Ficamos lá, sentados, conversando e comendo até o intervalo acabar. Todos nós tínhamos esse horário reservado para aula opcional de línguas estrangeiras, no meu caso seria francês e Ashley e Lipe escolheram espanhol, eles disseram que querem aprender a falar minha língua, mesmo eu insistindo que espanhol e português não eram a mesma coisa.

As duas aulas que se seguiram foram muito tranquilas, tanto a de língua estrangeira quanto a de geografia. Minha ultima aula era de arte, junto com Ashley e Lipe no teatro. Guardei todos os livros no armário e segui à aula com meus novos amigos.

Logo na estrada do teatro tinha uma urna e um caderno, vi que as pessoas pegavam alguma coisa na urna e anotavam no caderno. Entramos na fila para fazer o mesmo.

– Não acredito que vai isso esse ano de novo! - murmurou Ashley se lamentando

– Fazer o que, né? Parece que ela gostou do ano passado. - comentou Lipe dando de ombros

– Sobre o que vocês estão falando? E o que eles estão fazendo? - perguntei no momento que chegou a nossa vez.

– Quando entrarmos eu explico. Agora você só tem que pegar um papel na urna e escrever seu nome e o que escrito no papel ao lado dele nesse caderno. - Ashley disse, dei de ombros e fiz o que ela mandou.

Peguei um papel dobrado na urna, escrevi meu nome, desdobrei o papel e copiei o que estava escrito ao lado do meu nome. Tinha apenas uma palavra e um número: Titanium - 12. Esperei Ashley e Lipe terminarem a parte deles para entrarmos juntos.

– Ano passado não tinha esse número, o que será? - perguntou Lipe

– Eu ainda queria saber o que teve ano passado. - comentei

– É uma forma de dinâmica. A Sra. Foxter é muito ligada aos "dons", por assim dizer, dos alunos. O que está escrito em seu papel é o nome de uma musica que você vai ter que cantar. - disse Ashley dando de ombros, parei de descer as escadas que levavam até o palco. Um pânico de cantar na frente de todo mundo começou a crescer dentro de mim.

– Vo-você tá querendo me dizer que vamos cantar na frente de todo mundo? - balbuciei, minha voz oscilando entre minha tranquilidade forçada e o pânico que eu sentia.

– É mais ou menos isso. - os dois pararam e me olharam. Comecei a suar frio. - Você tem medo de cantar em público? - Perguntou Phillipe

– Não é medo, é pavor. Eu simplesmente não canto, minha voz trava e não sai. - disse realmente entrando em pânico.

Percebi que tinha outras pessoas se aproximando de nós, descendo as escadas para chegarem ao palco. Entrei na fileira de cadeiras mais próximas e me sentei, fechando os olhos e escondendo o rosto entre as mãos tentando controlar minha respiração que estava acelerada.

– O pior de tudo é que eu nem conheço essa musica que eu peguei. - disse ainda com a cabeça entre minhas mãos. Estava ficando enjoada. Percebi que alguém tinha se agachado na minha frente.

– Ei Amy, tenta ficar calma. Você vai conseguir. É só não olhar pro público, olhar para um ponto desabitado, pro chão ou pro teto. - Escutei a voz de Ashley a minha esquerda, ela estava sentada ao meu lado, então era Phillipe que estava agachado na minha frente.

– E quanto a sua musica talvez possamos ajudá-la. - escutei ao fundo alguém perguntando gentilmente se eu estava bem para Ashley, a voz era de homem. Já tinha escutado ela em algum lugar. Ela sussurrou alguma coisa e a pessoa saiu. - Se você não conhece procuramos agora e você fica escutando até a hora da sua apresentação para você pegar o tempo. Vamos cantar com playback. - Lipe disse com a voz tranquilizadora. Respirei fundo e contei até dez, soltando lentamente o ar, depois levantei a cabeça e abri os olhos.

– Titanium. - disse. - Esse é o nome da musica. - Ashley e Lipe entreolharam-se.

– Eu tenho ela no meu celular. - disse Lipe hesitando antes de pegar o celular e os fones e me entregar com a musica tocando.

Ótimo, além de ter que cantar na frente da sala toda uma musica, vou ter que cantar uma musica eletrônica. Eu, uma menina que gosta de musicas lentas e ama o som do piano. Permaneci com uma máscara tranquila no rosto, mesmo que estivesse tremendo por dentro, continuei escutando minha musica, guardando cada toque, cada momento que cada parte de musica começava e acabava.

Mal teria notado que a professora estava em cima do palco se Ashley não tivesse me cutucado, Phillipe estava sentado do outro lado dela. Desliguei a musica e prestei atenção na professora.

– Bom dia alunos! - a voz dela ecoou pelos alto-falantes espalhados ao redor do teatro. Ela era alta, usava roupas folgadas e tinha um cabelo castanho, com alguns fios grisalhos, como eu estava sentada um pouco longe dela não consegui distinguir a cor dos olhos. - Sou Sra. Foster, a professora de arte de vocês. Estou reconhecendo alguns rostinhos do ano passado, e outros me são estranhos. - ela olhou pra mim e depois desviou o olhar. Percebi que ela estava com o caderno que estava na entrada. - Tenho aqui o nome de todos vocês com uma musica e um número. Como vocês já sabem, essa musica é pra ser cantada aqui na frente ainda hoje, já esse número é para você se juntar com algum colega seu. Só tem números de 1 a 15, já que só temos 30 alunos nessa turma. Vocês vão em dupla escolher uma musica para apresentar para a turma. Vocês estarão sendo avaliados em todas as apresentações. Sem mais enrolação, vou começar a chamar pela ordem crescente dos números, e vocês aproveitam e já ficam sabendo qual é a dupla de vocês. - ela fez uma pausa e continuou. - Só pra vocês saberem, os critérios de avaliação são: afinação, tempo da musica e entreter o público. Quando vocês forem subir ao palco podem pegar a letra da musica de vocês aqui, já deixei impressa pra vocês. Boa sorte.

Ela começou a chamar, de dois em dois. E só de ver as pessoas subindo, algumas confiantes e outras nervosas, o meu pavor voltou. Coloquei os fones e voltei a estudar o tempo e memorizar a melodia da musica, como Ashley e Phillipe eram 14 e 15 respectivamente não precisava me preocupar em perder a apresentação deles.

Já tinha memorizado toda a musica, cada parte, cada detalhe, inclusive a ponte, quando Ashley me cutucou. Tirei os fones na hora que escutei a professora chamando os alunos de número 11.

– Não precisa ficar nervosa, você não estava escutando e nem prestando atenção, mas ninguém aqui não está nem ligando. Olhe em volta. - ela apontou pra todos os nossos colegas. Enquanto tinha uma menina cantando alguma musica no palco, todos estavam conversando ou escutando musica no fone. Mas não tinha ninguém olhando pra ela além da professora. - Está vendo? Não tem com o que se preocupar.

– Tudo bem. Estou calma, por enquanto. - continuei observando, só então o vi. Ele estava sentado na segunda fileira de cadeiras ao lado de Lindsey. Eles estavam abraçados e ele sussurrava algo no ouvido dela. Ashley seguiu meu olhar. - Ele já...? - não precisei terminar, ela já tinha entendido porque negou com a cabeça.
– Ainda não. Nem ele e nem ela. - ela suspirou. - Acho que eu preferia ter que aguentar a injúria do Chris ao ter que cantar com Lindsey. Só sobramos eu, você, Lipe, eles, Stácia, Damen e Marcie. - ela revirou os olhos e eu ri, mesmo sem entender e sem saber quem era Stácia e Marcie. - A Marcie está de olho no Lipe tem um tempo já. - ela bufou e eu ri mais ainda, ela estava com ciúmes! - E eu tenho quase certeza que Stácia vai cantar com o Damen, então ficamos eu, você e eles. Não quero cantar com Lindsey.

– Posso fazer duas perguntas? - perguntei segurando o riso.

– Já fez uma, qual a outra? - ela olhou pra mim sorrindo, o que me fez sorrir também.

– Primeira, porque você não quer cantar com Lindsey? - perguntei

– Porque ela é uma vagabunda, oferecida e se acha. Com certeza ela vai querer escolher a musica e mandar em tudo e eu não quero ter que obedecê-la. - ela resmungou e eu gargalhei, tentando abafar o som com minhas mãos. - Qual a outra pergunta? - olhei através dela, para Phillipe. Ele estava com o fone de ouvido, e se eu prestasse bastante atenção conseguiria escutar a batida da musica que ele iria cantar, o que queria dizer que estava alto. Eu poderia perguntar sem problema.

– Você gosta de Phillipe, né? - falei sem enrolar, mais como afirmação do que como pergunta, analisando a mudança repentina da feição dela, que foi de divertida a pálida e preocupada.

– Porque você acha isso? - ela perguntou tentando esconder o desespero da voz, eu sorri. Isso com certeza era um sim.

– Você estava com ciúme quando falou sobre Marcie gostar dele. - pisquei um olho pra ela e a vi corar e olhar incrédula pra mim. - Esqueci de avisar que sou muito observadora? - perguntei rindo.

– OK. Essa você venceu. Admito. - ela levantou a mão direita e olhou nos meus olhos. - Eu gosto do Lipe, mas ainda não sei direito o que é isso, e nem importa já que sou só uma amiga pra ele. - sussurrou

– Se quiser eu posso tentar descobrir pra você. - sorri de novo, dessa vez tentando encoraja-la. Ela abriu a boca pra responder, mas foi interrompida pela voz da professora ressoando nos alto-falantes pelo teatro.

– Emily Johansson e Lindsey Raymoon, número 12.

Levantei automaticamente só em ouvir o meu nome, meu ouvido começou a apitar, e lá no final pude ouvir Lipe e Ashley me desejando boa sorte.

Não sei como cheguei lá, mas em questão de segundos já estava atrás das cortinas do palco, pegando a letra da minha musica. Retomei consciência do que estava fazendo apenas quando estava no centro do palco, com um microfone a minha frente e o playback da musica começando a tocar.

Olhei para as pessoas que estavam na minha frente, a maioria não prestava atenção, mas aqueles olhos azuis como a noite em especial me prenderam, comecei a ficar inquieta. Senti que minhas mãos começarem a tremer e desviei os olhos, encontrando os de Ashley. Ela estava preocupada, Lipe lhe perguntou alguma coisa e ela apenas negou, sem desviar os olhos do meu. Meu ouvido parou de apitar e eu escutei o toque da musica, minha deixa para começar a cantar. Abri a boca, mas não consegui.

A musica parou, e mais olhos curiosos me olharam. Alguns apontavam e riam. Os olhos de Ashley estavam inquietos, escutei Lindsey gritar algum tipo de insulto, seguida por Marcie e Stácia, que agora eu sabia quem eram já que vi a cara feia que Ashley fez. Todos começaram a rir. Respirei fundo novamente quando o playback recomeçou, tentando me acalmar. Quando escutei minha deixa juntei toda a minha coragem e tentei novamente, mas não consegui pronunciar uma única frase, apenas um ruído indecifrável e desafinado.

A ultima imagem que tive do palco antes de fechar os olhos e sair correndo foi de todos rindo, Ashley e Lipe se levantando e Chris sério e com o rosto em uma máscara indecifrável.

Segurei minhas lágrimas e só parei de correr quando cheguei em um lugar escuro. Abri os olhos e esperei eles se acostumarem a escuridão, só então percebi que estava na parte de trás do palco, eu estava de frente ao piano. Ainda conseguia escutar as risadas do outro lado da cortina. Me lembrei das palavras da professora: "Vocês estarão sendo avaliados em todas as apresentações". Eu não queria ficar com nota vermelha em ARTE só porque tinha medo de publico!

Aproveitei que estava sozinha e não conseguia ver ninguém e comecei a procurar alguma coisa que eu pudesse precisar. Achei um pedestal perto do piano e ajustei-o a minha altura. Coloquei um microfone, testei-o e consegui escutar o som dele baixo no meio a toda a confusão de risadas que estava do outro lado. Sentei-me diante do piano e comecei a tocar algumas notas e acordes. Em questão de segundos testando uma nota e outra, consegui reproduzir algo que se parecia com a musica, eu iria fazer um arranjo e cantaria ali mesmo, atrás das cortinas e sem me preocupar com o público.

Comecei a tocar e deixei-me levar pelo som do piano, deixei a tranquilidade fluir através das minhas veias, célula por célula, até me acalmar por completo e começar a cantar.