Entre Segredos e Bonecas escrita por Lize Parili


Capítulo 110
Uma lembrança que deveria ser esquecida, ou não? - Cast.


Notas iniciais do capítulo

Dizem que o 1º amor nunca se esquece, pois é através dele que se conhece as alegrias do amor, assim como suas dores.
Dizem que na adolescência tudo é mais intenso, alegrias e dores, pois tudo é novo.
Dizem que a 1ª transa é a que mais marca, pois marca uma ruptura na nossa vida, uma ruptura de tempo, quando deixamos de ser apenas meninos e meninas e nos tornamos homens e mulheres.
Dizem que a 1ª decepção amorosa é a que mais dói, pois por ser a 1ª não temos parâmetros para saber que ela nem é tão dolorida assim e que não vai durar para sempre, tampouco que a vida ainda vai nos proporcionar muitos outros amores e decepções e que com o passar dos anos vamos ficando mais experientes e aprendemos a lidar com isso.



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CONTINUAÇÃO DO FLASH BACK

A semana foi desgastante na escola, mas Nathaniel aguentou. Sua esperança era que no final de semana os alunos ocupassem suas mentes com outras coisas e esquecessem aquele episódio. E foi isso o que ele fez, no final de semana ocupou sua mente com coisas mais prazerosas, como ler aquele romance policial que havia comprado há semanas e nem mesmo havia lido o prólogo, e até treinar um pouco; socar e chutar um saco de couro cheio de serragem era ótimo para expulsar seus demônios. Naquele final de semana ele conseguiu, enfim, dormir mais tranquilo. Mas como nada é perfeito, ao contrário do que ele imaginou, pisar na escola na 2ª feira não foi tão tranquilo.

Por que aqueles adolescentes desocupados não esqueciam aquilo? Debrah não deixava o assunto morrer. Sempre que alguém lhe perguntava sobre o ocorrido ela chorava, sentida, triste, afinal, ela dizia que tinha Nathaniel como um tipo de cunhado, visto que ele e Cast eram muito amigos. E por conta disso, ao invés do assunto esfriar, ganhou mais força.  Pouquíssimos alunos não haviam sido envenenados por ela. Nathaniel viu seu nome rolando de boca em boca, ora chamado de traîte, ora de abusado, safado, dissimulado, santinho do pau oco, certinho todo errado. Até mesmo Suzana, sua colega de turma e garota que ele estava ficando há duas semanas, virou a cara para ele, mandando-o arrumar outro par para o baile de formatura, envenenada pela roqueirinha.  

Se Nathaniel fosse uma garota, na certa teria voltado para casa, enfiado a cara no travesseiro e chorado o dia inteiro, pois não teve um lugar da escola que ele não se deparou com alguém o olhando de lado, lhe torcendo o nariz ou virando a cara. Ninguém sentou do seu lado no refeitório no horário de almoço, nem fez par com ele na aula de Economia Doméstica, tampouco foi gentil na aula de Educação Física, sendo ele o último a ser escolhido para jogar o queimado e o primeiro a ser eliminado no jogo, recebendo uma bolada que marcou seu rosto. A jogada em si não o eliminou do jogo, pois cabeça é zona fria, mas a bolada irritou seu olho ao ponto dele ter que ir para a enfermaria.

Risinhos, cochichos,  piadinhas, bolinhas de papel na sua cabeça, indiferença, respostas grosseiras, a palavra traîte escrita no seu caderno, presa na porta do seu armário e passadas por baixo da porta do grêmio fez o dia do loiro ser estressante, ao ponto dele pedir ao professor de Geografia que o liberasse no penúltimo horário para fazer seu trabalho no grêmio, mentindo, pois na verdade ele se enfiou no porão, querendo desaparecer da vista daquele bando de idiotas antes de perder o controle e acabar se metendo em confusão.

Poucos minutos depois de iniciar o último horário, Castiel foi ao porão, ascendendo um cigarro enquanto descia a escada. Sua cara não era das melhores e seus olhos estavam vermelhos.

Nathaniel deduziu que Debrah já havia dispensado o ruivo, mas não se compadeceu. Por culpa daqueles dois ele estava sendo alvo de pequenas agressões disfarçadas de brincadeirinhas de mau gosto. Se dependesse dele, Castiel não ia saber que Debrah o queimou com seu agente para se arriscar numa carreira solo.

Castiel encarou Nathaniel por um instante, como se quisesse lhe dizer para sumir dali, pois ele queria ficar sozinho, mas não o fez, pois na verdade aquele lugar era o esconderijo do loiro, cuja chave ganhou de um antigo funcionário que gostava muito dele e trabalhou naquela escola mesmo depois de aposentado, até o último inverno, quando foi morar com a filha em outra cidade devido a idade avançada e saúde frágil. Mas ele também não ia sair dali, pois desde que Nathaniel compartilhou aquele porão com ele, que o via como seu refúgio. Os dois dividiram o espaço, cada um num canto, de costas um para o outro, cada um com seu martírio, com sua cruz, ambos tristes e irritados por culpa de uma garota chamada Debrah. O loiro por ter sido vítima de uma mentira, o ruivo por ter sido deixado por ela, cujos olhos não demonstraram em nenhum segundo enquanto terminava o namoro que estava sofrendo com o rompimento, por mais que dissesse o contrário.

Assim que Castiel ascendeu o 2º cigarro, na bituca do 1º, Nathaniel levantou e saiu, deixando-o sozinho. Não pelo cheiro da nicotina, tampouco porque já estava bem. Ele conhecia Castiel e nunca o havia visto fumar daquela forma, rápido e compulsivamente. Ele sabia que aquilo indicava que o ruivo estava no seu limite, tomado pelo estresse, buscando naquele vício que ele havia adquirido graças à namorada, que lhe deu o 1º cigarro, um controle emocional. Ele sabia que Castiel precisava da solidão.

Assim que o ruivo ouviu a porta do porão bater e se viu sozinho, não conseguiu mais levar o cigarro a boca, segurando-o entre os dedos até senti-lo queimar sua pele, soltando-o e pisando em cima como se quisesse descontar nele sua raiva. Ele nunca imaginou que o amor pudesse doer tanto. Eles tinham o mesmo sonho, queriam as mesmas coisas e estavam apaixonados. Eles haviam jurado ficar juntos para sempre, terminar o collège, se dedicar a tal banda de Rock Teen que foram convidados a integrar, viajar e conhecer cada canto da França, quem sabe Europa e um dia, do mundo. Ele nunca imaginou que pudesse sofrer tanto com aquele fim de namoro, que veio logo em seguida sua dispensa do projeto.

Nathaniel espiou o ex-amigo por um instante. Foi a primeira vez que o viu chorar. Ele se perguntou se lhe contava a verdade ou não, mas o toque da bola de papel em sua nuca enquanto ia para o grêmio e os diversos post-its com a palavra traîte espalhados por sua sala o lembraram que sua amizade não teve valor nenhum diante daquela garota, então manteve seu silêncio.

Castiel tentava controlar o choro, mas não conseguia. Aquele fim de namoro não representava apenas o término de uma relação, mas o fim de um sonho, a borracha no esboço que traçou do seu futuro. Debrah foi sua primeira namorada, sua primeira paixão, sua primeira transa. Ele deu a ela seu coração, suas expectativas. Ouvi-la dizer que romper era melhor que manter aquela relação foi o mesmo que a ouvir dizer que seu amor por ele não era tão forte ao ponto de sobreviver à distância. Ele sabia que seria difícil manter uma relação apenas com e-mails, telefonemas, SMS e encontros esporádicos, mas ela nem mesmo quis tentar.

Ele se sentiu tão idiota por acreditar que se por ventura um dia eles fossem obrigados a se separar ela sofreria tanto quanto ele. Seus olhos nem mesmo lagrimejaram enquanto sua boca dizia, sem titubear ou gaguejar, que iria embora antes da formatura e que era melhor que eles evitassem manter contato para evitar sofrimento.  Mas que sofrimento? O dele? Porque o dela não era.

Pela primeira vez desde que a viu com Nathaniel ele se perguntou se ela era tão inocente quanto se dizia ser. Ele não acreditava na inocência do loiro, mas passou a duvidar na da Debrah. Ele deu graças a Deus por seus pais desaprovarem seu desejo de tatuar o nome dela em seu braço, obrigando-o a economizar cada centavo para poder fazer a dedicatória, pois eles diminuíram consideravelmente sua mesada para evitar que ele tivesse dinheiro para fazê-la, e agradeceu mais ainda por não ter conseguido juntar o dinheiro até aquele momento, do contrário ele estaria arranhando seu braço, rasgando a pele com as curtas unhas na ânsia de fazê-la sumir. Mesmo aquela tatuagem juvenil feita com caneta já estava ardendo de tanto que ele esfregou a barra da sua camiseta molhada com saliva no desejo de apagá-la.

A sirene do final do período soou. Eram 16h30 e os alunos começaram a deixar a escola. Como todos os dias, às 17h00 não havia mais nenhum aluno na unidade escolar, salvo Nathaniel que só saía depois de organizar as coisas no grêmio, sendo 17h00 seu horário oficial de saída da escola. Ele não estranhou ao ver Castiel saindo no mesmo horário que ele, notando que seus olhos estavam vermelhos e inchados. A diferença é que o ruivo só quis evitar ser visto pelos outros alunos.

Eles não se falaram, apenas caminharam até a porta de saída, lado a lado, indiferentes um ao outro, como se nunca tivessem sido amigos, ambos com o orgulho ferido, um acreditando ter sido traído por seu melhor amigo e sua namorada, ambos ex em sua vida, e o outro com a certeza que o (ex)amigo ainda duvidava dele.

Em casa Castiel sentiu ainda mais aquele rompimento. Debrah era sua única companhia humana naquele sobrado, que naquele dia lhe pareceu ser maior do que realmente era. Eles passavam muito tempo juntos, fosse ensaiando, assistindo filmes de terror trash, os preferidos dela e que ele detestava, bagunçando a cozinha, visto que ela não era nenhum pouco organizada, tentando brincar com o pequeno Dragon que sempre se escondia debaixo da cama do dono quando aquela garota aparecia, ou então em meio aos lençóis, sobre a king size dos pais dele, perdendo juntos a inocência e descobrindo as sensações do próprio corpo e do outro. E foi sentado naquela cama que ele se deu conta que o erro foi dele em projetar a sua felicidade naquela garota insensível e egoísta.

Olhando para a foto dos pais ele cruzou os braços, cerrando os punhos e crispando as sobrancelhas, como sempre fazia quando sentia falta dos braços da mulher que o chamava de filho, aprendendo ali o que ele classificou como mais uma lição importante para o seu manual de como sobreviver sozinho. Se seus pais preferiam a ponte aérea a ele, por que Debrah seria diferente? Amor, belo sentimento. Uma grande mentira, uma grande ilusão. Seus pais diziam que o amavam, mas preferiam suas viagens a ele, Debrah dizia que o amava, mas não pensou duas vezes em dispensá-lo para poder viver livremente seu sonho de artista do Rock in Roll. No final das contas, amor era só uma palavrinha dita ao pé do ouvido no auge da paixão, criada para iludir garotos idiotas e inexperientes, como ele. Quando o mundo abre os braços e as oportunidades se apresentam, não existe mais amor, ele se torna pequeno e inoportuno. Aquele que entendia isso vivia bem, enquanto aquele que insistia em acreditar naquele sentimento, sofria e chorava. Ele não ia mais sofrer, tampouco chorar por garota alguma; elas não valiam a pena.

Debrah chamou sua atenção por ser diferente das outras garotas que ele conhecia, ela não ficava de gracejos com todos os garotos da escola, tampouco se comportava de forma vulgar, mas no final das contas, ela era exatamente como as outras, e talvez pior, pois fingiu ser diferente.

Enquanto destruía toda e qualquer coisa que o fizesse lembrar da ex-namorada, Castiel fechava as portas do seu coração, jurando a si mesmo que nunca mais amaria garota alguma. Nem mesmo sua guitarra elétrica novinha, presente de Natal que ganhou do tio, escapou à sua desilusão; foi aprisionada na capa e levada ao sótão. A música não faria mais parte da sua vida, aquele sonho havia morrido com sua relação.

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Notas finais do capítulo

Vocês tem o hábito de tatuar o braço com caneta?
Eu não lembro se fazia isso quando era adolescente, é uma lembrança que eu não registrei...rs Mas lembro que quando criança eu fazia.

Filmes trash são filmes de baixo orçamento, geralmente polêmicos. Tem quem ache um lixo, outros consideram verdadeira obras de arte. Bom, eu como Artista Plástica e Arte Educadora vejo toda manifestação artística como válida e importante culturalmente falando, independente de eu gostar ou não. Particularmente, eu não curto filmes trash, alguns me fazem rir, não por serem engraçados, mas por alguém ter sido capaz de produzir "aquilo" se é que me entendem. Um exemplo simples de terror trash é "Zé do Caixão".

Tadim do Cast. De iludido a desiludido num pulo.



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