–-Mamãe!

–-O que foi! ?

A garotinha de sete aninhos sentou-se assustada na cama, quando os seus pais entraram em seu quarto. Os dois estavam prontos para ir ao teatro, onde assistiriam a uma peça que sua mãe tinha escrito.

–-Eu tive um pesadelo.

–-O que você viu?—Perguntou o pai

–-Vocês tinham batido o carro.

A sua mãe sorriu para ela, e passou as mãos nos cabelos da garotinha para arruma-los:

–-Filha, nós vamos ficar bem.—ela deitou a filha novamente na cama, e a ajeitou nas cobertas.

–-E nosso anjo da guarda vai cuidar de nós.—Disse o pai, dando-lhe um beijo na testa.

–-Posso ter um desses também?—a menina perguntou ao pai

–-Claro, querida! Você pode ter uma miríade de anjos, se quiser.—Disse o pai

–-E quantos são?

–-Muito mais do que eu, você, e a sua mãe conseguimos contar.

–-Mas agora durma, querida.—Disse a mãe-- Lembrando-se que nunca é tarde para sonhar.

Até se eu disser

Que vai ficar tudo bem

Ainda te ouço dizer

Que você quer acabar com sua vida

Agora e mais uma vez nós tentamos

Apenas continuar vivos

Talvez iremos dar a volta por cima

Porque não é tarde demais

Nunca é tarde demais

–-Sophia.

–-Papai?

–-Não.

A menininha levantou-se confusa. Quem poderia ter a acordado já que não era seu pai? Viu, em resposta a sua pergunta mental, um homem bem parecido com ele, mas que realmente não era seu pai. Ela não o conhecia, mas o homem agia como se já fossem velhos amigos.

–-Sophia, eu sou o seu tio, irmão de seu pai. Vou cuidar de você agora.

–-O que aconteceu com papai e mamãe?

O homem suspirou e sentou-se na cama ao lado de Sophia. Ele pegou em suas mãos, que eram muito menores que as dele, e procurou o olhar da menina. Ela estava assustada, tinha medo que o seu pesadelo tivesse se realizado. Mas ele tinha.

–-Pequena Sophia...Seus pais morreram enquanto voltavam do teatro. Eu sinto muito por isso.Mas talvez...—O homem que se dizia “seu tio” pegou uma mecha de seus cabelos e sentiu o cheiro de Sophia.--...eu possa encontrar uma maneira de nos divertimos.

Ninguém nunca verá

Esse lado refletido

Se há algo errado

Quem iria adivinhar?

Sophia corria para debaixo de sua cama.

Ele não estava satisfeito, e estava novamente a sua procura. Aquele homem não deveria estar ali, não deveria fazer aquilo. Ela queria que o seu anjo da guarda aparecesse, talvez assim ele pudesse salva-la dele.

Toda vez que ele cantarolava o seu nome pela casa, a procura dela de novo...Como ela se sentia suja! Porque ele lhe tocava daquela maneira? Por que ele sempre queria mais? Por que ele gostava daquela coisa? Ela sentia um nojo tão grande dele.

–-Soophiaa!

O seu tio entrou no quarto. Ela ouviu uma risadinha dele, sem duvida ele já tinha a encontrado. Iria começar tudo de novo.

Ele levantou a cama, empurrando ela para trás.

–-Te achei, pequena.

O seu pai não podia protege-la. Ela ainda esperava pelo seu anjo da guarda...que nunca tinha chegado.

O mundo que nós conhecíamos

Não vai voltar

O tempo que nós perdemos

Não podemos recuperar

A vida que tínhamos

Não vai ser nossa novamente

–-Sophia, onde esta você?

Ele a procurava novamente. Sophia estava no seu quarto. Não tinha mais como se esconder, afinal, sempre que ele queria a encontrava, e não lhe restava escolha a não ser fazer tudo o que mais achava nojento novamente.

Ele entrou no quarto e encontrou a menina, de cabeça baixa, o esperando. Ele sorriu maliciosamente para pequena menina que ele havia dominado. Ele já sabia que em um momento ela notaria que já não tinha para onde correr. O homem pegou em seu braço e o apertou forte, para ter certeza de que ela não fugiria e que aquilo não era apenas um truque. A garota ergueu a cabeça mas não o olhou. Ela direcionou o seu olhar para a janela de seu quarto de onde vinha uma brisa.

–-Esta...ouvindo isso?

Ele achou que talvez fosse um truque, mas não era. Ele começou a ouvir um barulho diferente vindo da janela. Algo como um...rufar de asas?

De repente, entrou pela janela o jovem. Um jovem com...grandes asas negras.

–-MAS O QUE É ISSO?

O homem bradou. A menina se soltou dele e foi em direção ao jovem, ficando atrás dele. O jovem foi em direção ao homem, eles lutaram, corpo a corpo. ‘O que o homem não sabia, era que este era o anjo que Sophia pedia a tanto tempo para salva-la. E por isso, foi morto.

Sophia olhou para o corpo do tio. Ela poderia ter ficado traumatiza com aquele corpo morto na sua frente, deitado no chão, mas a menina não estava. Ela mesma queria ter feito aquilo há muito tempo.

–-Hey! Não vá ainda!

Ela pediu ao seu anjo, que já tentava lhe escapar pela janela. Ele voltou para dentro do quarto, e ela lhe passou as mãos em suas asas negras.

–-Papai disse que você viria...

O anjo sorriu, beijou-lhe na testa, e voltou a janela. Antes que ele fosse definitivamente, Sophia ainda lhe perguntou;

–-Qual é o seu nome?

–-Me chame de Gabe.

Esse mundo nunca será

O que eu esperava

Se eu não me encaixo

Quem iria adivinhar?

Eu não vou abandonar

Tudo aquilo que eu possuo

Sophia lembrava de tudo o que aconteceu quando era criança.

Se antes estava presa com aquele homem nojento, agora estava presa por que achavam que ela era louca. E estava quase ficando, o que não era justo depois de tudo que aconteceu a ela.

–-Este mundo nunca será/O que eu esperava.—Murmurou para si mesma enquanto tentava se soltar daquela cama.—Se eu não me encaixo/Quem iria adivinhar?

Ela ouviu enfim, o mesmo som que esperou ouvir durante todos os anos em que ficou presa naquele lugar. Aquele mesmo rufar de asas estava de volta, lhe trazendo talvez, a liberdade.

–-Gabe.

–-Sophia.

Ele começou a desatar seus braços e pernas, e quando ela já estava livre, Sophia o abraçou. Lagrimas rolaram de seus olhos.

–-Por que você não ficou comigo?

–-Eu não vou abandonar/Tudo aquilo que possuo/Para fazer você sentir como se não fosse tarde demais...

Sophia se afastou para poder olhar nos olhos de Gabe. Eles eram incríveis e indescritíveis. Pareciam mudar a cada instante, se tornando cada vez mais encantadores. Mas Sophia não se deixou intimidar por aquele olhar:

–-Nunca é tarde demais.