olhos vermelhos e inchados.

Madge apoiou um dos cotovelos na mesa e sustentou o peso da cabeça na mão, o coração apertado. O que havia acontecido com eles, afinal de contas? Para onde haviam ido os dois adolescentes cheios de vida e esperança? Ali, naquele bar aos pedaços, não havia sinal algum da vitalidade que Gale Hawthorne sempre carregava no olhar, muito menos do sorriso amável de Madge Undersee.

– Me desculpe, ok? – Gale fechou os olhos com força, calculando o peso das próprias palavras. – Eu odeio o que me tornei. Olho pra trás e me lembro das expectativas que guardava para mim mesmo. – Ele balançou a cabeça negativamente. Não estaria sendo tão aberto se não estivesse alterado como estava. – Uma mulher, filhos, sei lá. Uma vida de verdade.

Madge baixou o olhar e focou em algum ponto no chão.

– Eu sei.

Silêncio.

Ela começou a brincar com os próprios dedos, pensando no que dizer. Sentia-se tão vazia quanto Gale. Era estranho vê-lo daquele modo: transparente. Ele passava tanto tempo escondendo sua verdadeira essência que, às vezes, Madge pensava não haver nada ali além de frieza e arrogância.

Mais tarde ela descobriria estar terrivelmente enganada.

– Ainda temos tempo, Gale. Não podemos jogar a toalha logo agora.

– Não, não – Gale riu pelo nariz, completamente sem humor. – Você tem tempo. Eu não. Não dá pra consertar o que eu fiz.

– Gale, por favor...

– Você sabe que é verdade! – Ele gritou, batendo o copo na mesa. Madge abriu a boca, à procura de ar, e só então percebeu que ar algum aliviaria o aperto em seu peito. Ela abaixou a cabeça, entrelaçando os próprios dedos longos, e não ousou olhar para ele. Gale sentiu os lábios tremerem, e então diminuiu consideravelmente o tom de voz. – Tem sido... difícil. – Ele esfregou os olhos com a ponta dos dedos. – Me desculpe.

Madge assentiu, colocando uma mecha de cabelo para trás da orelha. Gale se flagrou observando o modo como ela movia os dedos entre os longos fios.

Ela ergueu o olhar.

– Olhe para mim.

Gale estava prestes a dizer que já estava olhando-a, mas ela fez um sinal em negativo para que ele não dissesse nada.

– Olhe direito. Olhe em meus olhos.

O soldado respirou fundo e reuniu coragem suficiente para focar a atenção nos olhos recheados de mistério de Madge. Ele percebeu que os olhos dela pareciam um tanto inchados, mas procurou concentrar-se na cor de seus olhos. Nunca havia observado-os assim, tão de perto. Era uma visão incrível. A íris era colorida por um azul claro e contornada por um azul mais escuro, que ia clareando conforme se aproximava da pupila. Havia um brilho curioso refletindo neles.

Era como olhar para um céu estrelado.

– A vida é um jogo, Gale. Só que sem manual. Você tem de aprender a lidar com ela, de um jeito ou de outro. Mas não vai conseguir isso, se continuar sustentando esse muro ao redor de si mesmo.

Essa era uma das características de Madge mais dignas de admiração: mesmo depois de ser destruída, ela conseguia manter-se firme com seus ideais.

– O que quer dizer? – Gale murmurou, estreitando levemente os olhos.

– Quero dizer que não é bebendo para esquecer os problemas por uma ou duas horas que você vai conseguir resolvê-los. Você tem que confiar em alguém pra te ajudar a superar isso, Gale Hawthorne.

Ela fez uma coisa esquisita.

Segurou a mão dele. O calor incendiou a ponta de seus dedos e espalhou-se por todo seu corpo. Gale mantinha as sobrancelhas franzidas, um pouco assustado. Era estranho não ser ignorado. Era estranho sentir-se confortável com o toque de alguém que deveria odiar. Era estranho parar de ter medo.

– Vai confiar em mim? – ela perguntou. Sua voz parecia fraca.

Gale concluiu que, definitivamente, ela havia chorado antes de aparecer ali.

– Eu não sei por que você se importa – ele finalmente disse, ignorando a pergunta dela. As palavras soavam secas e frágeis. Ele não confiava nela, não confiava em ninguém. Tinha motivos para isso.

Vai confiar em mim? – ela repetiu.

Gale soltou um suspiro cansado. Que escolha tinha? Nenhuma. Além disso, estava esgotado. Só queria sair daquele lugar abafado e decadente. Queria olhar para o céu e encontrar alguma esperança nele.

Algo que você talvez queira saber sobre Gale Hawthorne: ele também se assustava, ele também tinha inseguranças, ele também tinha um lado frágil. A única diferença é que ele não era idiota o suficiente para demonstrar isso.

Só que, cada vez mais, Madge estava fazendo-o baixar a guarda.

Maldita seja.

Ele encolheu levemente os ombros, como que demonstrando indiferença. Isso foi o suficiente para Madge sentir-se vitoriosa. Tirou algumas notas de dinheiro do bolso e largou-as sobre o balcão. E então ela levantou-se e puxou Gale levemente pela mão.

– Vamos embora, caçador.

~*~

– O céu está sem estrelas – Gale observou, indicando o céu com o olhar. Madge aconchegou-se em sua manta e negou com a cabeça.

– Não. Tem uma ali.

A loira esticou o braço e apontou para um único ponto brilhante no céu.

– É só uma estrela – Gale retrucou. Qual a graça em um céu com apenas uma estrela?, pensou.

– É mais do que suficiente.

Já estavam assim há uns bons minutos. Encolhidos na grama gelada, separados a uma distância segura e enrolados em suas respectivas cobertas, apenas observando aquele céu vazio.

Você deve estar se perguntando o motivo disso.

A bebida agora fazia mais efeito em Gale. Durante todo o percurso até sua casa, ele foi ficando cada vez mais desorientado e confuso. Não conseguia imaginar o que teria acontecido se Madge não tivesse aparecido. Era como se sua idade mental tivesse diminuído consideravelmente e agora Madge estivesse falando com uma criança de seis anos.

Alterado como estava, você deve pensar que Gale só queria deitar na cama e cair no sono. Trancar-se no escuro de seu quarto e esquecer o mundo, esquecer Madge Undersee e a cor fascinante de seus olhos.

Mas tudo o que Gale queria era o céu.

Fazia um frio horroroso lá fora, mas ele parecia não se importar. O cobertor enrolado sobre seu corpo era como uma armadura contra o vento. Madge imaginou se Gale se lembraria desse fim de noite no dia seguinte, e se ele ficaria muito irritado com isso. Ele estava completamente transparente, o que, para alguém como Gale Hawthorne, devia ser mesmo muito ruim. Mas Madge não ousou contestá-lo: também estava precisando observar o céu. Era uma boa maneira de acalmar-se e esquecer-se da besteira que havia feito.

O homem deitou-se na grama, respirando fundo e fixando a atenção no único brilho daquela noite.

Não, aquele brilho não era a estrela.

O brilho era Madge Undersee.

– Acha que vamos conseguir, Gale? – Ela perguntou, passeando as mãos pelo gramado. Afundou os dedos entre os matinhos e balançou a cabeça. – Isso aqui tá uma bagunça.

– Eu nem sei do que você está falando. – Gale encolheu os ombros, fechando os olhos.

– O ponto cego. Como que nós, um grupo de oito pessoas, vamos encontrar a solução de um problema que atinge milhares de pessoas? É loucura. Não dá. Simplesmente não dá.

– Madge, tudo está uma loucura desde que você deu aquele broche à Katniss. Nós estamos praticando o impossível desde então.

Madge suspirou. Ele tinha razão. Mas, ainda assim, tudo parecia complicado demais. Era como se ela estivesse tentando alcançar o inalcançável. Sentia-se impotente, sem ação. Estava metida em uma confusão maior do que seus ombros pareciam aguentar. Só queria voltar a ser aquela menina que tocava piano todas as tardes.

Ela cedeu e deitou-se na grama também. Virou discretamente o rosto e observou o perfil de Gale. Assim, com a expressão relaxada, ele parecia mais bonito e mais jovem. No fim das contas, ele era exatamente como ela. Um adolescente que fora obrigado a crescer muito antes da hora.

Aos olhos de Madge, ele já não parecia mais um monstro.

E ela descobriu que via nele o reflexo de si mesma.

Lentamente, deixou que o peso das pálpebras vencesse e fechou os olhos.

– Bonito vestido – ele murmurou com a voz fraca e embriagada de sono. Era a segunda vez naquela noite em que ele lhe dizia isso. A única diferença é que agora não soava mais como uma provocação, e sim como uma simples recordação.

Madge abriu um pequeno sorriso de canto.

– Você é um idiota.

– Eu sei. Eu sei, Undersee.

"If I lose myself tonight, it will be by your side. If I lose myself tonight, it will be you and I."

~*~

Um dos homens na sala cinzenta encarou as filmagens, boquiaberto. Não sabia como aquilo havia acontecido. Há mais de um ano algo assim não acontecia. Suas mãos tremiam enquanto ele discava o número de emergência.

A sala de vigilância de Panem estava um caos. Alguns dos vigilantes reprimiam um berro com as mãos, encarando um dos televisores que transmitiam a filmagem da ferrovia.

O homem respirou fundo quando sua ligação foi atendida, as mãos molhadas de suor quase escorregando do telefone.

Como ele diria ao exército que um dos trens dirigidos ao Distrito 2 havia acabado de ser explodido?


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Notas finais do capítulo

Todo esse negócio do Aaron me partiu o coração. Pobre criatura!
E, sim, eu terminei o capítulo com aquele suspense de sempre. Não me matem, ok? Abaixem essas lanças, seus carreiristas fajutos. u.u
Espero ver vocês nos comentários, hein?
Beijinhos,
Penn.