Roxanne escrita por beetlejuice


Capítulo 2
Carta 2#




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Carta 2#


14 de Maio.
Querido Estranho,

Estou morrendo.
Morrendo, todas as vezes que os meus pés guiam-me, quase que automaticamente, pelo tão conhecido e tortuoso caminho até o banheiro ou o armário de remédios. Morrendo, todas as vezes que falho – acreditando tolamente vencer – ao enfiar garganta a baixo todos aqueles pecados disfarçados de cápsulas e pílulas impecavelmente organizadas. Morrendo, ao admirar no espelho o reflexo vazio que faz-se, levando a minha fisionomia e cicatrizes, mas não podendo ser eu.

E então, deito-me sobre o acolchoado, e deixo com que a minha mente vague pelos mais inesperados caminhos, ouvindo a voz que grita-me silenciosamente palavras conhecidas, e detalha, como pontas de facas afiadas atravessando-me o corpo, o meu fracasso.

Estive pensando em ti. Em como deves sair, todas as noites, após beijar a face da tua esposa e colocar tua filha para dormir, inventando uma desculpa que, na maioria das vezes, envolveria a tua rotina de trabalho. Em como deves caminhar, denso, tentando fazer-se por despercebido, pelas ruas de pedra quase vazias, sabendo exatamente o seu destino. Em como deves ofegar, gritar, desfrutar do ato de prazer provavelmente fingido pela tua acompanhante, e depois de atingir teu ápice, retirar da carteira com a foto de tua criança uma quantidade de dinheiro sujo, e deixar-se ir, deixando ao relento aquela pobre garota que teve tua infância roubada, gabando-se do pagamento recebido e sentindo teu coração despedaçar – Mesmo que ainda não tenha consciência disso.

Estou morrendo, estranho, ao ouvir os risos daquelas garotas, e saber que, dentro de alguns anos, estes mesmos risos estarão sendo apagados e substituídos por um cosmético de segunda mão qualquer.

Todos nós iremos morrer. Mas tu sentirás o gosto amargo do chocolate descendo-lhe agradavelmente até o estômago, sentirás o calor da mão de tua esposa envolver a tua, ouvirás os soluços das tuas filhas, que lamentam a partida do pai, e ouvirá também o riso da mais nova, que desconhece o fato. Terá um leito asseado, e um par de médicos que hão de se encarregar de que até o momento de seu último suspiro seja-lhe agradável, e terá lágrimas em tua lápide, quando o ato estiver terminado. Tu desfrutarás do doce sentimento do amor, e hão de sentir de ti saudades quando sentarem à mesa, em um domingo, e se lembrarem de como tu costumas acompanhá-los, e das piadas engraçadas que por muitas vezes contara. Tu terás tudo isto. Eu não.

Espero que reconheças, antes que o tempo seja mal contigo também, e tire-lhe tudo. Coisas como estas acontecem, acredite, nos mais inoportunos momentos.

Ainda viva,
Roxanne.


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