A morna luz da manhã infiltrara-se sem convite por entre as cortinas rosas do quarto.

Sam acordara-se sorrindo, sem entender bem o porquê. Dirigira-se ao banheiro e prendeu os cachos num coque solto, tomando uma ducha fria demais para o seu gosto, mas o bastante para deixa-la esperta. Com preguiça demais, pôs um roupão lilás e dirigiu-se a cozinha. Preparou despreocupadamente o café enquanto cantarolava uma nota ou duas. Pôs tudo numa xícara generosa e sentou a mesa, com o inseparável notebook já aberto.

Como de costume, abriu primeiro os e-mails. Promoções tolas, spams, Sam passava os olhos pelas mensagens até que algo prendeu sua atenção. A notícia do Daily News de Seattle. O assunto era polêmico: “De quem será a estrela que irá brilhar mais?”. Curiosa, Sam deu dois clicks rápidos no e-mail e a matéria mostrou-se ainda mais intrigante.

“Que Samantha Puckett reluziu como uma brilhante estrela em sua primeira apresentação não é novidade. Jovem, de boa aparência física e com olhos azuis cintilantes além de um carisma invejável, a garota de apenas 22 anos tem feitos e mais feitos ao longo de sua carreira. Feitos estes impressionantes, como o de conseguir papéis em apresentações considerados para adultos com a idades que variaram dos 13 ao 15 anos. A garota é uma perola preciosa no ballet.” Sam pulou mais algumas linhas que falavam sobre sua história até chegar à parte mais interessante. “E eis que surge Benson. Num mundo praticamente considerado para mulheres, ele já faz sucesso. Não, não estamos falando do porte impecável ou do cabelo perfeito. Benson vem conquistando cada vez mais o público com declarações apaixonadas a seus fãs. Movimentos difíceis de ser realizados são alvos das performances imaculáveis do garoto. Benson voou de Nova York até Seattle para nos presentear com uma apresentação ainda sem nome, dentro de poucos meses! A pergunta é: como Puckett irá se comportar tendo que confrontar uma estrela de tão alto calão quanto o seu, em seu próprio terreno? Puckett, segundo sua empresária também está envolvida em um grande show, e a promessa é de que será o primeiro auge de sua carreira. Não vai ser tão fácil com o Benson por perto. Que o show comece!”

Sam até pensou em pesquisar sobre o tal Benson, afinal queria conhecer seu novo concorrente mas não teve tempo suficiente. Tomou um ultimo gole de seu café, respondeu á alguns e-mails e rumou para o quarto, vestindo uma polo azul simples com calça jeans e uma sapatilha qualquer, jogando o material que precisava para o ensaio dentro da bolsa. Sam resolveu deixar os cabelos soltos, sem muita paciência para fazer muita coisa com ele. No estúdio teria tempo para arruma-lo. Collan, meia calça, sapatilhas, tudo o.k. Saiu ás pressas, não sem antes dar uma última checada no visual. Não era por menos. Hoje conheceria seu parceiro e queria causar uma boa impressão. Queria tentar convencer-se de que tudo aquilo não era pelo fato de estar solteira há... Sam tentou recordar-se do ultimo relacionamento sério que tivera. Resolveu focar-se na estrada a frente.

Estacionara com cuidado, enquanto a música We Are Young de Fun. ia morrendo aos poucos sendo substituída pela voz animada do locutor. Trocara-se rapidamente e pusera os cabelos em um coque no topo da cabeça. Sam estava a ponto de retocar gloss quando reparou em seu relógio que estava quinze minutos atrasada. Deu uma pequena corrida, subindo os lances de escadas circulares de mogno rapidamente. Empurrou as grandes portas que davam para o estúdio principal, e ofegando, começou a cuspir as palavras rapidamente:

– Desculpe-me madame, eu esqueci de me acordar na hora certa... - Sam passou as mãos no cabelo sem prestar muita atenção e continuou a andar despreocupadamente - Comecei a checar meus e emails e dá pra acreditar que um tal de...- Ela deixou a frase morrer no final.

Lá estava ele. Parecia ainda mais alto, com um collan azul e leggings mostrando as pernas tão musculosas que chegava a ser um crime. Com os cabelos castanhos penteados impecavelmente para trás, conversava algo animadamente com uma senhora que aparentava estar em seus quarenta e tantos, vestida a mesma maneira de Sam, com exceção aos cabelos brancos que evidenciavam a idade, pendendo soltos e lisos, na altura dos ombros. Sam observou a maneira como ele sorria e como passava as mãos nos espessos cabelos castanhos que insistiam em não ficar no lugar. Após alguns segundos assistindo, os dois perceberam a presença de uma terceira pessoa e viraram-se em sua direção. Sam ficou estática, esperando uma resposta, e cruzou os braços como um sinal para que um dos dois prosseguissem. Esforçou-se para lembrar-se como ele se chamava...

Sra. Delis pigarreou, quebrando o silêncio constrangedor que se instalara. Freddie sussurrara um "atrasada " para a Sra. Delis que corou fracamente, fazendo o sangue de Sam subir-lhe a cabeça. Precisava se manter calma.

– Samantha, permita-me lhe apresentar seu par na apresentação. Este é o senhor Benson. - "Benson"? - Ele...

– Freddie. - Sam cumprimentou fria assim que o nome saltou na mente. Seu inimigo seria seu parceiro?

– Sam - respondeu Freddie no mesmo tom.

– Já se conhecem? - Sra. Delis perguntou alternando os olhares entre os dois. Podia se sentir um clima nada leve se instalar no ambiente.

– Sim, nós tivemos uma breve apresentação no mercado. - Sam não conseguia e nem queria quebrar o contato visual.

– A senhorita quase voou em mim, por algo que eu não fiz.

– O senhor claramente me empurrou.

– Bem, o sr. Benson veio de NY até aqui e... - Sra. Delis prosseguiu mas foi interrompida de novo.

–Agora entendo o porque daquela roupa - Freddie murmurou mais para si mesmo. Sam ouviu.

–Pelo visto o senhor não estava reparando apenas nos meus seios. - provocou. Freddie revirou os olhos.

–Pela ultima vez, não estava reparando nos seus "amigos".

– Então admite que foi você que me derrubou?

–Eu não...

–Já chega! - Sra. Delis elevou um pouco a voz, pondo um ponto final na discussão. Rapidamente retomou a postura séria - Sam, como nós estávamos discutindo, creio que você me ajudaria se fizesse a coreografia com o Sr. Benson...

–Por favor, chame-me de Freddie - ele a interrompeu educadamente.

– Com o Freddie - ela retomou sorrindo. Foi a vez de Sam revirar os olhos.

–Espere um momento... Você quer dizer agora? - Sam perguntou, sentindo uma crescente ansiedade. Seria a primeira vez que contracenaria com um parceiro homem e justamente sua primeira vez teria de ser com seu rival.

– Sim. Não vejo porque não, desde que eu e você ensaiamos boa parte do número e o senhor... Quero dizer Freddie, ensaiou tanto quanto você.

– Eu..

– Mais recusas, Samantha? - Freddie desafiou.

– Estou pronta se você estiver - Sam respondeu-lhe retomando o contato com os olhos castanhos.

–Já nasci pronto - Freddie rebateu a altura.

Continuaram a fazer contato visual enquanto Sra. Delis se esgueirou sorrateiramente até o piano. Uma clara competição para ver quem desistiria primeiro, até que os primeiros acordes começaram a soar suavemente. Sam saíra do aparente transe, posicionou-se á frente de Freddie e esperou sua deixa. Mais algumas notas e sua dança começou. Sam dançava com graciosidade, com giros após giros até que chegou a parte onde Freddie a ajudaria.

Sam fechou os olhos em sua última pirueta, sentindo-se tonta pela primeira vez. Pôs-se em apenas um pé e esperou até que mãos fortes e firmes envolveram sua cintura fina. Ela não soube descrever a corrente que percorrera seu corpo. Talvez o que mais a envergonhasse fosse o fato de ter corado violentamente e por um momento quase ter se esquecido da coreografia que sabia tão bem. Freddie a levantou no ar, uma, duas, três vezes, enquanto a apresentação seguia. A loira não se sentia muito confortável, então, entre uma de suas piruetas na qual Freddie a carregava pelo palco, ele sussurrou em seu ouvido:

– Deixe a música fluir - a respiração quente de encontro ao pescoço nu de Sam a fizera arrepiar-se. Freddie conduziu-a em mais um giro. Sam trocara as mãos graciosamente e virara-se para Freddie.

– O quê? - conseguiu sussurrar de volta antes que Freddie a erguesse novamente. Uma pose e estava de volta ao chão.

–Você está muito tensa - Freddie sussurrou e agora Sam erguia uma perna e Freddie conduzia Sam com a perna ainda estendida em mais uma volta. - Se ajuda em algo, esse legging está me incomodando de uma maneira que você não entenderia. - girou-a mais uma vez. Como num vai e volta, Freddie lançou uma Sam rodopiante com um braço e a recebeu com outro - Mas que isto me deixa ainda mais sexy é inegável. Sam reprimiu uma risada e continuou a dançar, se sentindo mais leve.

A apresentação terminara com Freddie erguendo Sam no ar, estando ele de costas para a "plateia". Sra. Delis bateu palmas após o término, lançando elogios e elogios. Sam sorriu constrangida, enquanto Freddie a colocava gentilmente no chão, sem deixar de encarar os olhos azuis tão vivídos. Em um reflexo, Freddie pôs a franja de Sam que caía em seus olhos atrás da orelha. Alguns segundos eternos passaram-se até que Sra. Delis os interrompessem para envolvê-los em um abraço.

E novamente, aqueles olhos castanhos e sagazes assolavam-lhe os pensamentos, juntando-se a memória do toque gentil e firme que a segurara por alguns minutos.

Sam suspirou. Talvez não seria tão difícil trabalhar com alguém tão arrogante.