Entre Segredos e Bonecas escrita por Lize Parili


Capítulo 120
Eu não sou assim.


Notas iniciais do capítulo

Sol é uma garota cheia de dúvidas e curiosidades sobre tudo, principalmente sobre sua família.
Mas será que ela esta preparada para ouvir? E até que ponto?

O flash é curtinho.



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# 01/04 #

— Sua mãe não foi sempre assim como você a conhece, Emília. Ela já teve a sua idade e as suas dúvidas. A diferença é que ela tinha outras prioridades. Você quer ser amada e ela queria ser popular...

 

FLASH BACK

Novembro, Feriado de Toussaint, há 16 anos

— O que você está fazendo, Petitêtu[1]? — perguntou Maitê ao ver a irmã de 15 anos parada diante do espelho do seu quarto, usando seu sutiã. — Isso é papel higiênico? — surpresa, tentando controlar o riso.

— Eu só quero saber como é ter seios grandes, como os seus, Aînée[2]. — respondeu, vestindo o tubinho preto da irmã depois de ajeitar o sutiã cheio de lenços de papel, cujo gosto para roupas era bem diferente do dela. Sara gostava de roupas mais curtas e ousadas.

— Eu não sei se rio disso ou se mando você guardar as minhas roupas. — encostou-se no batente da porta.

— Engraçadinha. Se é pra me zoar sai daqui.

— Como é que é? Sai daqui? Esse quarto é meu, mocinha, assim como as roupas amontoadas sobre a cama. Então não vem com as suas malcriações.

— Você podia aproveitar esse discurso do "quarto é meu" pra fazer o seu ex namoradinho ser mais hospitaleiro com as visitas. Eu to cansada de dormir naquele sofá velho e duro. E vocês tinham que trocar essa cama de casal por duas de solteiro se não estão mais namorando.

— Dinheiro não dá em árvores, bonitinha. Nós temos um aluguel pra pagar e como sabe, funcionários de dépanneur[3] não nadam em dinheiro.

Patrick era calouro na Universidade e por umas semanas morou num quarto de república, mas quando a sogra expulsou Maitê de casa ele não pensou duas vezes para levá-la para morar com ele. Como não podia levá-la para o dormitório alugou um pequeno apartamento para os dois, mobiliando com móveis usados e só o extremamente necessário.

— É nisso que dá se envolver com pobre. — Sara olhou para irmã com cara de quem não ligava para aquilo e foi para perto da cama. Ela queria experimentar outra roupa. — Você devia aproveitar que ele te trocou por um universitário de barba mal feita e arrumar um namorado novo que possa, pelo menos, te dar uma cama... ou uma namorada, tanto faz. Tu anda com uns gostos estranhos de uns tempos pra cá... AHH! — assustou-se, esquivando-se ao ver o chinelo da irmã voando na direção dela.

— Mais uma insinuaçãozinha maldosa sobre mim ou o Patrick e eu te dou uns tapas, sua malcriada. E deixa de ser mal-agradecida. Eu cedi meu lado da cama e você não quis, então não reclama!

— Deus me livre dormir ao lado daquele connard! 

— Ehhh.. Você tá atacada hoje, em... Pode parar! — Maitê sabia que a implicância da irmã com o Patrick era por mágoa, e por isso não levava suas birras e provocações a ferro e fogo. Para Sara, o rapaz, além de convencido a irmã a morar com ele antes mesmo de completar 17 anos, tirava proveito dos sentimentos dela por ele, como o típico canalha.  — Tem horas que eu tenho saudade de quando você só pensava e não dizia nada. E pare de se referir ao Patrick como cretino. É desrespeitoso! — passando-lhe um sermão, calçando o chinelo. Sara pulou pro outro lado da cama assim que ela se aproximou, por precaução.  

— Tá. Desculpe por ofender o seu "ex namoradinho", quer dizer, seu "melhor amigo". Esqueci que apesar dele ter te trocado por outro, vocês ainda são amigos e "hiper ligados".

— É impressão minha ou você está sendo sarcástica comigo?

— E por que eu seria sarcástica contigo, Aînée? Só falei a verdade. Você é que deve estar sensível demais com esse assunto. — disse a caçula, dando uma de desentendida.

Sara não era preconceituosa e não se importava do ex cunhado também gostar de garotos, mas não engolia que o namoro dele com a Maitê havia terminado de verdade. Tudo indicava que ainda rolava alguma coisa entre os dois. Ela via no comportamento deles algo que ia além de amizade; o ciúme do Patrick, as brincadeiras, a intimidade excessiva... Sem contar que ela também tinha dúvidas sobre a sexualidade da irmã. Embora ainda não soubesse de todo o contexto que acercava Maitê desde nova, ela observava, com olhos inquisidores, cada atitude da mais velha com o ex e com as garotas que lhe jogavam charme. E o Patrick sempre tinha uma atenção especial e diferenciada. E isso a fazia ter mais birra do ex cunhado, pois o via como um atraso na vida da irmã, que ao invés de se abrir para novos amores, ficava trocando beijinhos com algumas meninas, sem compromisso nenhum, como uma curiosa, se prendendo, provavelmente, a uma esperança dele reatar o namoro com ela.

— Ou então...

— Ou então, nada, Sara! Já chega desse papo! Você anda muito sarcástica pro meu lado e do Patrick e isso já está passando do limite! — ralhou novamente, perdendo a paciência com a mania da irmã achar que o amigo não prestava e que a amizade deles era frívola. — E quer saber de uma coisa. Tira o meu vestido e arruma as minhas roupas no guarda-roupa, do jeitinho que estavam, dobradinhas e nos cabides. — mandou, indo para a minúscula cozinha do apartamento para preparar o almoço. — E faça isso agora! Se o Patrick chegar e encontrar a cama deste jeito você vai ouvir pouca e boas.

— Ai, credo. Engole esse vestido! Ele nem é do jeito que eu gosto mesmo. — tirou o vestido e o sutiã, jogando-os sobre a pilha de roupas e saindo do quarto com os peitos de fora, — Egoísta! — resmungando baixinho, indo para o banheiro.

— Eiii. Onde você pensa que vai, mocinha, e com os peitos de fora? Você não está na sua casa! E pode voltar aqui e arrumar as minhas roupas! —impediu-a de fechar a porta do banheiro.

— Eu vou fazer xixi! Posso?

— Não me teste, Sara. Nosso feriado pode ser maravilhoso como pode ser infernal. A escolha é sua! — proferiu a mais velha voltando para a cozinha. — E já aviso logo. Se for para se infernal eu te mando de volta pra casa! — ameaçou.

BLAM! — Sara saiu do banheiro e bateu a porta.

BLAM! — Sara entrou no quarto.

— QUAL O SEU PROBLEMA HOJE, SARA! POSSO SABER? — questionou, perdendo totalmente a paciência, entrando no quarto, abrandando ao encontrá-la com a cara enfiada no travesseiro, jogada sobre a cama do casal. — O que foi, Sara? Se tiver alguma coisa te incomodando fala. Não é me provocando que vai conseguir minha atenção, e você sabe disso. — querendo evitar mais birras.

— Nada! Me deixa em paz! — resmungou. Embora ela e a irmã tivessem uma ótima relação e Maitê fosse sua melhor amiga, Sara ainda relutava para falar sobre o que lhe incomodava, apesar de não poupar alfinetadas e patadas.

— Fala, Sara. Por que você está assim? Até anteontem quando chegou aqui você estava tão bem, toda animada. E hoje tá esse bicho, reclamona, com a língua afiada. O que você tem afinal de contas? — insistiu, mas a garota a ignorou.

Maitê saiu do quarto e a deixou sozinha por uns minutos, depois voltou e lhe perguntou se podia ler seu diário. Ela sabia que se quisesse saber o que estava acontecendo, aquela ainda era a única forma.

— Você sabe que sim, então não sei por que pergunta! — nem se dignou a olhar para a irmã.

 

***

 

— Eu já te expliquei, Sara. O Patrick brigou com o namorado e por isso cancelaram a viagem que fariam neste feriado. Esse apartamento é dele. Não posso simplesmente mandá-lo sumir só porque você está aqui. — repetiu para a irmã o que já havia explicado quando a recebeu na rodoviária. — Então para de birra e ciumeira. Essa é a casa dele e ele tem todo o direito de ficar aqui! — enfatizou.

— Mas este feriado de Toussaint era para ser só nosso! Você prometeu e ele concordou! — cobrou-a, jogada no sofá. — Você já não passou o verão comigo por causa da sua briga com a mãe, mas passou com ele, e agora isso. Se você não quer mais passar o seu tempo comigo é só falar! Eu volto pra casa e não venho mais aqui! Por sua culpa o meu verão já foi uma merda mesmo! Qual o problema de você estragar o Toussaint!?

— Nossa... Você sabe ser cruel e injusta quando quer. Seu egoísmo me surpreende! — magoada, Maitê levantou e voltou para o fogão. — Vá arrumar aquelas roupas antes que o Patrick chegue e brigue com você! — Ela não queria mais conversa.

Maitê não havia passado o verão longe da irmã por preferir a companhia do, na época, namorado, a dela. Por questões alheias a sua vontade a mãe rompeu laços com ela, expulsando-a de casa, deixando-a a própria sorte, e Patrick a acolheu, apesar dele mesmo não ter um teto a oferecer, tendo que pagar a estadia dela numa pensãozinha vagabunda por quase uma semana, até conseguir alugar o pequeno apartamento em que viviam desde então. E apesar de terem rompido o namoro dois meses depois, ele não a desamparou, mantendo-a perto dele, sempre zeloso e protetor. Para evitar que a irmã conflitasse com a mãe, Maitê não contou que sua saída de casa tinha sido imposta, deixando-a acreditar que foi escolha dela, que queria viver com o namorado e ser independente.  Mas apesar de não ter conhecimento da decisão da mãe, Sara tinha consciência de que a irmã tentava se aproximar da mãe e que esta, que não conseguia entender a filha, aceitar suas escolhas e perdoar seus erros, a mantinha afastada, inclusive dela, que nada tinha a ver com o problema das duas.

Desde que se viu sozinha com duas filhas pequenas, a matriarca daquela família apoiou-se e apegou-se à religião, mas como muitos, passou a seguir, com sua fé cega e equivocada, as palavras de um homem que se dizia falar por Deus e que ela tinha como esposo - 2º casamento -, tornando-se uma mulher cujo dedo inquiria e julgava com facilidade. Sara era o xodó, a caçulinha cujos mimos não diminuíram com seu crescimento. A mãe era cega quando se tratava dela, diferente de Maitê, a mais velha, aquela que tinha a responsabilidade de ser o exemplo, a obrigação de mostrar para todos que era uma menina de família e de respeito; e tudo por sua aparência[4]— bonequinha desejável desde sempre - e seu jeito delicado e alegre de ser.

— Aînée... — manhou, indo atrás da irmã na cozinha. — Desculpa... Eu não quis dizer aquilo... — querendo remediar.

Sara demorava para falar sobre o que lhe incomodava para a irmã, única pessoa que ela conseguia se abrir, mas quando acontecia, não era do tipo que refletia antes de verbalizar o que tinha na mente e no coração. Maitê já estava acostumada com a personalidade da irmã e não costumava dar muita importância as patadas dela, mas às vezes a caçula conseguia magoá-la. E esta sabia quando havia extrapolando.

— Mas disse! Já basta a mãe ficar apontando o dedo na minha cara e me tratando como se eu fosse uma prostituta barata e uma péssima influência pra você, que ao invés de me dar apoio, como eu sempre fiz com você, fica me cutucando com suas insinuaçõesinhas maliciosas e sarcásticas, atacando a única pessoa que nunca fecha os braços pra mim! — mais que uma bronca, ela fez um desabafo e depois mandou, novamente, a caçula ir arrumar as roupas.

Sara sentiu os olhos lagrimejarem. Ela abaixou a cabeça e foi para o quarto.

Maitê respirou fundo e continuou cortando seus legumes. Seu coração estava apertado, sentindo que havia sido dura demais com a irmã, e ao mesmo tempo cansada de ser a única a levar o dedo na cara, quando não da mãe, da irmã. Mas a culpa era dela, que preferia guardar silêncio quando devia gritar. Não! Ela não ia se culpar! Ela tinha o direito de guardar para si o que não queria dividir com ninguém! Ela tinha o direito de não querer lembrar, de não querer desenterrar o que foi tão difícil matar e jogar numa cova funda!

O almoço permaneceu cru, sobre a pia. Maitê passou às duas horas seguintes perdida pela cidade, caminhando ou sentada num banco qualquer, observando as pessoas passarem, silenciando sua mente e seu coração enquanto seus olhos vertiam os gritos que ela se recusava a fazer ecoar. Sua terapeuta[5] dizia que ela devia libertar seus demônios, mesmo que aos berros, mas nem sempre era possível. Tudo o que ela queria naquele momento era sentir o cheiro do mar e construir seu castelinho de seixos.

Em casa, depois de tomar banho, para descarregar, ela foi ao quarto, encontrando a irmã como imaginou, chorando ao invés de arrumando as roupas. Ela sentou ao seu lado, na cama e esta deitou a cabeça em seu colo, desculpando-se novamente, dizendo que sentia falta dela e a queria de volta em casa.

— Está tudo bem, Sara. Nós duas estamos um pouco sensíveis a essa nova realidade. Mas você precisa entender e aceitar que eu não vou voltar pra casa. Minha vida ia virar um inferno. Não quero mais morar num lugar onde não sou respeitada.

— Eu entendo... M-Mas não é a mesma coisa sem você. — fungou, secando as lágrimas com a barra da blusa da irmã, pois ainda estava com os peitos ao ar livre. 

— Eu também sinto sua falta, Petitêtu. Mas você pode vir me ver sempre que quiser. Sabe disso. E se quiser ficar comigo nas noites que a mãe estiver de plantão no hospital, pode vir.

— Mas e o Patrick? Ele não vai gostar de me ver enfiada aqui o tempo todo.

— O Cachinho sabe que você é meu contrapeso e que não tem como ficar comigo sem carregar você a tiracolo. Mas já aviso. Ele terá liberdade para te repreender. Essa é a casa dele e você terá que seguir as regras dele. Ou seja, sofá e nada de andar pela casa pelada.

— Hmm... Quer dizer que eu sou seu contrapeso e que pra ficar contigo tem que aturar?  — não tinha como deixar passar. — Se você está dizendo que eu posso vir quando quiser e que ele vai aceitar por saber disso quer dizer que vocês ainda estão juntos...

— Ahh. Pode parar, mocinha! — deu-lhe um tapa na cabeça. — Foi só jeito de falar e você entendeu muito bem. Não começa a especular porque não tem nada para ser especulado.

Sara riu e enxugou o restinho de lágrima que ainda lhe dava a sensação de rosto úmido, mas não levantou. Ela gostava do colo da irmã e seus cafunés, que aproveitou o momento para matar uma curiosidade.

— Petitêtu. Me diz uma coisa. Você está de olho em algum garoto da escola? 

— Não. Por que?

— Você mencionou várias vezes os mesmos garotos no seu diário. Lembro até os nomes. Lafaite, Felipe e Serge. Algum deles é especial?

— N-Não. São só colegas. — respondeu meio sem graça, corando-se.

— Ahã... Acredito...

— Nenhum deles é especial, Aînée. — corou-se mais.

— Mas no seu diário você se refere a eles de uma forma...

— De forma nenhuma!... E-Eu só os acho bonitos, só isso. — interrompeu-a, querendo falar sobre aquilo e ao mesmo tempo não.

— Eu li o seu diário, Petitêtu, cada linha, cada palavra, então não me enrola. — lembrou-a, parando de acariciar seus cabelos, olhando-a. — Você está de flerte com estes garotos? Você está interessada num deles? — perguntou, preocupada que fosse nos três.

— E-Eu não estou de flerte com ninguém, Aînée.

— Então é assim. Pra mim e pro Cachinho língua afiada e maliciosa, pra você e seus crushs, gueule[6] de pimenta e corpo fora. E depois diz que confia e conta tudo pra mim.

— Não é nada disso, Aînée... Na verdade eles nem olham para mim com esse tipo de interesse. — falou, mostrando-se chateada com aquilo.

— Se o fato deles não te verem "desta" forma te incomoda, é sinal que você está sim interessada em alguém. Qual deles é, Sara? Fala pra mim.

— Eu já disse que não é nada disso, Aînée! — resmungou, levantando da cama, indo para a pilha de roupas. — Que saco!

— Então o que é? Me ajude a entender. Por que isso te incomoda se você não gosta de nenhum deles?

— E quem disse que isso me incomoda?

— O seu diário!

— Você não entenderia. Você nunca passou por isso. Você sempre foi linda e seu corpo sempre foi perfeito. — disse a caçula, lembrando que a irmã, desde os 13 anos, já tinha o corpo formado e de fazer inveja a qualquer garota da sua idade e até mais velhas. — O Patrick sempre fala que você destruía corações.

Maitê titubeou por um instante. Sua irmã não sabia o fardo que aquele tipo de olhar para ela, desde novinha, a obrigou a carregar.

— Não fala besteira, Sara. — suspirou — Nessa idade eu vivia outros dilemas e não destruía o coração de ninguém.  

— Eu sei, Aînée.

"Não, não sabe"

— Mas nada disso muda o fato de que você sempre foi linda e desejável, até entre as meninas.  Então como você me entenderia? — disse, com os olhos vidrados num dos vestidos da irmã, imaginando-se dentro dele e com as mesmas curvas que a mais velha. — Você não se importava com isso porque sua popularidade era algo natural. Mesmo hoje. Eu vejo a forma que alguns rapazes te olham, e até umas garotas. Mas você nem liga. Nunca ligou. Se você fosse invisível como eu, me entenderia.

Maitê deu um suspiro longo, jogou mais terra naquela lembrança, sorriu, levantou e foi ajudá-la a guardar as roupas.

— Ser popular entre os garotos não quer dizer nada, Sara. Sentimentos e caráter não se medem por popularidade.

— Você diz isso porque sempre foi popular, mesmo não dando importância! Eu estou cansada de ser o patinho feio. — resmungou.

— E desde quando você é um patinho feio? — questionou a mais velha. — Olha pra você garota! — pegando aquela jovem de estima baixa pelo braço e a colocando de frente ao espelho. — Você é linda! Tem ideia de quantas garotas se matam com dietas malucas só para ter o seu corpinho?

— Menos do que as que morreriam para ter o seu!

— Para de me comparar a você, Petitêtu. Cada garota é diferente uma da outra. Com 12 eu já menstruava e você só soube o que era isso com 14. E enquanto você fica olhando para o meu corpo, não consegue notar as mudanças que já ocorreram no seu de um ano pra cá e o quanto você é bonita.

— Você fala isso porque é minha irmã e metida a psicóloga. — encarou-se no espelho. — Eu só vejo a mesma menina magrela. Quando você tinha 13, seus seios já eram maiores do que os meus hoje. E eu tenho 15!

— Escuta, Sara. Não tenha pressa para despertar a atenção dos garotos e nem priorize isso na sua vida. Não somos um produto para consumo alheio. Queira um corpo bonito se isso te deixa feliz, mas por você e não para agradar os garotos. Se alguém só nota sua presença e só te dá importância por conta do seu corpo, esse alguém não vale nem mesmo o esforço de escovarmos os dentes de manhã. — aconselhou-a enquanto ajeitava o cabelo dela para trás. — E não inveje o meu corpo ou o de outras garotas, e nem deprecie o seu. Cada pessoa é diferente uma da outra e a beleza está no nosso olhar e nas nossas ações. Se eu não me enxergar bonita, não me farei bonita. Agora pensa. Como posso querer que os outros enxerguem a minha beleza se eu mesma a nego e a escondo?

— Eu queria ter a sua autoestima, Aînée.

 — Então tenha, Petitêtu! Nem eu e nem ninguém podemos tê-la por você. E dê tempo ao tempo. Quando você menos esperar os garotos que hoje não te notam vão até quebrar o pescoço pra te ver passar.

Aquelas palavras fizeram a caçula sorrir e voltar a se imaginar com seios maiores, pegando novamente o sutiã da irmã, vestindo-o por cima da camiseta, enchendo-o com os lenços de papel do Patrick.

— Pode até ser, mas eu nunca vou ficar com o seu corpo, isso eu sei. — comentou, mirando-se no espelho. — Você tem cinturinha de vespa, quadris e peitos de mulher latina, igual a vovó. — comparando-a avó paterna, venezuelana. — Mas eu...

— Você é linda, Petitêtu! — interrompeu-a antes de se desvalorizar. — É magrinha como as modelos, tem seios lindos e que combinam com seu corpo, e ainda é mais alta que eu. — parando ao lado dela na ponta dos pés para ficar na mesma altura que a caçula.

— Qualquer uma é mais alta que você, Aînée. — debochou dos 1,64 m da irmã em relação ao seu 1,69 m de altura. Ambas riram.

— É sério, Sara. Não tenha pressa em nada na sua vida e nem queira ser objeto de desejo de ninguém apenas por sua beleza, seja por vaidade, capricho ou mesmo carência. Curta cada coisa no seu tempo e queira ser desejada pelo que você tem aqui dentro. — cutucou-lhe a cabeça, — e aqui. — e o peito, aconselhando-a, preocupada que aquela pressa a levasse a acelerar as coisas em sua vida afetiva e assim, fazer uma burrada atrás da outra. — E prometa que sempre que tiver alguma dúvida, seja ela qual for, vai procurar a mim e não as suas amigas. — ou pior, a colocasse em situações perigosas. — E se algo acontecer vai me contar, por pior que seja.

— Nossa, que drama, Aînée. Parece até que eu já quero ficar no crac crac[7], como você e o Patrick. Eu sei bem que vo...

— Eu tô falando sério, Sara! — impôs-se, segurando a irmã pelos ombros, virando-a para si. — Prometa! Não importa o que aconteça, você vai me contar, sempre!

Sara estranhou aquela preocupação excessiva, mas prometeu, até porque, ela confiava na irmã e dividia seus segredos com ela. Não tinha o porquê esconder dela suas dúvidas e até sua futura vida sexual. Mas ela estava curiosa sobre a postura da irmã. Por que ela ficou nervosa com aquele assunto? O que a incomodou? Mas antes que ela pudesse perguntar, a conversa foi interrompida.

— Eu nem vou perguntar o que houve aqui! — proferiu o outro morador daquele pequeno apartamento ao chegar em casa e se deparar com uma tremenda bagunça sobre sua cama, depois de ter dado duro à manhã inteira e parte da tarde na loja, cansado e louco para tomar banho e relaxar sobre ela. Como ele não foi viajar resolveu cancelar as folgas, conseguidas graças a muitas horas extras, e trabalhar, assim não passaria o dia aguentando a chatinha da ex cunhada.

— Quero minha cama arrumada até eu sair do banho, ou eu juro que mato uma. — referiu, sem bradar, dando meia volta e indo direto para o banheiro. Ele não queria se estressar a toa. — E já que vocês estão brincando de se vestir, pega o meu roupão e traz pra mim, Tetê!

— Vai logo, Tetê. Pega o roupão. Não vai deixar "o seu namoradinho fajuto" esperando. — Sara adorava perturbar a irmã. — Aproveita e o ajuda a lavar o zizi[8]... — Se não agachasse rápido ia levar uma chinelada na testa.

Sara tinha birra e reclamava do amigo da irmã porque era ciumenta e possessiva, mas gostava, um pouquinho, do cabelinho de anjo, pois via que ele cuidava bem da sua irmãzona.

FIM DO FLASH BACK

 

— Antes de terminar o collège sua mãe já tinha se envolvido com aqueles três garotos e não se apaixonou por nenhum deles. — contou Maitê. Sol nunca imaginou que sua mãe também morria de ciúmes da Maitê ou que pudesse ter tido a mesma neura que ela em relação ao seu corpo .

— Eu nunca imaginei a mamãe assim, tia. Eu sempre imaginei que ela fosse bonita, com um corpão. Eu nunca pensei que ela podia ser magra como eu. — comentou, olhando para baixo, para o próprio busto.

— Se ela não tivesse dado fim nas fotos dela dessa época você saberia.

— Quem diria, a mamãe é um poço de vaidade. — ela ainda estava focada em seu próprio busto.

— E bota vaidosa nisso. Ela entrou pra equipe de atletismo só pela atividade física, pois a vó não a deixou fazer aeróbica. Mas depois ela conseguiu convencê-la. Sua mãe tinha uma lábia e a vó sempre fazia o que ela queria. Ela conseguiu o corpo e a atenção que queria.

— Mas... até agora a senhora não me falou o que ela fez de errado que a senhora acha que eu vou fazer igual. — cobrou o que queria saber.

Maitê olhou para ela e terminou sua lembrança. Ela já tinha chegado até ali, o melhor era concluir aquela história.

— Como sua mãe não gostava daquela escola, assim que se formou, a vó a transferiu para outra. Ela já estava com quase 16 anos e seu corpo não era mais de uma garotinha. Ela mal chegou na escola nova e se tornou uma majorette. Os garotos ficaram caidinhos por ela, e ela adorava ser popular. E por incrível que pareça, sua mãe tinha um charme especial, ela sabia como provocar e atrair os garotos, que mais pareciam fantoches nas mãos dela. No final do 1º semestre ela já tinha se envolvido com vários. Eu cheguei a pedir para ela parar de me apresentar seus namorados, pois a cada quinzena ela trocava. Feliz daquele que durasse uma semana a mais que isso.

Sol ficou boquiaberta. Se ela nunca imaginou a mãe sendo magra e com baixa estima, volúvel – para não dizer pegadora – menos ainda.

— Por sorte ela conheceu o Pablo e posso até dizer que se apaixonou. Ele era bonito, universitário e fazia todas as suas vontades. E por incrível que pareça, ele foi o 1º da sua mãe. Ela era volúvel, namoradeira, mas soube esperar o cara certo.

— Pablo? O cara certo? — questionou-se Sol, pensando alto.

— Sim, Solzinha. Seu pai não foi o 1º da sua mãe. Ela já estava com o seu padrasto quando conheceu seu pai. E ele amava tanto a sua mãe, que ela pintou e bordou com ele.

— Como assim, tia?

— Ai, sua mãe vai azucrinar meus ouvidos quando descobrir que eu te contei isso. — comentou, encostando-se no apoio do sofá, relaxando, pois toda aquela conversa a estava deixado tensa. — Sua mãe gostava do Pablo, muito, mas ela queria mais do que ele podia lhe oferecer. Ela queria sair, curtir, aproveitar sua adolescência ao máximo e ele tinha a faculdade. Por mais que ele quisesse e até gostasse de sair pra se divertir, não era sempre que ele podia largar os livros. Ele já estava no 3º ano de gastronomia. Como ele a amava e a respeitava nunca implicou dela sair sozinha ou com as amigas, e até bancava suas saídas. O problema era que sua mãe adorava chamar a atenção e com isso acabava atraindo a atenção de outros rapazes. Ela não o traía, mas não economizava no charme. Ela gostava de se sentir popular, desejada.

A cada palavra da tia, Sol se surpreendia mais, pois a mãe nunca conversou com ela nem mesmo sobre um simples beijo na boca, tendo-a mantido naquele mundinho infantil até quando foi para Londres. Era estranho a imaginar namorando um garoto diferente a cada quinzena, tampouco fazendo charme só por vaidade, apesar de ter um namorado.

— Não demorou muito para as brigas começarem entre os dois, e a cada vez que brigavam, rompiam; ele enfiava a cara nos livros e ela saia com as amigas para afogar as mágoas. Ela conhecia alguém, flertava, trocava uns beijos, se arrependia, me ligava chorando pedindo para eu ir buscá-la onde quer que ela e as amigas estivessem, geralmente bêbada, e me fazia levá-la até o casarão do campi, onde o Pablo morava com os amigos – ele estudava na mesma Universidade que o Patrick –. Eles faziam as pazes e eu ia pra casa dormir. Mas por mais que sua mãe aprontasse essas com o Pablo, ela nunca passou dos beijinhos, e na verdade fazia isso porque queria castigá-lo por preferir os livros a sair com ela. Sua mãe era imatura e infantil demais, além de irresponsável. Na verdade ela teve muita sorte em encontrar o Pablo na vida dela, porque ele a amava tanto que perdoou até quando ela se envolveu com o seu pai.

— Ok, tia. Eu já entendi. A senhora tem medo que eu seja namoradeira como a minha mãe foi e fique passando de mão em mão. Mas não se preocupe, eu não sou assim! – proferiu Sol, triste pela tia a ver daquela forma, e querendo principalmente encerrar aquela conversa, pois a história da sua mãe com seu pai ela já conhecia e não queria ouvir de novo. Ela se levantou do sofá querendo ir para o quarto, mas a tia não a deixou sair.

— Não é nada disso, Emília. Para de deduzir as coisas! — disse, puxando-a novamente para o sofá, obrigando-a a sentar. Maitê olhou para a sua cara amarrada e seus olhos marejados e se deu conta que por mais dúvidas e curiosidades que a sobrinha tivesse sobre seus pais, provavelmente ela ainda não estava pronta para conhecer toda aquela história.

— Não precisa ficar com essa cara, Emília. Desamarra isso! Eu não te acho fútil, se é isso que está pensando! — Sol cruzou os braços e manteve a cara fechada, pois assim ela chorava menos que se desarmasse.

"Isso não foi uma boa ideia." pensou Maitê enquanto olhava para ela. "Eu quis abrir caminho de novo e olha só no que deu. Ôh terreninho difícil de preparar, esse."

— Eu tenho medo sim, Emília, que você cometa os mesmos erros que sua mãe, mas não neste sentido. — falou acariciando seu cabelo, querendo acalmá-la.

— Em que sentido é, então? — perguntou a jovem, grosseiramente. — O que a minha mãe fez de tão grave que a senhora não quer que eu faça igual?

Se saber que a mãe era daquele jeito já a havia deixado naquele estado, insistir naquele assunto, forçando-a a ouvir sobre ela e seu pai na certa seria um desastre, então disse apenas o que achou necessário para aquele momento.

— Sua mãe se apaixonou por um homem que ela não podia ter, um homem que pertencia a outra mulher, um homem que ela fez de tudo para tomar para si e no final de tudo, ela sofreu... e você está sofrendo por conta disso.

Ouvir aquilo foi como levar uma apunhalada no peito e sentir a lâmina entrando devagar. Para Sol Nathaniel pertencia a namorada dele, sua amiga Melody, assim como seu pai pertencia a esposa dele, a mãe da garotinha que o fez se esquecer dela. Ela entendeu o medo da tia. Ela tomou aquele medo para si. Ela não queria ser como sua mãe. Ela não queria ser a outra na vida de um garoto que não sabia o que queria. Ela não queria sofrer ao descobrir que foi apenas uma aventura, um momento e que o coração dele sempre pertenceu a outra. Ela não queria ser deixada para trás, sozinha com suas lembranças, com sua frustração de ter sido abandonada. Ela não queria ter que dizer a filha, um dia, que o pai não a amava. No colo da tia, novamente ela chorou até o sono a abraçar. Naquela noite Maitê dormiu sentada e desconfortável no sofá, servindo de travesseiro a sobrinha.

 

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Notas finais do capítulo

[1] Petitêtu: Uma mistura de Petite (pequena) com Têtu (teimosa).

[2] Aînée: Mais velha. Abreviação de "Soeur Aînée" (Irmã mais velha). "Grande soeur" também significa irmã mais velha. Irmão mais velho é "Frère aîne" ou "Grande frère", podendo usar apenas aînè (mais velho). Irmã mais nova / caçula: Petite soeur ou Soeur cadette. Mais novo(a): Cadet.

[3] O 1º emprego da Maitê foi numa dépanneur (loja de conveniência). Patrick já trabalhava na loja e quando ela foi obrigada a sair de casa ele convenceu seu gerente a contratá-la. Ela entrou para cobrir a licença maternidade de uma funcionária do caixa, mas como trabalhou bem foi efetivada. 2 anos depois ela pediu demissão após Patrick ser demitido por agredir um cliente na porta da loja, por desrespeitá-la.

[4] Desde criança a Maitê chama a atenção dos olhares maliciosos. Ela já tinha o corpinho curvilíneo e que indicava que ela seria uma mulher de belas formas. Como o corpo dela já chamava atenção e sempre tinha alguém fazendo referência a isso, a mãe a vestia com trajes infantis, bem menininha, como aqueles vestidinhos rodados, sapatinho de fivela, jardineira, entre outros. Calça de malha só com vestidinho trapézio por cima. Como ela era uma criança alegre e que sorria pra todo mundo, a mãe a educou para ser uma lady, o que foi fácil, pois ela tinha uma natureza delicada e tranquila. Sara usou o mesmo tipo de roupa, mas já foi criada mais livre. Maitê acabou criando uma identidade com o estilo retrô, enquanto a irmã antenou-se com a moda da época. Lisbeth, apesar de ser uma mãe rigorosa e conservadora, era ponderada e sabia dosar. Ela enrijeceu com os anos, por conta da religião.

[5] Sara não sabe que a irmã faz terapia e que esta é paga com a ajuda do Patrick, sendo este um dos motivos deles não priorizarem os móveis.

[6] Gueule - gíria: Cara, Fuça. "Que cara mais deslavada"

[7] Crac Crac - diminutivo de "Faire crac crac". Fazer sexo. Algo como "tchaca tchaca na muchaca, oba oba".

[8] Zizi (pica-pau): Apelido infantil para pênis.

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Sara e Maitê tem 1.8 meses de diferença.
Atualmente elas têm 33, 31, 14 anos.

PS. Maitê não mencionou nada sobre sua sexualidade a sobrinha, tampouco certos detalhes da relação dela com o Patrick na época do flash. Este foi só na mente dela. Para Sol ela disse apenas o que tinha que dizer, que Sara era ciumenta, birrenta, mal criada, irônica, geniosa... (Isso me lembra um ruivo... será que é por isso que a Sol e ele vivem as rusgas???)



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