Entre Segredos e Bonecas escrita por Lize Parili


Capítulo 61
Vestindo as luvas - parte 7/10 - Alter Ego II


Notas iniciais do capítulo

Quando não se tem forças para quebrar o circulo, a história tende a se repetir.
Filho se torna sombra do seu próprio passado; filho descobre seu alter ego, filho reencontra o pai dentro de si mesmo; filho perde a identidade; filho se torna pai.

Aqui começou a relação mãe e filho.



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CONTINUAÇÃO DO FLASHBACK

— Pois eu preferiria que fosse ele.

"Eu não quis dizer isso!" pensou Nath assim que viu a forma que seu pai lhe olhou ao ouvir tais palavras, mas sua boca não conseguiu emitir nenhum som; o medo o abraçara.

"Eu não quis... Eu juro..." repetiu em sua mente enquanto via o pai levantar da cadeira, transtornado. A sensação que ele teve foi a mesma de quando levou suas primeiras chineladas.

— O que foi que você disse? — indagou, rodeando a mesa; ouvir aquilo do próprio filho doeu de tal forma que ele perdeu totalmente a razão. — O QUE FOI QUE VOCÊ DISSE? — bradou segurando Nath pelo braço, forçando-o a olhar para ele. — REPETE PARA MIM! — Seus olhos vermelhos não escondiam a decepção. — FALA DE NOVO!

Nathaniel nunca tinha visto o pai daquele jeito, tão alterado; o olhar dele estava difícil de decifrar, pois ao mesmo tempo que expressavam algo como raiva, tinha mais alguma coisa em meio ao vermelho e ao brilho molhado.  Ele se desculpou sem parar, mas seu pai não o ouviu, pois aquele seu murmuro ficou ecoando alto na mente dele.

— P-pai... p-por favor... — pediu o garoto com medo de apanhar, olhando para o rosto do pai e com a mão sobre a fivela do cinto, que deslizou pelos passantes da calça. — E-Eu não quis di-izer is-sso... — referiu apavorado, como há 5 anos não ficava e daquela vez não foi uma boneca o que ele quebrou, fora algo mais precioso, mais importante e que ele desejava tanto fazer morada. Embora o cinto tenha levado poucos segundos para passar da cintura para a mão daquele pai encolerado, os olhos temerosos daquele filho registraram a cena em câmera lenta, como se o cinto fosse muito maior do que era.

Nath teria corrido daquele escritório e se escondido no quartinho de ferramentas, ou na dispensa, e até no dormitório das empregadas, como fez muitas vezes quando menino, até o pai acalmar e só lhe restar o castigo, mas não pôde; seu pai o estava segurando pelo braço direito. Só o que pôde fazer foi usar a mão esquerda para se proteger, tentando, em vão, diminuir o impacto do cinto dobrado em suas pernas, que diferente de outros momentos, estava mais pesado. Nem suas roupas protegiam sua pele clara de receber aquelas marcas. E cada vez que ele, num impulso desesperado para amenizar o ardor do toque daquela faixa de couro sobre seu corpo, segurava o cinto, este se libertava e estalava com mais força. E daquela vez não parou na segunda ou terceira cintada.

Enquanto ignorava seu próprio discurso sobre resolver os problemas com as mãos e perder o controle da situação, à sua frente seu filho tremia e implorava engasgando com o próprio choro que ele parasse, repetindo incansavelmente seu pedido de desculpas, mas só o que ecoava nos ouvidos daquele pai de coração e ego ferido era: "Eu preferiria que fosse ele!"; "Professor Guerin fez..."; "Eu queria que ele fosse meu pai!"; "Professor Guerin disse...; "O senhor não pode fazer isso comigo..."; "Professor Guerin..."; "O senhor não pode me afastar dele..."; "Professor Guerin..."; "Professor Guerin..."... E embora uma ou outra lágrima escapasse de seus olhos, ele não se permitiu chorar na frente do filho, deixando aquele sentimento ruim sair através da ira, ao invés do pranto.

— NUNCA MAIS OUSE DIZER ISSO DE NOVO! NUNCA MAIS REPITA ISSO, NEM MESMO EM SEUS PENSAMENTOS! — bradava aos berros com o garoto enquanto lhe batia, cada vez com mais força, ao ponto do garoto que costumava apanhar sem proferir nenhuma palavra, no máximo um gemido sufocado que escapava em meio as duas ou três cintadas ou chineladas que recebia, elevar a voz, fazendo com que seus pedidos de desculpas e súplicas para que ele parasse ecoassem naquela saleta, atravessando as paredes até os ouvidos das empregadas, que estavam na sala de visitas espreitando, esperando o patrão sair do escritório para amparar o patrãozinho. Clara, assustada, pois nunca tinha ouvido Nathaniel pedir que o pai parasse de lhe bater, tampouco este havia perdido o controle e chegado ao extremo de surrá-lo, correu para o piso superior da casa, de onde só se podia ouvir os brados daquele pai, sendo o clamor do filho ainda baixo para alcançar o 2º piso e os ouvidos das mulheres daquela família.

— Sra. Chevalier! A senhora tem que descer! O patrão está castigando demais o menino! — contou de olhos marejados. Mas Nicole, embora sentindo seu coração dilacerar, não tinha forças para bater de frente com o esposo. "Isso seria desrespeitar sua autoridade de pai diante dos filhos e das empregadas!" era a desculpa que repetia em sua mente por culpa de uma insegurança que chegava a covardia, a submissão, na ânsia de justificar sua inércia para si mesma. A única força que tinha era para mandar a empregada se calar, pois o que seus ouvidos não ouviam e seus olhos não viam não lhe consumia – triste ilusão.

— EU SOU SEU PAI! OUVIU BEM? EU SOU SEU PAI! — repetiu para o garoto, que já não tinha mais forças para pedir que ele parasse, nem para segurar o cinto. Seu braço esquerdo estava tão marcado quanto suas pernas, suas nádegas e até suas costas. Era como se inconscientemente seu pai quisesse marcar sua paternidade nele através daquele cinto, como um tatuador assinando sua obra. E sentindo que não aguentaria mais receber o toque daquela faixa de couro em sua carne, elevou-se mais alto e fez o que qualquer ser humano faz em momentos de desespero.

— MÃÃÃÃEEE! MAMÃÃÃEEE!... — fez-se ecoar mais forte naquela saleta e nos demais cômodos da casa, querendo a sua proteção, — MAMÃÃÃEEE!... — até não ter mais voz e se entregar apenas ao choro. Mas antes que pudesse pensar que seu clamor fora em vão, sentiu o corpo da mãe o abraçar, recebendo ela mesma uma marca no corpo, a última.

Aquele homem tão enfurecido, cego pelo ciúme e pela dor da rejeição do filho e pelo desapontamento com Ambre, no momento em que viu a esposa receber o cinto sobre sua pele macia e delicada, sentiu como um estalo em sua mente, soltando o braço do Nathaniel, que a mãe não conseguiu segurar nos braços, sentindo-o escorregar até o chão, onde deitou e se encolheu.

— O que você fez? — perguntou ao marido, ajoelhada ao lado do filho encolhido em posição fetal, abraçado as pernas, como se quisesse se fechar em concha na ânsia de controlar a respiração, pois ofegar o estava fazendo engasgar com o choro e tossir, mas seu corpo doía, seu coração doía e sua mente não conseguia pensar, pois sua dor a entorpecera. — Por quê? — insistiu, às lágrimas, sem nem mesmo conseguir colocar a cabeça do filho sobre seu colo, pois ele estava tenso e mau a deixava tocá-lo. Apenas seus cabelos receberam seus carinhos, pois sua face estava escondida em meio aquela posição.

Ver o filho jogado ao chão, aos prantos, com a face escondida embaixo do braço, como se quisesse, além de evitar encará-lo, proteger-se, e sua esposa às lágrimas diante dele, ajoelhada, tentando tocar aquela face vermelha de tanto chorar, murmurando desculpas ao seu menino, tão baixo que nem mesmo Nath conseguia ouvi-la, foi como receber um descarga elétrica, trazendo-o de volta a realidade, como se uma luz acendesse e ele conseguisse enxergar as coisas.

— F-Filho... — murmurou baixinho sentindo o arrependimento começar a lhe invadir, com um apetite gigantesco, louco para devorar suas entranhas. Sem saber o que fazer naquele momento, totalmente confuso, saiu do escritório, deixando-o sob o amparo da mãe, que pela 2ª vez em 13 anos viu o seu primogênito com a calça molhada por conta do pai, a diferença é que da primeira vez Nathaniel tinha 7 para 8 anos e nunca tinha recebido nem mesmo um tapa do pai, sendo naquele dia suas três primeiras chineladas no traseiro, por ter quebrado a boneca da irmã que ainda estava no Jardim de Infância.

Jhonatan foi para o quintal deixando seu cinto para trás, jogado sobre a soleira da sala. Ele caminhou de um lado para o outro com a mão na cabeça tentando entender o que o levou a perder o controle daquela forma. Ele nunca havia feito aquilo, ele nunca havia punido o filho daquela forma, no máximo um par ou dois de chineladas ou cintadas quando o garoto extrapolava e muitos castigos, mas nunca o havia surrado; e admitir para si que havia surrado seu primogênito lhe doeu tanto quanto ter ouvido o garoto murmurar que preferia Guerin a ele, ou até mais; ele não conseguia nem mesmo identificar o grau da sua dor e do seu arrependimento, de tão confuso.

— A culpa é dele! — era mais fácil culpar o outro que entender seu próprio coração e culpar seu ego inchado e ferido por aquele excesso. — Aquele desgraçado quer ocupar o meu lugar!

E quanto mais ele se lembrava do que tinha feito, mais culpava e amaldiçoava Guerin, jurando a si mesmo que ele nunca mais se aproximaria de Nathaniel, nem que para isso fosse preciso transferir o garoto para outra escola, apesar da Ecolé Secundaire Sweet Amoris ser a melhor e mais conceituada escola da cidade, além de uma das melhores da região da Côte D'Azul.

No escritório, Nathaniel ainda chorava muito, encolhido no chão, assustado, magoado... Vê-lo daquele jeito feriu o coração de Nicole, mas ela se manteve forte, por ele.

— Está tudo bem, filho. — tentou acalmá-lo, querendo que olhasse para ela e a deixasse cuidar dele, mas a única coisa que conseguiu foi fazê-lo balbuciar algumas palavras dentro da sua concha.

— E-Eu fiquei s-sozinho...  P-Por quê?

— Você não está sozinho, filho. A mamãe está aqui. — puxou-o para o seu colo, obrigando-o a sair daquela concha.

Ao sentir o amparo do colo da mãe Nathaniel deixou a proteção dos próprios braços e abraçou-lhe a cintura, apertando-a, recostando a face sobre as pernas dela, que a acariciou, alisando-lhe juntamente os cabelos, até ele acalmar o bastante para levantar e a acompanhar até seu quarto. Clara e Gina, percebendo que ele estava mega envergonhado, evitaram olhar para ele enquanto passava pela sala de visitas, envolto pelos braços da mãe, de cabeça baixa, a passos curtos, sentindo mais que o corpo doer.

No quarto dos pais, Nath foi direcionado para o banheiro, sua mãe pediu que ele se despisse enquanto a hidro enchia, depois o deixou sozinho indo até a cozinha pegar sal grosso para despejar na água, para fazer uma salmoura, enrolando um pouco para voltar ao quarto, para ela mesma se acalmar, deixando algumas lágrimas saírem. Ao retornar ela encontrou o filho ainda vestido, sentado no chão ao lado da jakuzzi que estava com a água pela metade, com os joelhos flexionados e o rosto recostado na base da banheira. Ela despejou o sal na água, diluindo-o com a mão, ligou os turbilhões e pediu novamente que ele se despisse, mas o rapaz não se manifestou. Na verdade ele não a estava ouvindo, sua mente estava longe, torpe, seus olhos estavam pesados; só o que ele queria era dormir e esquecer.

— Filho! Não fica assim! Já acabou! — ela queria que ele reagisse àquela tristeza, como se dizer que tudo estava bem apagasse da mente dele o que havia acontecido.

Nathaniel não disse nada, tampouco se moveu, mesmo depois de sentir o toque molhado da mão da mãe em seu rosto, trocando um líquido salgado por outro; mas seu coração reagiu com uma pergunta que sua boca não pronunciou: "Por que a senhora não voltou para ficar comigo?" Ela não sabia o que o olhar dele para ela queria dizer, mas sabia que ele precisava reagir.

— A salmoura na hidromassagem vai te fazer bem, meu amor. E enquanto você relaxa um pouquinho a mamãe vai pegar uma troca de roupas pra você. — como se para ele fosse possível relaxar.

Assim que ela saiu do banheiro, ele colocou a mão na água, sobre um dos turbilhões daquela jakuzzi quadrada, tentando criar coragem para se despir e deixar aquela água quente, salina e agitada tocar sua pele. Ele não queria mais sentir dor.

Ao voltar do quarto do filho com um pijama, querendo ter certeza que ele estava imerso na água, ela abriu um pouco a porta e espiou, vendo-o de costas, nu, entrando na banheira. Aquele castelinho em que ela vivia, habitado por uma família que ela fingia para si mesma ser perfeitinha como na sua casinha de bonecas, desmoronou. A pele do seu garotinho estava coberta de marcas roxas, tão e mais largas que o cinto que a marcou. Marcas doloridas, pois ela pôde ver no rosto do seu primogênito que o toque quente daquela salmoura fez muitas daquelas marcas arderem, assim como o toque do jato d'água quente dos turbilhões incomodavam ao ponto dele se encolher no meio da banheira, fugindo da massagem da hidro.

Aquela mulher perdeu o chão. Sua mente ficou confusa, seu coração em frangalhos e seus olhos verteram em lágrimas. Suas mãos cobriam sua boca, querendo abafar o seu pranto, pois enquanto sentia cada tijolo do seu castelinho cair sobre sua cabeça não queria que o filho a ouvisse chorar. Ela quis desaparecer dali, mas não teve forças para ir longe, parando do lado de fora do quarto, apoiando as costas na porta, martirizando-se. E cada tijolo que a acertava ela ficava um centímetro mais perto do chão, escorregando até se sentar sobre o assoalho.

— A senhora está bem? — perguntou Clara, que preocupada foi até o quarto dela levar um chá de cidreira para Nathaniel. — O senhorzinho Nathaniel está bem? — perguntou, preocupando-se ainda mais com a reação de sua patroa, que ao vê-la lembrou que esta havia ido pedir que intercedesse pelo filho, mas ela, por uma ideia equivocada de respeito ao marido se negou, percebendo ali que sua insegurança a levou a omissão e sua omissão permitiu que o esposo perdesse o controle da situação e machucasse Nathaniel. A culpa a fez se levantar e entrar em seu quarto. Ela não conseguiu encarar a empregada.

Engolindo o choro e admitindo para si mesma seu erro e sua culpa, secou as lágrimas e saiu do quarto, reencontrando Clara, pedindo a ela que fosse à farmácia e comprasse gel para hematomas e bolsas para gelo. Clara estranhou sua postura, pois embora visivelmente abatida, a Sra. Chevalier se mostrou indiferente a preocupação da empregada, na verdade seu olhar parecia querer lhe dizer algo como "Isso não é da conta dos empregados. É um assunto de família."

Passado uns 20 minutos, mais ou menos, Nathaniel saiu da hidro, mas não do banheiro, por vergonha da mãe. Mais calmo ele se postou na frente do espelho de corpo inteiro que ficava ao lado da porta, passou a mão para limpar o embaçado e se olhou. Ele nunca teve o corpo marcado daquela forma, e mesmo as duas ou três marcas que vez ou outra marcavam sua pele era por esta ser sensível e clara e não por machucá-la. Os vergões no seu braço mostravam o quanto ele tentou evitar aquela surra e os vergões nas suas pernas mostravam que ele não foi forte o suficiente para segurar o cinto, enquanto os vergões nas suas costas e nádegas mostravam o quanto se debateu para tentar se soltar, mas não foi ágil o suficiente para conseguir escapar da mão do pai, cuja marca que deixou em seu braço era a mais dolorida, pois o lembrava de quem tinha feito aquilo com ele.

— Nathaniel!

— P-Por favor, mãe. N-Não entre! — pediu, fechando a porta antes de a mãe conseguir mais que 10 cm de abertura, impedindo-a de entrar.

— Filho. Eu sou sua mãe! Não precisa ter vergonha de eu vê-lo nu. — ela sabia que ele não queria que ela visse suas marcas, mas não ia fazer nenhuma referência àquilo, para não deixá-lo mais triste. — Eu quero cuidar de você!

"Eu quero cuidar de você!" Aquela frase minou a força do rapaz, permitindo que Nicole empurrasse a porta e entrasse. Ele queria aqueles cuidados, ele precisava daqueles cuidados.

Ao ver o filho nu, encostado no espelho, de cabeça baixa, tendo sua intimidade escondida por sua mão, enquanto a outra escondia a marca da mão do pai em seu braço, sentiu o coração disparar, tirando forças de onde não tinha para conseguir olhar para aquelas marcas roxas que cobriam a pele clara dele sem se mostrar horrorizada, pois isto o deixaria mais fragilizado. Ela pegou a toalha, se aproximou dele e o secou com cuidado. Ele estava rubro de vergonha, desconfortável por estar nu e por estar marcado, mas para ela ele ainda era um garotinho, o seu bebê, mesmo ele já tendo quase 1.70 metros de altura e pelos pubianos.

Depois de enrolar uma toalha seca na cintura eles saíram do banheiro e ela o fez deitar em sua cama. Delicadamente ela cobriu cada uma das marcas dele com um gel canforado e gelado que esquentou conforme ela o massageou. O toque foi dolorido, mas Nathaniel não reclamou nenhum instante, assim como também não olhou para a mãe, pois além de estar envergonhado por ela tocar sua pele nua, não queria mais chorar na frente dela, cujo olhar triste ele notou assim que ela entrou no banheiro, apesar dela ter tentado disfarçá-lo o tempo topo. Por ter ficado imerso na água quente, sua mãe deixou as compressas com gelo para o dia seguinte.

Depois de vestir o pijama Nath foi para seu quarto e lá ficou. Ninguém lanchou naquela tarde, e à noite, apenas Nicole sentou-se a mesa do jantar.

Gina levou o jantar para Ambre, que perguntou se o pai ainda estava zangado, mas esta nada tinha a dizer sobre aquilo, pois o patrão havia se recolhido na garagem desde aquela tarde.

— Ele deve estar naquele carro velho. — disse a garota, pois sabia que o pai costumava relaxar dentro de um antigo carro esportivo que ele adorava.

Preocupada, Nicole preparou dois pratos e levou para o quarto do filho, querendo jantar com ele, mas ao encontrá-lo dormindo, encolhidinho sob a coberta, o deixou sozinho. Ela queria acreditar que ele estava encolhidinho e todo coberto por causa do frio do outono que se fazia presente, mas sabia que o motivo era outro. Perdendo a fome ela também se recolheu.

— MÃÃÃÃEEE! MAMÃÃÃEEE!... — gritou o rapaz no inicio da madrugada, acordando assustado de um pesadelo, onde seu pai o surrava, entregando-se ao choro ao se dar conta que era uma lembrança e não um sonho ruim.

Ao ouvir o filho gritar, por instinto, Jhonatan correu para acudi-lo, deixando a garagem, mas do pé da escada, ao ver a esposa correndo para o quarto do garoto, travou, lembrando que o motivo do pavor noturno do filho só podia ser ele.

De camisola a mãe invadiu o quarto do Nathaniel, com o coração na boca. Por um instante ela pensou que seu esposo havia enlouquecido e perdido o controle novamente, pois este não estava ao seu lado na cama, respirando aliviada ao ver o filho sozinho. Ela o abraçou dizendo que tudo estava bem, que já havia terminado e que ela estava ali com ele e que ficaria até que adormecesse novamente. Ela deitou ao seu lado, abraçando-o, até que, de costas para ela, ele dormiu; ela não o deixou sozinho, dormindo com ele naquela noite.

Na penumbra do escritório pernoitou o executor daquela sentença, sentado em sua poltrona de couro reclinável, estático, com os olhos fixos no lugar onde ele o filho estavam naquela tarde, mas sem o tapete, tentando apagar de sua mente aquela cena: o filho encolhido no chão e sua esposa de joelhos diante dele. Em sua mão direita, seu cinto, deixado sobre sua mesa por Gina, e que naquele momento parecia pesar algumas centenas de quilos, e na esquerda uma dose de whisky; no seu coração um vazio enorme e que ele não sabia como preencher, e por mais que tentasse seria impossível, pois era como um buraco negro que devorava e sumia com tudo que tentasse entrar nele. Em sua face congelada, nenhuma expressão foi esboçada, apenas suas pálpebras se moviam, empurrando as lágrimas para fora dos olhos. Em sua mente uma lembrança tomou o lugar da outra, uma bem mais antiga, mas muito parecida, quase idêntica, a única diferença era que aquele que segurava o cinto era seu próprio pai e aquele que recebia as marcas, era ele mesmo mais novo que Nath, com a mesma idade e até mais velho. Ele não sabia mais quem era, nem quem havia se tornado, se ele ou o pai dele.

Naquela noite ele não dormiu, com medo de adormecer Jhonatan Chevalier III e despertar pela manhã como Jhonatan Chevalier II.

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Notas finais do capítulo

Foi difícil compor o pai de Nathaniel. Eu não queria que ele fosse um pai carrasco, eu queria que houvesse um porque, pois na verdade, sempre existe um porque. Neste caso o pai de Nath é fruto da criação que teve, das experiências que viveu, dos exemplos que teve na vida. Ele ama o filho, muito, mas não sabe demonstrar isso, pois não há como ele dar algo que nunca recebeu. Como dizer que o ama se nunca ouviu que era amado pelo pai dele. Ele sofreu muito quando jovem, pois seu pai era, além de distante, severo e tinha uma mão pesada. Ele não conheceu o avô, que falecera poucos dias depois dele nascer, sem nem mesmo conhecê-lo, pois ele e seu pai não se falavam fazia anos. Jhonatan não teve outros exemplos a seguir, quem lhe mostrasse que as coisas podiam ser diferentes.
Por sorte, Nath tem a personalidade da mãe, apesar da insegurança não ser algo bom. Mas a influência do pai sobre ele é muito forte.
Nath vai ter que aprender a ser diferente e muito forte para conseguir quebrar o circulo, dando um outro rumo a sua descendência, para que os erros de seus ascendentes não sejam repetidos, nem por ele, nem pelos que vierem depois dele. Será que ele vai conseguir?

Em AD Nath tem problemas com os pais, ou seja, pai e mãe, mas aqui em ESB o problema é apenas com o pai. O problema com a mãe na verdade é sua omissão por conta de sua insegurança perante o marido.