Procura-se um Sangue Azul escrita por Mia Peckerham


Capítulo 23
Santa Helena


Notas iniciais do capítulo

O.ÚLTIMO.CAPÍTULO.
3.893 palavras.
AI MEU CORE ♥

Sério, esse capítulo me destruiu ;-;
Não vou escrever muito aqui porque ainda vou postar um Capítulo só para os agradecimentos àqueles que leram a fic até agora; e SIM, VOU ESTENDER ESSA HISTóRIA, PORQUE NÃO QUERO QUE ELA TERMINE.

Vai ter um cap. pra história de Erica-Kirk-Baruc :3
Vai ter um cap. de referências musicais para os personagens :3
Vai ter alguns caps. adicionais aí :3

Enfim, boa leitura, me contem depois o que acharam desse final ;D



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Ezekiel acompanhou Erica até a casa de Baruc. A plebeia montava Kahal, o cavalo de pelos loiros que o príncipe decidira dar a ela. Afinal, não precisaria dele, tinha sua própria montaria.

Os pelos negros de Odil, contrastavam com os de Kahal como o contraste da lua no céu. Erica ia à frente pela estrada, e Zeke reparou também no contraste entre os flocos de neve recém-caídos e os cabelos negros da garota, soltos. Ela raramente os usava soltos. Ezekiel achava que isso a deixava particularmente bela.

Chegaram a casa e Erica desmontou, amarrando a rédea do cavalo num toco fincado ao lado da porta; Ekeziel desceu de sua cela para se despedir da garota; doía pensar nessa despedida, mesmo sabendo que ainda se veriam na manhã seguinte. Doía como o corte de uma espada porque, fatidicamente, a despedida acabaria acontecendo.

Ezekiel não queria se despedir. Erica era perfeita. Não havia em sua mente outra palavra para descrevê-la com tamanha exatidão. Até mesmo os defeitos de Erica tinham algo de bom. Ela era uma cabeça menor do que ele; seu rosto era delicado, mas tinha traços brutos. Os olhos, por exemplo, pareciam navalhas de gelo: azuis como o mais profundo dos mares, e frios, muito frios, e a boca parecia esconder segredos do mundo todo. A pele bastante pálida criava um molde ideal para os cabelos tão escuros que pareciam tinta. O corpo, não menos belo, era simétrico e curvilíneo; a postura, elegante e perfeita desde a primeira vez que a garota entrou na arena, era digna de uma verdadeira princesa.

Ezekiel não se incomodaria se Erica aceitasse tornar-se sua princesa. Na verdade, sua rainha, já que ele agora era o rei.

– Bem – a garota disse, tirando Zeke de seus devaneios -, obrigada pela companhia e pelo cavalo.

O príncipe sorriu:

– É uma honra. Agora acho melhor descansar. Quero te ver amanhã na cerimônia, e se não estiver lá mandarei que os guardas a busquem.

A plebeia torceu o nariz, risonha:

– Duvido que me peguem.

Ela deu de ombros, acenou para o príncipe e virou-se, entrando na casa. A porta se fechou e Ezekiel sorriu.

– Eu também... – Ele admitiu, sozinho vendo a fina neve aos poucos cobrir os telhados.

***

Erica fechou a porta atrás de si mais rápida que o vento. Não aguentava mais a presença do príncipe. Sentia-se extremamente exaurida, cansada de tudo; queria apenas deitar-se e ficar sozinha com seus pensamentos, em silêncio.

Não queria, também, ir à cerimônia da coroação. Não entendia o porquê de sua presença ser tão indispensável já que a tal coroação de Zeke não lhe dizia respeito, mas iria mesmo assim, talvez por consideração.

Baruc estava deitado em sua enorme cama no fundo da casa. Quando viu a garota, sentou-se e a encarou, tristonho:

– Thomas e eu enterramos o corpo de... – Ele fez uma pausa no meio da frase, como se ainda fosse difícil acreditar na morte do garoto; Erica não o culpava, ela mesma ainda não acreditava – Kirk.

– Tudo bem – a plebeia fez que sim com a cabeça. – Onde?

– Sobre aquela árvore na qual você disse que não havia inverno – o ferreiro sussurrou. – Pensamos que talvez Kirk ainda pudesse conhecer algo como as Ilhas de Verão.

Notteria – Erica sorriu. – Eu acho que Kirk adoraria aquela árvore. Viu como é grande?

O olhar triste de Baruc entristeceu-se ainda mais. Ele acenou positivamente com a cabeça e resmungou um “boa noite” tonto. Apagou a vela acesa ao lado de sua cama e virou-se para a parede. Sem mais opções, Erica fez o mesmo.

Deitava-se na cama de Kirk. Kirk gostava tanto de ficar na casa de Baruc ajudando-o com as forjas que o ferreiro construíra uma cama de madeira e feno para o pequenino ali. Não era confortável, mas era uma lembrança.

Erica debateu-se um pouco até encontrar uma posição razoavelmente confortável. Então encostou a bochecha no travesseiro e deixou que as lágrimas ensopassem tudo.

***

Na manhã seguinte, ao abrir os olhos, Erica descobriu que a maior parte do seu cansaço do dia anterior se esvaíra.

Ainda usava o vestido azul confeccionado por Jade, e sentia-se sufocada por ele, então se apressou em tirá-lo.

– Trouxeram um caixote! – Baruc gritou. Estava no andar de cima, nas forjas. – Erica? Você acordou?

– Sim! – Ela respondeu. – Estou subindo.

Baruc talvez fosse o único ferreiro que não tinha uma forja no andar de baixo da casa. Erica subiu as escadas de barro e encontrou o grande homem de costas diante de uma grande fornalha, aquecendo ligas.

– Uma das criadas do reino veio até aqui e me acordou para dizer que isso havia sido feito para você – ele apontou por cima do ombro em direção a uma caixa grande de madeira envernizada.

Erica ajoelhou-se diante do objeto e viu o símbolo do reino esculpido na madeira. Sob ele estava entalhado o nome “Jade” em letras arredondadas.

Erica abriu sem cerimônia e viu um pedaço de seda branca envolvendo algo. Removeu a seda e encontrou um vestido verde-escuro com bordados dourados. Desdobrou a peça. O tamanho era único, feito exclusivamente para ela, e o vestido era perfeito.

Havia também um bilhete que dizia “Para a coroação. Espero ter acertado na peça! Com toda a atenção, Jade”.

Erica sorriu e foi se arrumar para a cerimônia.

***

Zeke já estava acostumado, desde muito pequeno, a ser visto por multidões. Mesmo assim, sentia-se desconfortável agora. O príncipe mandara abrir os portões do castelo para que todo o povo pudesse entrar. Reforçara os guardas, empregara todos os criados, cozinheiros e também toda a orquestra, como bem deveria ser.

Os tronos estavam dispostos em linha reta no salão de festas, sob as escadas, bem onde haviam ficado na fatídica noite do baile. Havia cinco tronos, e nenhum deles era para Daragh, Martin ou Orla, e sim para Arthur Bellafote, sua esposa e seus gêmeos idênticos, Taddeus e Taurik. O trono de Ezekiel era o maior e ficava entre os outros quatro. Pesadas cortinas vermelhas e lustrosas escorriam por trás dos tronos, e era atrás delas que o futuro rei se escondia. De vez em quando as puxava um pouco, abrindo uma fresta, e assim espiava o povo que entrava sem parar pelas portas. Ainda eram aproximadamente nove horas da manhã; o dia estava frio, como de costume, mas havia sol ao invés de nuvens, como se o céu estivesse se abrindo para a sua coroação, mas Zeke estava longe de sentir-se tão iluminado.

– E então, é como sempre sonhou? – Ele sentiu a pesada mão de seu irmão mais velho em seu ombro. Virou-se para encará-lo.

– Quando éramos pequenos e lutávamos com espadas de mentira, eu sonhava em ser rei – Ezekiel sorriu. – Mas agora eu só... Não sei se estou pronto.

Arthur sorriu de volta. Era o sorriso de seu pai que Zeke via em seus lábios, assim como havia visto o rosto de seu pai ao se arrumar nesta manhã diante do espelho.

– Você será um ótimo rei – Arthur disse. – Papai ficará orgulhoso, onde quer que seu espírito esteja.

Arthur não chegara a tempo para o enterro de seu irmão ou de seus pais, mas Zeke foi a cavalo com ele até os túmulos para uma breve visita. Arthur chorou mais do que Ezekiel jamais conseguiria, e o futuro rei o admirava muito por isso. Demonstrar fraqueza, afinal de contas, não é sempre uma fraqueza.

Ouviu as cornetas soarem. Ezekiel buscou ajuda nos olhos de Arthur, tal como fazia quando aprontava alguma e precisava que o irmão mais velho o encobrisse, quando ainda eram pequeninos.

– Estamos indo. Aguardaremos sua entrada – Arthur disse. Abraçou o irmão e espalmou com força suas costas. – Vai se sair bem.

Ele, a mulher e os dois filhos saíram de trás das cortinas e sentaram-se em seus respectivos tronos. Os meninos, sobrinhos de Zeke, eram muito educados e preparados. O príncipe ficou abismado.

Mais cornetas soaram; os nomes da família de Arthur foram anunciados e eles foram ovacionados. Soaram outra vez e Ezekiel sabia que logo a orquestra tocaria o hino do reino e então ele teria de entrar e cumprir seu dever. Havia uma série de regras para uma coroação. Não se podia simplesmente colocar a coroa na cabeça e acenar para o público.

Ouviu a primeira nota do hino. Ouviu mais cornetas. Ouviu alguém chamar seu nome.

As cortinas se abriram e ele já estava em sua pose, a coluna retilínea, a mão sobre o punho da espada, a outra dobrada sobre o abdômen, o olhar firme e forte. Mas por dentro seu estômago se revirava.

***

Erica esperava no meio da multidão. Estava usando o vestido que Jade fizera, os cabelos soltos caindo por seus ombros, e ainda havia um resquício da maquiagem que usara no baile e que não conseguira tirar dos olhos. Mesmo tendo acordado cedo, chegou atrasada. O hino tocava alto, mas ainda estava no começo, e ela viu Ezekiel atrás dos tronos, em pé. Sua pose era idêntica à de sua estátua na entrada do palácio. Erica julgou que ele agora parecia muito mais velho do que realmente era.

Ela encarou o príncipe, admirada. Tudo nele esbanjava nobreza: as vestes feitas sob medida, de um vermelho-sangue, um tom bem escuro que fazia com que a pele de Zeke parecesse ainda mais clara, cada fio de seus loiros cabelos penteados para estarem em seu devido lugar, a espada dourada cujo brilho cegava Erica de longe, a capa púrpura que ela já havia visto antes, na arena. Erica sentia-se inferior como nunca, mesmo tendo sido vestida pela mesma costureira que fizera as roupas que o príncipe usava. Algo em Zeke a lembrava de Orla naquela manhã.

Ezekiel deu a volta nos tronos e desceu até o meio da escada, onde um criado o aguardava. Foi feita uma prece em nome da deusa e Zeke jurou por Ophélia fazer tudo que estivesse ao seu alcance para prosperar com o reino. Aplausos explodiram aqui e ali e, quando o príncipe virou-se para o povo novamente, seus olhos fixaram-se diretamente nos de Erica.

A garota perdeu o ar. Agora entendia o porquê de terem escolhido o centro da escadaria para ser o lugar exato da coroação. Era a incisão perfeita: os raios de sol que entravam pelos vidros das portas preenchiam a sala vagamente, dispersando-se, mas ali, no meio da escada, havia os raios que entravam pela abóbada do teto. Eles desciam, difundindo-se, imperceptíveis, mas Zeke estava literalmente todo iluminado. Era o espetáculo perfeito. Os cabelos cor-de-trigo do príncipe pareciam tinta dourada, as cores de suas roupas tornavam-se mais vivas, seus olhos pareciam bolas de vidro esverdeadas. Parecia uma pintura dessas que demoram anos para serem concluídas.

Erica perdeu todo o ar de seus pulmões. Amava aquele rapaz. Com todo seu coração e com todas as suas forças, com cada gota de seu sangue, ela o amava intensamente. Ele a encarava como se esperasse algo. Ela sorriu e ele devolveu um sorriso de dentes à mostra, e o tempo desacelerou.

Mais cornetas soaram. Outro criado entrou na sala segurando uma almofada com uma grande coroa, um elo adornado em ouro, com três grandes pedras preciosas encravadas nele: um rubi, uma ametista e uma esmeralda. Força, controle e responsabilidade. O criado subiu até o príncipe; Ezekiel curvou-se levemente e o homem pôs o adorno em sua cabeça.

– Curvem-se perante Ezekiel Lew Piero Bellafonte, rei de Lionsgrow! – O criado disse. Todos os súditos se curvaram, inclusive Erica.

Quando ela endireitou a postura, foi atropelada pelo fluxo de pessoas que saíam de seus lugares e tentavam alcançar o novo rei com presentes, pedidos de bênçãos e desejos de prosperidade. Tentou esticar-se para vê-lo, sem sucesso, e aos poucos foi recuando até estar fora do salão. Kahal estava amarrado pelas rédeas perto dali e Erica soube, ao encarar as nucas da multidão à sua frente, que não veria Ezekiel por um bom tempo. Saiu do salão, conformada; montou seu cavalo loiro e resolveu ir visitar Kirk.

***

Ezekiel dividia seu esforço entre tentar encontrar Erica, equilibrar a coroa e atender aos pedidos de seu povo. Sorria e cumprimentava, passava a mão pelos cabelos das crianças, agradecia. Equilibrou-se um degrau acima tentando ver sua amada, mas tudo o que conseguiu foi que o povo também desse um passo à frente.

Arthur o chamou e ele foi até os tronos, sentindo-se grato pela folga que o irmão lhe dera.

– Está tudo bem? – O irmão perguntou a ele com ar preocupado; Zeke lembrou-se de sua cerimônia de iniciação, aos sete anos, quando colocaram a coroa de príncipe em sua cabeça e a capa púrpura em seus ombros pela primeira vez, e ele se sentira sufocado pelo povo que se aproximava exigindo atenção. Seu pai havia feito a mesma pergunta a ele. – Parece aflito. Sente-se indisposto?

Zeke olhou discretamente para trás, para o povo, e mais uma vez não havia nem sinal de Erica. Mordeu o lábio inferior, pensativo. Teria ainda décadas de reinado para dar atenção à multidão; Erica, não. Erica estava de saída, e Ezekiel só tinha uma chance de mudar esse fato.

– Preciso me ausentar – ele disse a Arthur. – É muito importante para mim.

Seu irmão sorriu. Ezekiel sabia que Arthur era rei há mais tempo que ele e que podia dar bons conselhos, mas também tinha certeza de que se ausentar no dia de sua coroação era altamente não recomendado.

– Você vai atrás da moça, não vai? – Arthur perguntou.

– Não! – Zeke respondeu. Arthur o encarou duvidoso. – Sim. Mas ninguém precisa saber disso.

– Não saberão. Mas seja rápido.

O novo rei sorriu. Arthur chamou alguns criados, que começaram a servir aperitivos no salão com a desculpa de que o rei logo estaria presente novamente.

– Zeke – o mais velho o chamou. Ezekiel o encarou, esperando a resposta. – Tente convencê-la, mas seja coerente. Não se esqueça de sua missão.

O rei acenou positivamente com a cabeça e saiu pelos fundos do salão, pegando alguns corredores que rumavam ao estábulo. Montou seu alazão negro e passou pelos portões sem justificar coisa alguma aos guardas. Procuraria Erica até nos confins daquele reino.

Foi até a casa dela e entrou sem cerimônia. O gato de pelos alaranjados estava deitado no centro do piso, e ao ver Ezekiel levantou as orelhas e miou como se dissesse “Ela não está aqui. Melhor se apressar se ainda quiser vê-la”. O rei foi a pé até a casa de Baruc e encontrou o grandalhão carregando várias peças de metal e caixas de madeira para dentro de uma carroça. Perguntou pela plebeia.

– Foi visitar o túmulo do irmão, em Notteria – o ferreiro respondeu, frio e ressentido. – Depois, ela me encontrará no cais e vamos embora. Para sempre.

Zeke engoliu a seco. Virou as costas e começou a caminhar até seu cavalo quando ouviu o homem o chamar.

– Erica gosta muito de você. Ela o ama. Mas ela também é uma mulher muito justa e de orgulho engrandecido.

– O que quer dizer? – O rei perguntou.

Baruc sorriu:

– Você vai descobrir.

Ezekiel não tinha tempo para insistir na pergunta. Montou nas costas de Odil e galopou até a grande árvore.

Erica não estava lá. O príncipe rondou a árvore, olhou melhor, procurou por entre os galhos. A garota não estava lá, mas havia marcas das ferraduras de Kahal na grama amassada. Sobre os galhos de Notteria havia um espaço de terra revirada. Ezekiel compreendeu que Kirk provavelmente havia sido enterrado ali. Havia também flores brancas sobre a terra.

Erica estivera ali, e já havia ido embora.

O cais, o rei pensou. Ela já deve estar de saída.

Voou na garupa de Odil em direção ao cais; Ezekiel, como prometido, havia pagado Erica. Comprara uma embarcação de médio-porte, uma pequena caravela, e mandara encher o compartimento de carga de baús com moedas de ouro. Mandara também uma carta à Baruc que dava autorização vitalícia da corte para atracar e zarpar sempre que quisessem no reino. Agora, entretanto, se arrependia disso. Talvez quando chegasse ao cais a caravela Santa Helena já estivesse em alto-mar com Erica dentro, e Ezekiel jamais voltaria a vê-la.

Mas na verdade, quando chegou, Santa Helena ainda estava atracada ao porto.

Zeke procurou Erica por todos os lados; alguns mercadores o cumprimentaram e ofereceram produtos, mas nenhum sabia dizer ao certo se a moça passara por lá.

E então Zeke a viu. De costas, subindo a rampa para o convés, usando um vestido que, pela qualidade que apresentava, havia sido feito por Jade. Os cabelos negros e brilhantes escorriam em camadas por seus ombros e suas costas. Ezekiel adorava quando Erica os usava soltos.

Ele correu até ela, mas ela não percebeu. Continuou subindo a rampa, e o rei quase não conseguiu chegar a tempo. Quando alcançou Erica, segurou-lhe a mão.

A garota assustou-se e virou-se para trás a fim de ver quem a havia tocado. Seus olhos esbarraram nos de Zeke e fixaram-se ali. Para ele, isso era incrível; Erica era a única mulher que o olhava nos olhos, e não na coroa.

– Precisamos conversar – ele disse ofegante. Correra o cais inteiro, ida e volta atrás de Erica, e justo agora o ar começava a faltar em seus pulmões.

Erica assentiu e Zeke pensou nas palavras que deveria usar. Lembrou-se do conselho de seu irmão para que ele fosse coerente, e de Baruc dizendo que havia algo que o surpreenderia. Além disso, Ezekiel confiava em suas entranhas, e algo dizia que era melhor se preparar para o pior, portanto o rei preparou-se para a perda.

– Posso lhe dar muito mais ouro do que essa caravela suportaria – ele disse apontando a embarcação -, posso pôr um anel em sua mão, uma coroa em sua cabeça, uma capa em seus ombros, um trono a mais na sala dos tronos, mas não posso obrigá-la a ficar ou a gostar de mim, muito menos a me amar. Sei que isso não repara nem uma fração do que a fiz passar neste reino, mas eu a amo. Incondicionalmente e de todas as formas. Eu nem sabia que se podia amar alguém assim. E agora, o reino está vazio. Todo o povo está no castelo, e eu, no dia de minha coroação, deixei-os esperando porque precisava vir até aqui. Precisava vê-la, Erica, e, pelo sim ou pelo não, havia este pedido de casamento que eu precisava fazer. Vim evitando esse matrimônio há muito tempo pensando que tinha medo de me comprometer, quando a verdade é que eu tinha medo que me comprometer com alguém que não fosse você. É por isso que preciso saber se agora é a hora em que nos unimos oficialmente ou se devo seguir em frente sozinho. Preciso dessa resposta, e não posso te deixa ir sem ela.

Erica o encarou, estupefata, e aos poucos seu olhar se entristeceu. Ela olhou para a caravela por cima do ombro e voltou-se outra vez para Zeke. Tomou as mãos do rei nas suas e o encarou diretamente nos olhos:

– Você precisa de alguém que saiba perdoar e esquecer, Zeke. Eu já o perdoei, mas jamais poderei pisar nessas terras sem pensar no que passei aqui. Seria uma alma acorrentada e torturada para sempre, e preciso fugir disso. Não posso ficar, muito menos assumir o reino. Adoraria, mas não posso.

O príncipe sentiu-se mal no mesmo instante. Não podia fazê-la ficar, e tinha de vê-la partir. Descobriu que não havia dor pior do eu aquela.

Mesmo assim, concordou em silêncio. Envolveu Erica em seus braços e a apertou contra si; seria seu último abraço, queria tirar o máximo dele. Zeke sentiu o corpo da plebeia tremendo, e uma lágrima quente caiu em seu pescoço. Olhou-a e percebeu que ela estava chorando. Não queria ir embora, mas não podia ficar. Zeke não queria ficar, mas não podia ir embora. O destino não estava sendo generoso com nenhum dos dois.

O rei não contou quanto tempo ficaram ali, juntos, mas Baruc apareceu no convés três vezes para chamar Erica e, por consideração ou bondade, deixou-a ficar. Na quarta vez o ferreiro os interrompeu:

– O sol já está alto no céu. Vamos perder as horas.

A garota assentiu e afastou-se do príncipe. Os dois se entreolharam uma última vez e ambos deram um passo para trás.

– Você sabe o caminho de volta, não sabe? – Zeke sussurrou.

Erica sorriu:

– Nunca me esquecerei.

Ezekiel concordou com a cabeça e saudou a moça com um cumprimento formal. Virou as costas e montou Odil.

– Então estarei esperando – ele disse, retribuindo o sorriso. Erica não respondeu; ela jamais voltaria. Doía, mas Ezekiel já havia se preparado.

O rei endureceu a expressão e fixou seus olhos na estrada à sua frente. Precisava esquecer que os olhos azuis e perfeitos de Erica estavam ainda cravados em suas costas. Chicoteou o cavalo com as rédeas e o animal correu a toda velocidade para longe do cais, deixando para trás a mulher que ele amava.

***

Erica subiu a rampa e a puxou para dentro. Debruçou-se sobre o parapeito do convés; dali conseguia ver o cavalo de Ezekiel rumando ao castelo.

A caravela que o rei comprara tinha um celeiro onde Erica poderia cuidar de Kahal. De tudo que passaram juntos, Kahal era o único presente que também era uma recordação. Havia também o vestido que estava usando, e o do baile, mas essas recordações não eram tão boas.

– Podemos zarpar? – Baruc perguntou, tirando Erica de seus devaneios.

– Consegue me imaginar com uma coroa na cabeça? – A moça perguntou, ignorando seu amigo.

– Não – Baruc riu. – Mas também não consigo te imaginar lutando na arena, e você já fez isso.

– Mas na arena tinha Eric; não era eu.

O ferreiro riu outra vez:

– Acho que você deveria ter nascido com um pau entre as pernas. Homem, da cabeça aos pés.

Erica sorriu. Se tivesse nascido homem, há esta hora estaria voltando da arena, todo surrado e com alguma costela quebrada, carregando no bolso um pequeno envelope com alguns fontanos para guardar na caixa de economias a fim de levar seu irmão para as Ilhas do Verão. Não teria conhecido Orla, Daragh ou Martin, mas teria lutado contra o príncipe na arena. Quando sua máscara caísse, não seria levado pelos guardas, mas provavelmente levaria uma bela surra de Ezekiel. A vida continuaria, Ezekiel se casaria e iria governar num reino distante daquele, e Eric seguiria fazendo suas economias. Não teria dinheiro, não seria conhecido, não teria aquela caravana, mas Kirk estaria vivo. Mas nada daquilo havia acontecido pelo simples fato de ter nascido mulher.

– É, a vida seria muito menos árdua – Erica suspirou, sentindo o gosto de bile na boca.

A caravela desatracou do cais e ia, rápida, para alto mar. Erica deixou seu corpo sentir o chacoalhar da embarcação e ouviu atentamente o som das ondas se chocando contra o casco amadeirado, mas ficava se perguntando se algum dia voltaria a ouvir a voz de Ezekiel.

A costa de Lionsgrow foi tornando-se cada vez mais embaçada e distante; Erica perdera de vista o cavalo negro de Zeke havia muito tempo; não havia nada que pudesse ser uma recordação para ela naquele cais agora que o rei voltara para o castelo.

Ouviu um miado e sentiu as patinhas de Sören pisando seus pés. Não fazia ideia de onde o gato havia surgido, mas sentiu-se arrependida por quase tê-lo esquecido. Pegou o bichano no colo, os bigodes dele fazendo cócegas em suas bochechas.

A garota chorou uma última lágrima, fechou os olhos, virou as costas e deixou tudo para trás.


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