Eu esperei ele dizer que se fosse muito forte pra mim eu não precisaria contar, mas ele continuou me encarando, com os olhos castanhos brilhando diante da pouca luz. Eu tinha que começar...

– Eu tinha doze anos. Amava cantar. Era minha primeira apresentação. Festival de Talentos da Escola – eu falava pausadamente, separando os pensamentos. As lembranças começaram a vir a minha mente e eu olhei para cima para não chorar.

Foi inútil. Senti meus olhos carregados, mas continuei, sem derramar lágrimas.

– Eu estava tão alegre e tão animada pra chegar minha vez que mal posso descrever. Então ela chegou... Eu subi no palco literalmente saltitando de alegria – eu dei uma pequena risada meio irônica que saiu meio desajeitada e abafada, o que foi compreensível diante a minha situação.

Eu ainda olhava pra cima, eu tinha medo de chorar. Eu tinha vontade de parar de falar, mas lutei contra isso. Eu tinha que escapar das garras desse medo que me mantinha refém. Como João e Maria nas garras da bruxa, ou chapeuzinho vermelho nas garras do lobo mal, mas dessa vez, não era uma história, era real.

Eu me sentia uma criança que chorava perdida, mas não encontrava o caminho para casa.

– Tava todo mundo lá, meus amigos e minha família, o que me fazia pirar de tanto nervoso. E quando a minha música começou, eu não consegui cantar, só fiquei olhando de um lado para o outro na plateia e todos olhavam pra mim, esperando que eu cantasse, mas... – minha voz falhou por um segundo. – Mas nada! Recomeçaram a música... E de novo... E de novo – engoli em seco. – Eu pedi só mais uma chance, era tudo que eu precisava, uma chance... Afinal o show tinha que continuar, não é? Eu fechei os olhos. Eu tinha que conseguir. Todos contavam com isso. Naquele momento fiz uma promessa para mim mesma, eu iria cantar naquele palco, não importava o que aconteceria. A música começou a tocar, e meus olhos continuavam fechados. Mas de repente ouvi uns barulhos estranhos e eu meio que fui forçada a abrir os olhos, quando senti um peso enorme sobre de mim. A cortina, as luzes, os holofotes e as caixas de som caíram. Não caíram tudo isso em cima de mim, é claro, mas caíram pelo palco todo. Demoraram quarenta e sete minutos para achar uma pirralha do sétimo ano de baixo de todas aquelas coisas. Eu fui cantando baixinho enquanto esperava, fui cumprindo a promessa. Eu não sentia meu corpo. Depois disso só me lembro da minha visão já embaçada de um cara vestido todo de branco me tirar do meio daquilo tudo. Eu via meus pais atrás dele. Os dois chorando. Isso doeu mais que qualquer coisa. Eu tentava falar, me mexer, eu queria olhar no fundo dos olhos deles e dizer que tudo ia ficar bem, que eu iria melhorar, eu queria mesmo fazer isso. Mas as tentativas foram inúteis. Quanto mais eu tentava, mais uma dor de cabeça muito forte surgia na minha nuca, e ia intensificando até que... Fechei os olhos. Eu acordei no hospital. Uma perna, o osso do meu braço e uma costela, todas do lado esquerdo, estavam quebrados. O lado em que a caixa de som pairava sobre mim na noite do incrível show de talentos. Nunca mais cantei pra ninguém. Todos entendiam isso e não insistiam. Era um assunto delicado pra eles em relação a mim, mas pra mim não era. Eu encarava os fatos. Foi o pior dia da minha vida

Eu não chorei muito enquanto falava, apenas algumas poucas lágrimas escorreram por minha bochecha e eu fiz questão de sentir cada uma delas, rolando bem devagar, pouco a pouco. Eu não o olhei nos olhos, pois sabia que o olhar passaria a ser diferente. Ele passaria a me olhar com pena e eu não precisava de mais uma pessoa me olhando assim, eu só contei pra ele uma coisa dessas porque eu sentia que devia isso a ele. É ridículo, eu sei, mas contei. E eu suponho que não irei vê-lo nunca mais depois de hoje então não tem importância.

– Desculpe. Sinto muito pelo que aconteceu com você – quando achei que estava pronta pra mais um olhar de pena sobre mim, levantei a cabeça olhando diretamente em seus olhos. Ele estava sentado ao meu lado. Os olhos dele não estavam cheios de pena, mas sim de compreensão. Eu não esperava isso.

– Acredite, eu sinto mais... Não se desculpe, você só tentou ajudar – eu disse.

– Não precisa cantar agora. Vou cancelar nossa inscrição – Ross disse, já levantando.

– Não – minha voz o parou e ele começou a prestar atenção em mim, eu podia ver que ele não entendia o porquê da minha escolha então continuei: - Eu vou cantar, não posso fugir disso pra sempre. Bom, se estiver de acordo a cantar comigo, claro.

– Claro que sim. Isso vai ser incrível – ele puxou um sorriso pequeno no canto da boca e se ajoelhou à minha frente pegando minha mão de um jeito encorajador. Nesse momento eu percebi como eu tenho sorte em tê-lo conhecido.

É claro que eu sorri de volta.

Um homem gordo, vestido de blusa estampada, bermudão e chinelos, veio nos avisar que era nossa vez. Nós atravessamos a cortina e fomos até a coxia do lado esquerdo do pequeno palco da lanchonete. A luz branca e amadora veio em nossa direção, eu tremia muito. A hora é agora.

Eu ia cair de novo e acho que o Ross percebeu isso porque segurou firme minha mão e sussurrou em meu ouvido com a voz doce, tranquila e consoladora:

– Relaxa, é só olhar pra mim ok?

– Ok, obrigada. "Sim. Por me dar coragem pra vencer esse medo tão antigo e apoio quando eu estava prestes a cair. Você estava lá para mim. E você nem me conhece direito. Obrigada" – Claro que eu disse isso a ele. Lógico. Se é serio? NÃO.

Andamos, ainda de mãos dadas, em direção ao centro do palco. Ross acenava para a pequena multidão e Colin e Chloe gritavam o tempo todo. Eu estava prestes a vomitar. A música começou. Tentei fechar os olhos, mas as lembranças os mantinham abertos. Eu estava entrando em pânico, então olhei para o Ross. Ele estava me fitando preocupado e quando percebeu que eu também o olhava, ele sorriu gentilmente e consoladoramente com o canto da boca. Alguma coisa me deixou diferente. Eu me sentia mais forte.

Cantei como nunca tinha cantado antes... Olhando para ele. Ele pareceu surpreso, mas quando ele cantou eu tenho certeza que eu fiquei mais. Ele é incrível! No final da música ele olhou pra mim e deu um daqueles sorrisos incríveis dele e... Está vindo até mim... Mais perto... Mais perto... OH NOSSA! MAIS PERTO.

– ROSS VOCÊ ESTÁ ME SUFOCANDO! – ele riu um pouco e me soltou com um sorriso bem largo.

– Desculpa! Só que eu tô muito orgulhoso de você. Você superou o seu medo e é incrível! – ele disse.

– Obrigada. Você que é incrível! Sua voz é... – eu não consegui terminar a frase, pois não achava palavra certa para descrever em alto e bom som aquela voz, era perfeita. Mas eu não poderia dizer isso assim para ele.

Olhei pro chão fingindo que nada tinha acontecido, mas quando levantei o olhar ele estava me fitando e rindo um pouco.

– MIA! ROSS! Vocês foram incríveis! Os dois. Mia, a Chloe me contou sobre tudo enquanto esperávamos. Desculpe ter feito você passar por isso. Mas estou tão orgulhoso de você! Você foi sensacional! – Colin disse todo empolgado.

– Ei, pega leve aí! Quer me deixar com ciúmes?! – Chloe disse.

– Desculpa momô. Sou só seu, relaxa! –Colin respondeu lançando uma piscadinha e um olhar malicioso para ela.

– Hm... Pizza? –Ross disse pra quebrar o clima. Obrigada Ross, obrigada.

– Claro! Vocês vão? – Eu perguntei. Espero que sim, porque não quero ficar com ele sozinha, seria estranho.

– É, eu vou sim. E você meu amor? – Chloe perguntou a Colin.

– Você é quem manda momô – Colin disse. Tipo, nós estamos aqui. Parem.

– Só vou mandar uma mensagem pro meu amigo, ele tá demorando muito e... LOGAN! Por que demorou tanto?