Entre Segredos e Bonecas escrita por Lize Parili


Capítulo 147
O que é ser um homem, afinal?


Notas iniciais do capítulo

Demorou para eu concluir a correção, mas aqui esta mais um capítulo, onde Cast e o tio conversam de forma mais descontraída.
Será que o ruivo vai abrir o jogo e expôr seus sentimentos ao tio?



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# 02/04#

Após acalmar-se nos braços da namorada, Leigh foi tomar banho e assim tirar de seu rosto as marcas daquele estresse. Sentir a água quente do chuveiro bater em seus ombros por alguns minutos o fez relaxar um pouco e até pensar com mais clareza.

— Que droga, Leigh. Você não podia ter perdido a cabeça daquele jeito. Nada se resolve no grito, ainda mais com o Lysandre. — cobrou-se, colocando a cabeça embaixo d'água. "Mas por que ele agiu daquele jeito? Ele nunca me enfrentou antes." Questionou em seus pensamentos enquanto sentia a água bater diretamente em sua face confusa e preocupada. "E por que aquela agressividade com a Rosa? Será que ela realmente me contou tudo?" começando a desconfiar.

— Que seja! Vocês dois tem muito que me explicar! — falou, de frente para o espelho, enquanto secava o cabelo e pensava no irmão e na namorada. Para ele ambos estavam escondendo alguma coisa e eram igualmente culpados. Ele só não ia indagar Rosa antes do irmão chegar por achar que, estando sozinha, ela mentiria de novo. Ele os confrontaria e se Rosa estivesse mentindo, tendo visto a que ponto chegou àquela discussão, a relação deles corria um sério risco de chegar ao fim, porque ele não confiaria mais nela e sem confiança não tinha relação.

Passados alguns minutos das 22h00, Leigh começou a ficar apreensivo. Lysandre não ficava fora de casa até tarde sem ligar e avisar onde estava e que ia se atrasar. Pior, ele nunca saía de casa sem dizer onde ia. Essa era uma das poucas coisas que ele não esquecia de fazer. E mais agitado ele ficou ao ouvir o toque do celular do irmão soar dentro do quarto. Embora muito improvável, ele desejou que o caçula tivesse, por medo dele, entrado pela janela, mas o aparelho estava solitário naquele quarto escuro, encaixado no dock station. Ele o pegou e foi pra sala. Um traço de preocupação marcou seu rosto.

— O que foi, Leigh? Aconteceu alguma coisa? — Rosa também estava preocupada, mas dos dois brigarem novamente, pois acreditava que o cunhado estava com o amigo ruivo.

— O Lysandre não levou o celular. — contou, colocando o aparelho sobre a mesa de centro. — Eu já disse milhares de vezes para ele nunca sair de casa sem o celular e sempre o manter ligado e carregado. Agora, como vou encontrá-lo? — estressou-se.

Lysandre se perdia com facilidade, bastava ir a um lugar novo, desconhecido para ele. Seu senso de direção era ruim, pois não conseguia gravar nomes de ruas ou pontos de referência em sua mente, salvo se o lugar remetesse alguma lembrança especial. Quando isso acontecia ele ligava para o irmão ir buscá-lo; apenas quando este não podia ele ligava para um rádio táxi ou chamava o Uber e ia para casa, torcendo para o motorista não o enganar na corrida. Ele tinha medo de pegar o ônibus e se perder mais ainda, pois sempre acabava esquecendo as orientações do motorista.

— Calma, Leigh. Ele já deve estar voltando. — disse Rosa tentando acalmá-lo, sentada no sofá da sala, com os pés sobre ele e escondidos embaixo de uma almofada.

— Voltando de onde? E como? — questionou, parado diante da mesinha. — Vestido como estava, ele não dever ter um centavo no bolso pra pegar um ônibus! Eu espero que ele lembre que pode pegar um táxi mesmo sem dinheiro, e que eu pago a corrida quando ele chegar aqui. — mencionou, esperando que o irmão fizesse aquilo, como ele sempre pediu que fizesse caso se perdesse ou ficasse sem dinheiro para voltar para casa e não pudesse falar com ele. — E para piorar, está ventando lá fora. Ele vai ficar doente de novo!

— Você está se preocupando a toa, vida. É bem capaz do Lysandre estar no Castiel.

— Você deve ter razão, Rosa. Eu vou ligar para ele.

Infelizmente o celular do ruivo estava desligado e Leigh não tinha o número do tio dele.

— Quer saber, eu vou buscá-lo. Isso não é hora dele estar na casa de ninguém e sem me avisar. — falou, nervoso, já caminhando para a cozinha.

— Calma, Leigh. Não vá buscá-lo nervoso desse jeito ou vocês vão se estranhar, de novo. Acalme-se primeiro. — Rosa não queria que eles brigassem.

— Você tem razão. — concordou, parando diante da porta da cozinha, com as chaves na mão. — E pensando nisso, acho melhor eu te levar para casa. Você sabe, nós sempre resolvemos nossos problemas sozinhos, e ele odeia se expor. Ver-te aqui vai fazê-lo se calar e se isolar naquele quarto. Eu não quero isso. Não quero essa distância entre nós dois e nem que ele se recuse a falar comigo, seja o que for.

— Eu entendo, Leigh, e também acho melhor. Amanhã, quando já estiver tudo bem entre vocês, você me liga?

— Ligo sim, Rosa. Agora vamos.

Os dois saíram e Leigh dirigiu devagar, aproveitando para passar pelos lugares que o irmão gostava de ficar, principalmente quando estava chateado com alguma coisa, como a Place Wilson perto de onde moravam.

Sabendo que era mais provável que Lysandre tivesse buscado a solidão que o amigo, pois não gostava que ninguém, a não ser ele, o visse chorar, Leigh, na volta, parou numa das ruas paralelas ao jardim Arménie Garden perto da praia e o procurou, sem êxito. Dali, a pé, ele foi ao jardim Albert I, ao lado, lugar onde o platinado esteve hora e meia antes, e de lá subiu vagarosamente pela La Promenade du Paillon até chagar na altura de onde moravam, olhando para todos os lados, com olhos preocupados, sentindo um aperto no peito a cada metro que deixava para trás e não o avistava.

Sem pensar em mais nada a não ser encontrar o irmão ele pegou um táxi, apesar de ser apenas 15 minutos de caminhada, e voltou para o Arménie Garden, para pegar o carro. Sua esperança era que o caçula estivesse com Castiel.

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— Boa noite, Castiel. Desculpe-me por incomodá-lo a essa hora da noite, mas você poderia dizer ao Lysandre que eu vim buscá-lo.

— O Lysandre não está aqui, Leigh! — respondeu Cast pelo interfone, estranhando, pois além do fato que o amigo nunca mentiria ao irmão dizendo ir para um lugar e depois ir para outro, Leigh parecia preocupado.

— N-Não está!? — afligiu-se, parado diante do portão do condomínio que Cast morava, olhando novamente em seu relógio de bolso que já marcava 23h52. — E-Então ele já foi pra casa!? — disse, tentando não se mostrar preocupado demais, mas sua fala, mais inquisitória que afirmativa, não ajudou muito.

— Desculpe, Leigh. Mas desde o colégio que não falo com o Lysandre. Eu até o vi no jardim Albert por volta das 20h00, mas não falei com ele. — preocupando-se, com medo de ter acontecido alguma coisa com o amigo depois que o deixou no jardim. — Aconteceu alguma coisa? — perguntou. — Espere, eu vou até ai. — indo até o portão, deixando para ouvir a resposta pessoalmente.

Kage percebeu que o sobrinho ficou tenso ao falar no interfone e foi atrás dele.

— O que tá rolando, Leigh? Por que você está procurando o Lysandre? — perguntou assim que o encontrou no portão, sem nem dizer olá ou boa noite, pois a cara do estilista não era das melhores.

Leigh não queria expor seu problema com o irmão, mas Castiel era o melhor amigo do caçula e talvez o único a saber onde ele estava, visto que podia estar mentindo a pedido do Lys.

— Lysandre e eu tivemos uma discussão, um tanto que... agressiva no fim da tarde. Ele ficou muito nervoso e saiu pra se acalmar, mas até agora não voltou para casa. — contou. — P-Por favor, Castiel. Se ele estiver com você e ainda não quiser voltar para casa, eu entendo e não vou fazer caso. Só me diga a verdade. — pediu, desejando ouvir da boca do ruivo que Lys passaria aquela noite ali e voltaria para casa quando estivesse mais calmo, sentindo o coração doer ao saber que estava enganado.

— Você realmente não sabe onde o Lysandre está, Castiel? — questionou Kage, vendo a preocupação nos olhos de Leigh. — Se souber, diga! Não é hora para manter voto de confiança. — ordenou.

— Eu não sei, tio Kage. Eu não sou flipper. Eu estou vendo que o Leigh está preocupado.

— Tudo bem, Castiel. E acredito em você. Mas diga, por acaso ele te ligou e disse alguma coisa que possa indicar onde ele está?

— Não, Leigh. E se ligou eu não vi porque desliguei o celular. — disse. — Aiiii, caralho. Me bateu por que, tio? — reclamando do tapa na nuca, embora não tenha sido forte.

— É por isso que eu não consegui falar contigo mais cedo. Celular foi feito para manter ligado, moleque, ainda mais quando estamos na rua. — repreendeu-lhe. — E olha só, seu amigo pode ter te ligado, com problemas, e você com está porra desligado!

— E c-como eu ia saber!? — ele não tinha culpa, mas ficou com um pequeno peso na consciência.

— Não se preocupe, Castiel. Você não tem culpa e nem a obrigação de estar atento ao Lysandre. Isso é obrigação minha. F-Fui eu que cometi o erro. — Leigh estava uma pilha de nervos.

— Você já foi no apartamento da Emília? — lembrou da amiga. — O Lysandre e ela são bem próximos. Talvez ele a tenha procurado para desabafar e como ela se machucou na escola hoje, tenha ficado por lá e perdeu a noção da hora.

— Emília. Como eu não lembrei da garota que ele gosta. — falou Leigh com certa esperança. Kage olhou para o sobrinho de imediato, pensando se aquele podia ser o problema do garoto, ele gostar da mesma garota que o melhor amigo e dela, provavelmente, gostar do platinado. — Você deve estar certo, Castiel. Eu vou até lá. Mas por favor, se ele ligar ou aparecer, diga que estou preocupado e peça que vá pra casa. — pediu. — Não. Melhor. Pergunte onde ele está ou o segure aqui, depois me avise. — mudando de ideia, pois era melhor ele mesmo ir buscar o garoto onde ele estivesse, para evitar que ele sumisse de novo.

— Ok, Leigh. E por favor, ligue para avisar que está tudo bem. Vou ficar esperando.

— Pode deixar, Castiel. E novamente, desculpe-me por incomodá-lo tão tarde. — disse, mais aliviado, acreditando que ia encontrar o irmão na casa da jovem Emília. — Boa noite. — entrando no carro, indo embora.

Castiel voltou para casa, preocupado, indo direto para o quarto, pegando o celular, vendo que estava com a bateria fraca.

— Tio Kage.

— Fala, Cassy.

— Você poderia trocar o seu chip pelo meu só até o...

— Claro, garoto. Não precisa justificar. — concordou, sem nem o deixar concluir o pedido. — Está ali, sobre o rack.  — apontou, indo até o lavado, na cozinha.

Cast colocou seu chip no aparelho do tio e voltou para o quarto.

— Cassy. — o chamou, entrando no quarto, aproximando-se dele, que estava sentado na cama, com as costas apoiadas no travesseiro, encostado na cabeceira, e os pés sobre a colcha de chenile dobrada.

— Sim, tio.

— Dê-me seu celular. Vou aproveitar para colocá-lo para carregar.

— Pode pegar. Esta na escrivaninha.

— Isso na sua mão é um enfeite de cabelo? — perguntou após pegar o aparelho, sentando-se no pé da cama. — Por acaso é da sua amiga, Sol?

— Meu é que não é né, tio.

"Uma resposta grosseira para fugir da conversa." Pensou Kage.

— Isso te incomoda, Cassy?

— Como assim?

— Saber que seu amigo gosta da Emília?

— Antes sim, mas hoje, não. — respondeu, olhando para a presilha, depois de titubear um pouco. — Mas ele vai se magoar.

— E por que você acha isso?

— Porque ela gosta de outro.

— E você, gosta dela?

— Ah. Para, tio. — respondeu num sorriso bobo, típico de quem não está muito confortável em se expor.

— Qual o problema em dizer, Cassy?

— Porque não há nada para dizer. Nós nem somos mais amigos. Então para de especular! — pediu, batendo o pé, de lado, nas costas do tio.

— Eu não estou especulando, Cassy. E para de me chutar! — enquanto o garoto o tivesse chamando apenas de tio e sem se exaltar ele iria insistir naquela conversa. — E como assim, não são mais amigos? Você não ficou com ela no hospital?

— Eu só fiz um favor porque ela estava sozinha.

— Entendi. — não se convencendo. — Por acaso vocês romperam a amizade por conta desse garoto que ela gosta?

— Até parece! Ela mentiu pra mim! — contou. — Desmarcou um compromisso que tinha comigo com uma mentira, só pra se encontrar com aquele noob! — irritando-se, o que levou Kage a pensar que era ciúme.

— Então foi por causa do outro garoto! — afirmou.

— Eu já disse que não, tio. Que saco! — irritou-se. — Foi pela mentira!

— Ela já tinha te sacaneado antes?

— Não. Foi a primeira e última vez.

— Saquei. Como você está mordido de ciúme, rompeu a amizade com ela e agora não quer admitir que foi por isso.

— Eu, com ciúme daquela nunuche[1]? Se toca, tio. Se tem uma coisa que eu estou, é vacinado contra garotas dissimuladas. — debochou com um sorriso de lábios fechados, típico de quem não tem certeza do que diz ou que não está dizendo o que realmente sente.

— Você está sendo leviano ao chamar a garota de dissimulada só porque ela mentiu para você por causa de um garoto. — repreendeu-lhe, sem parecer uma repreensão, pois não queria que o garoto se irritasse e findasse com aquela conversa.  — Talvez ela nem tenha feito de caso pensado.

— Quem me garante isso?

— Que mal pergunte, qual a idade dela, Cassy?

— 14, eu acho?

— Porra, Cassy! 14? — surpreendeu-se. — Você queria o quê!? Ela mal saiu da pré adolescência? Se duvidar ainda brinca de bonecas! — zoou, rindo.

— Para falar a verdade, tem uma boneca esfarrapada no quarto dela. Eu não duvido que ainda brinque com ela. — riu ao imaginar a cena. Pensar na idade de Emília, de certa forma, fez ele perceber que estava querendo demais da garota, achando a ele mesmo um tolo.

— E o que você estava fazendo no quarto de uma garota de 14 anos, Cassy? — questionou, mais para perturbar, pois não acreditava que o sobrinho era tão burro ao ponto de avançar o sinal com uma garota tão nova. — Olha o vacilo, moleque! 14 anos é B.O. Além da sua personalidade não combinar nada com menininhas dessa idade, até porque você já tem quase 17 anos.

— Ih... Flippou agora, tio Kage! — ralhou, mas sem se irritar, flexionando os joelhos e apoiando os braços sobre eles. — Eu posso ser meio flip, às vezes, mas bête[2] eu não sou! Parece até que não me conhece! — mencionou, caindo no riso pelo pensamento malicioso que passou na sua mente e que Kage soube bem qual era.

— E se conheço! E as meninas do terminale também, diga-se de passagem. — comentou, rindo junto com o sobrinho, que desde que ficou solteiro só se envolveu com as garotas do último ano do Lycée, sem compromisso algum. E ele não era do tipo que só ficava nos beijinhos inocentes. Ele não ficou com muitas, até porque ele não era galinha; mas das que ficaram com ele, poucas foram as garotas que, depois dele amassar no sofá da sala, não conheceram sua cama, até porque, ele não forçava ninguém e respeitava o limite que lhe impunham. — Não sei como você ainda não avançou o sinal com aquela sua amiga ruiva.

Castiel era um garoto cobiçado, mesmo entre as garotas do último ano, não apenas porque ele era bonito e desaforado, ou por ainda ser lembrado pelas vitórias no time de luta greco-romana, tampouco por tocar guitarra. As garotas, que eram na verdade 1 ano ou 2 mais velhas que ele, visto que era repetente, adoravam o fato dele morar sozinho.

— A Íris não é como as garotas eu trouxe pra cá, tio. Ela é minha amiga e eu não tenho esse tipo de pensamento com ela. Nosso lance é mais curtição de amigo mesmo.

— Sei, curtição de amigo... Amigos que se amassam no sofá da sala de vez em quando. — Kage era vivido demais para acreditar que aqueles amassos não resultavam em alguns arrepios a mais.

— É, tio Kage, curtição de amigos. A gente só fica quando um ou outro está meio sad[3] e carente ao mesmo tempo. O que a gente curte, na verdade, é a companhia. — falou, meio sério.

— E ai mora o perigo, porque rola confiança entre vocês dois. E para ultrapassar a linha basta um passo, você sabe bem disso. — Kage conhecia e gostava da Íris. Ele não queria que o sobrinho a magoasse por ter sido fraco.

— Não se preocupe, tio. Eu nunca faria nada que pudesse magoar a Íris. Eu seria muito con[4] se me valesse da química que rola entre a gente de vez em quando pra transar com ela. Ela tem que fazer isso com um cara que goste dela de verdade.

— Como você gosta da Emília. — jogou verde, esperando obter uma resposta de impulso, visto que o garoto estava mais descontraído e até rindo.

— Esquece isso, tio. Eu não gosto dela dessa forma.

— Se você não está afim dela, por que ainda está zangado? Eu entendo você ter se chateado porque sei o quanto você leva a sério a lealdade entre amigos. Mas daí à romper a amizade por um motivo tão idiota e ainda ficar remoendo isso!?... Não tem lógica; a não ser que você sinta alguma coisa por ela.

Castiel não falou nada, só olhou para a presilha em sua mão e suspirou, pensando no que o tio lhe dissera, pois este estava certo. Ele estava sendo intransigente com a amiga só por que foi pelo Natahniel que ela pisou na bola com ele e nada além disso.

— Então, Cassy. Você gosta da garota?

— Não, tio. Mas bem que eu queria gostar. — respondeu, amuado.

— Como assim? Não entendi!

— Eu gosto de outra pessoa. — contou, baixando o olhar, evitando encarar o tio, — Mas ela é proibida pra mim. — prendendo a presilha na boca do bermudão surrado, — E por favor, não me pergunte o porquê. — puxando alguns fios soltos que estavam incomodando, pois não mandou fazer bainha quando cortou sua calça preferida e que Dragon rasgou ao puxar do varal. Seus olhos avermelharam e Kage sentiu que ali morava o problema, mas não ia ser ele a tocar o dedo na ferida e fazer o garoto chorar de novo.

— Ok, Cassy. Você não precisa me contar nada se não quiser. Eu posso não saber o que está acontecendo, mas sei o que é querer alguém que não se pode ter.

Castiel ficou quieto por uns segundos, levantou da cama e foi até a janela para travá-la, pois um golpe de vento a abriu, dando passagem ao ar gelado daquela noite.

— Por que tem que ser assim, tio? Por que quando eu conheço uma garota legal, ela não é pra mim? — perguntou, querendo entender o que ele via como uma situação injusta, sentando de costas para o tio, deitando atravessado na cama, de modo a sua cabeça ficar ao lado das pernas do Kage, olhando para o teto. — Seria mais fácil se eu tivesse apaixonado pela tonta da Emília, mesmo ela gostando daquele idiota.

— E desde quando gostar da sua amiga, ela gostando de outro seria mais fácil, Cassy? Você não poderia tê-la do mesmo jeito. — comentou Kage, olhando para o sobrinho que insistia em fitar o teto, buscando um ponto fixo para conseguir se manter calmo.

— Mas ainda assim eu teria uma chance. — disse, com pesar, mordendo o lábio, deixando uma lágrima escapar de canto de olho, correndo até sua orelha, onde se perdeu, virando o rosto para fugir do olhar do tio, erguendo o corpo e sentando na cama, de costas para ele, que apesar de estar curioso em saber quem era a tal garota, pois "proibida" lhe soava como garota comprometida e ele não queria ver o sobrinho se metendo em confusão por se envolver com a namorada alheia, deu por encerrada aquela conversa. Ele sabia quando o sobrinho queria ficar sozinho e este lhe dar as costas foi como dizer, "boa noite, tio Kage."

— Já está tarde e você precisa descansar. — disse, levantando da cama, — Se o irmão do Lysandre ligar eu te aviso.— indo para a porta. — Boa noite, Cassy! — porém, antes de sair, Castiel o chamou. Ele ainda tinha uma dúvida.

— Você ainda não respondeu minha pergunta?

— Que pergunta?

— Você realmente acha que eu sou um garoto, um moleque como você sempre me chama? Acha mesmo que eu sou irresponsável e imaturo? — nunca ele desejou tanto ouvir que era um homem maduro e responsável como naquele dia.

Kage sorriu e respondeu.

— Eu não te chamo de moleque por te ver como um garotinho, Cassy. Eu te chamo assim porque eu gosto de te chamar assim. — respondeu e Castiel sabia disso, mas, por motivos que só seu coração entendia, ele queria se sentir um homem.

— Para mim você é um homem desde que tinha 14 anos, quando passou a cuidar de si mesmo e desta casa, sozinho, antes mesmo de se emancipar, entendendo que seus pais não podiam mais pagar pelos serviços de uma babysitter e de uma empregada. — respondeu, parado na porta. — Eu te vi aprender a cuidar da casa, a cozinhar e a manter tudo em ordem. Vi você aprendendo a cuidar das suas finanças e a economizar; assim como o vi suportar o falatório dos seus tios sem desrespeitá-los ou bater de frente. Cada vez que você se metia num problema, comum a vida adulta, como exceder nas contas ou esquecer de pagá-las, ou até mesmo quando alguma coisa na casa dava problema, como encanamento entupido ou aquecedor queimado, eu te vi buscar soluções até conseguir resolver o problema. Você se estressava, chorava e reclamava, dizendo que era muito difícil viver sozinho, ser adulto, mas nunca foi atrás da família para resolver seus problemas, não desistiu e não fraquejou. Mesmo quando você me procurava era para estar contigo e não para que eu resolvesse as coisas por você.

Para Castiel bastava Kage ter dito não, você não é moleque, tampouco irresponsável e imaturo. Mas ele estava gostando de ouvir aquilo do tio. Ele precisava daquele estímulo.

— Eu vi você amadurecer, Cassy, nestes últimos 3 anos, e vi você assumir responsabilidades que não deveriam ser suas. — continuou, indo até ele. — Se isso não é ser um homem, então não sei o que é. — colocando a mão sobre seu ombro, olhando-o nos olhos. — E quanto aos erros que você comete, bom, isso não te faz menos homem que aqueles com mais idade que você, como eu ou seu pai, pois homem não é quem não comete erros, mas aquele que entende que errou e usa o erro para evoluir de forma positiva, de forma a não cometer mais aquela burrada. E pare de se cobrar tanto. Viva sua idade e aproveite-a, pois essa fase onde os erros parecem não pesar tanto vai acabar quando você completar 18 anos, e dai por diante, até sua morte, você será oficialmente um adulto, mesmo que passe a desejar voltar a ser adolescente de novo. — aconselhou, dando um tapa de leve em sua face, fazendo-o sorrir de novo.

— Valeu, tio Kage. — agradeceu.

— Que tal irmos dormir. Essa conversa toda me deixou cansado.

Castiel concordou e se direcionou para sua cama, mas Kage o puxou, lembrando-o que eles haviam trocado de "cama". Cast lembrou que o tio ainda tinha medo de dormir no quarto de hospedes por conta da lembrança da dona tata.

— Boa noite, Cassy! E pode deixar que eu apago as luzes da casa depois de ver o Dragon. Vá descansar.

— Ok, tio Kage. Boa noite!

Kage riu e foi ver o cachorro, que já dormia no seu cantinho. Ele colocou água fresca e o cobriu com sua mantinha de bebê, pois entrava um ventinho gelado pela fresta debaixo da porta.

— Preciso lembrar de comprar um rodinho. — cobrou-se, arrepiando-se só de pensar numa aranhazinha qualquer entrando na casa por aquela fresta, enrolando o tapetinho e tampando-a. Depois de verificar se portas e janelas estavam trancadas, pegou sua pasta de partituras sobre o rack da sala, apagou as luzes e foi se deitar. Cast já estava dormindo, tendo 'apagado' poucos minutos depois de deitar. Ele realmente estava muito cansado, mentalmente principalmente.

Ao colocar o celular do sobrinho para carregar Kage não resistiu e bisbilhotou, dando de cara com a foto dele com Maitê assim que clicou na pastinha, pois Cast não havia fechado a imagem quando saiu da galeria.

— Puta merda! O moleque evoluiu. Saiu das formandas do Lycée pra pegar as universitárias! — surpreso, ele não gostou muito daquilo, pois uma mulher mais velha podia ser um B.O. muito pior que garotinhas de 14 anos. — Ou será que é professora? — questionou, analisando a foto, bisbilhotando as outras que tiraram na pizzaria, eliminando a hipótese dela ser alguma jovem professora recém formada por ver que estavam no Rockabilly e se fosse uma professora eles não iam se expor daquela maneira. — Será que é irmã de algum dos amigos ou amigas dele? — perguntou-se, pois, para ele, ela não tinha idade para ser mãe de adolescentes, achando que ela não passava dos 25 ou 26 anos. — Só espero que não ela seja comprometida e que ele esteja assim só por conta da diferença de idade. — comentou, de certa forma preocupado, pois não tinha ideia do que estava rolando e nem quem era a mulher.

Deixando para pensar naquilo outro dia, ele desligou o aparelho para carregar, pois ligado ele não carregaria e o colocou sobre a escrivaninha, perto do seu aparelho, que estava com o chip do sobrinho, depois pegou sua pasta de partituras e deitou, tentando não se preocupar do garoto sofrer demais e/ou se meter em problemas.

— Só tu mesmo, Cassy. Agora eu entendo essa melindrice toda de ser ou não um homem. — pensou alto, rindo um pouco, pois apesar de ser um problema, era engraçado. — É muita ousadia querer uma mulher uns 10 anos mais velha que você, ainda mais bonita daquele jeito. — rindo mais ainda, enquanto relaxava na cama e estudava algumas opções de música para uma apresentação que faria em algumas semanas, na inauguração de um rock bar.

Se ele soubesse as dores de cabeça que aquela história ainda ia gerar, não riria da situação do sobrinho – ou riria?

 

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Notas finais do capítulo

[1] Nunuche: Tonta, no sentido de sem graça (gíria francesa)
[2] Bête: gíria para 'burro'.
[3] Sad: triste, pra baixo.
[4] Con (ou Connard); Cretino, canalha - para homens. Mulheres são chamadas de Conne ou Connasse