Prólogo: Tattoo.

Segunda-feira, 01 de Abril de 2013.

11h 40.

A sensação repentina não passou com a mesma rapidez que chegou. A borbulhante determinação de fazer algo na vida que talvez compensasse a decepção que fora para sua família. Não que uma tatuagem fosse mudar o fato que seus pais estavam debaixo da terra, em um cemitério no fim de uma estrada esburacada, com estátuas de anjos caídos em cima de seus túmulos. Não, não adiantaria nada. Contudo era o que Sasuke preferia acreditar – que honraria sua família com aquilo- ao entrar no pequeno estabelecimento no Beco 14° da Rua Raiden.

O cheiro de nicotina inflou seus pulmões, o ar levemente opaco pela fumaça do fumo. As paredes cobertas com figuras e desenhos de tatuagens e a placa de neon azul escrita “Manda” indicaram-no que estava no lugar certo. Sasuke pegou sua mochila e jogou em um sofá de couro vermelho e se aproximou do balcão, ignorando os olhares furtivos dos dois únicos clientes que tinham na loja. Ele bateu com mais força que pretendia no sino e esperou alguém para atendê-lo. Tamborilou os dedos impacientemente olhando para a cortina de contas. Seus olhos foram para o relógio quando este começou a badalar, indicando ser meio-dia.

“Ah, Sasuke.”

Sasuke se virou para a cortina e viu Anko sair do meio das contas, com um sorriso afetado. Seu cabelo escuro preso em um coque com fios espetados para todos os lugares, sua franja caindo de forma a cobrir seus olhos castanhos afiados, mas Sasuke sabia que ela o encarava com divertimento. Um grunhido saiu da garganta dele. Ela abriu o caderno e olhou em uma lista de nomes, sem dizer mais nada para o garoto a sua frente. Seus dedos longos passavam pelas linhas, procurando algo.

“Você tem sorte. O cliente do meio-dia desmarcou, ele pode te atender agora se você já tiver o desenho.”

“Eu tenho.”

Anko mordeu sua unha do dedo indicador, o esmalte vermelho manchado com tinta e sujeira, o olhando com curiosidade. Sasuke percebeu a pele vermelha ao redor dos seus pulsos, linhas finas de tinta fresca adornando sua pele pálida. Ah, então era por isso que ela demorou tanto para atendê-lo.

“Você não deveria colocar algo para tampar a tatuagem?” Ele perguntou, se virando para pegar sua mochila.

Ela deu uma risada curta e deu de ombros.

“Eu não deveria ver a sua identidade antes de te permitir fazer uma tatuagem?”

Sasuke não a respondeu a isso e se dirigiu para a próxima sala, agradecendo pelo cheiro de cigarro ficar restrito á sala de espera. Deixou sua mochila no pé da cadeira e se sentou esperando o tatuador chegar. Sua paciência já estava curta, mas a excitação de finalmente poder marcar seu corpo como sempre quis, fazia valer a pena.

Um homem entrou na sala, colocando luvas de borracha. Seus longos cabelos caindo nos ombros de forma suave, quase obscena para um lugar bruto como aquele. Mas quando seus olhos encontraram com os de Sasuke, o garoto sabia que o homem pertencia aquele lugar; grandes orbes verdes reluziam na luz branca e sua pupila era tão estreita que parecia fendas e ao redor de seus longos cílios, finas linhas roxas adornavam sua pálpebra.

“Orochimaru, não sabia que trabalha nas Segundas.” Sua voz fria mandando um aviso para o mais velho, que apenas riu mantendo o mesmo tom que Sasuke usou.

“Sasuke, não sabia que era corajoso o suficiente para fazer uma tatuagem.” Ele pegou a mesinha de metal e aproximou-se da cadeira de Sasuke, checando os equipamentos. “Quando você era um garotinho e vinha aqui com seu irmão, era comum ouvir seus choros toda vez que meu pulso movia. E olha que nem era você quem estava recebendo uma agulha na pele duas mil vezes por segundo.”

Sasuke o encarou com irritação, já se arrependendo de ter escolhido esse lugar para fazer a tatuagem, contudo era aqui ou em nenhum lugar. Anko apenas permitiu ele ser atendido sem documentação por causa de Itachi. Então ao invés de retorquir a zombaria do tatuador apenas virou a cara, olhando para o quadro das melhores tatuagens que foram feitas naquele estúdio.

“Então, o que vai ser? Uma borboleta? Um veado? Ou melhor, uma cobra?” Os olhos de Orochimaru brilharam ao dizer o ultimo, as fendas se dilatando levemente. Sasuke fez um som de nojo antes de alcançar em sua jaqueta um papel amassado. Abriu e jogou na cara do outro, sem o olhar nos olhos verdes, antecipando a risada do homem.

Nenhuma veio.

Depois de alguns segundos de total silêncio, Orochimaru se moveu para a bancada, pegando as tintas no armário. Suas mãos pálidas se moviam rapidamente, abrindo dos frascos de tinta preta e preparando as agulhas.

“Qual o significado delas?”

Sasuke ficou tentado a não responder, mas pensou melhor e soltou um suspiro antes de dizer:

“O mesmo sentido que elas teriam em uma situação normal; separação.”

Orochimaru riu ao ouvir a última palavra e se aproximou novamente de Sasuke, os olhos fixos na agulha do aparelho.

“Então, onde você quer fazer sua tatuagem?”

Sasuke o observou pegar uma caneta vermelha do bolso e destampar. O cheiro do álcool da tinta irritando seu olfato.

“Junção do ombro esquerdo com o pescoço.”

***

Segunda-feira, 05 de Agosto de 2013.

12h10.

Desde aquele dia todas as pessoas que ele conversava perguntaram o significado da sua tatuagem. E desde aquele dia Sasuke não respondia nada a elas. No começo ele contava uma mentira, dispensando a pergunta e se virava para ir embora. Mas depois de um tempo ele não falava mais nada sobre o assunto, preferindo esquecer que tinha aquela coisa.

Ele deveria ter esperado mais tempo e ter feito a tatuagem em outro lugar, por que agora ela doía, as vezes sua pele ficava tão vermelha que parecia que ia pegar fogo e Sasuke passava muitas das suas noites em claro. Mas tirar uma tatuagem era muito mais dolorido do que fazer uma e muito mais caro também. Os médicos diziam que era por causa da tinta usada, mas às vezes Sasuke ponderava se a culpa do seu desconforto cai sobre ele mesmo. Talvez a pele dele não aceitasse a ideia geral de ser marcada por tinta barata pelo resto da vida.

Os pensamentos de Sasuke evaporaram para dar lugar à dor aguda no seu ombro esquerdo. Mordeu os lábios e franziu o cenho se concentrando para não dar nenhum indicio aos seus colegas de classe que estava sentindo dor. Ele olhou para a lousa e tentou se esquecer da queimação da pele ao redor da tinta preta. As palavras faziam pouco sentindo, mas mesmo assim ele as anotou, tomando cuidado para deixa-las legíveis o suficiente.

Já estava acostumado com isso, por essa razão não era difícil fingir que a dor não existia. Após alguns minutos ele nem conseguia senti-la mais. Respirou fundo e abaixou a caneta, olhando para suas mãos, as sobrancelhas ainda franzidas em concentração. A ardência mal o incomodava quando o sinal tocou e ele guardou suas coisas. Os corredores estavam cheios, os estudantes animados com a volta das aulas e com os novos alunos de intercambio que chegaram.

Sasuke não estava particularmente animado para nenhum desses dois fatos. Ele estava em um nível avançado o suficiente para estar se formando apenas no segundo ano, mas a lei não fazia exceções. Não nessa cidade. E ele realmente não sabia o que um bando de garotos de outros países vieram fazer aqui, já quase no final do ano letivo. Isso indicava mais trabalho para os professores e para os alunos azarados o suficiente para serem escolhidos como tutores.Alguns mal sabem falar inglês direito para começo de conversa, Sasuke pensou ao colocar seus livros dentro de seu armário.

“Wollen mit mir essen zu gehen heute, Naruto?”

“Ah, ja. Danke.”

Sasuke se virou ao ouvir as vozes. Era exatamente isso que ele estava falando; eles vêm para cá e nem ao menos se dignam a falar a língua local como todo mundo.Idiotas. Ele sabia que muitos estrangeiros faziam isso para chamar atenção das meninas, mas era ridículo. Sério. Alemão nem era charmoso; era muito rude e cru, ninguém cairia de amores por aquilo.

“Ich weiß, wie schwer es ist, hier neu zu sein. Besonders, wenn Sie nicht Englisch sprechen sehr gut.”

Ele encontrou a fonte da conversa facilmente. As vozes pertenciam a uma garota com longos cabelos louros e um menino, também loiro, com uma tonalidade mais vibrante que o da garota ao sua frente. A menina tinha um rosto fino e um nariz reto, que combinava bem com o formato dos seus olhos verde-água. Ela possuía uma beleza crua, assim como seu idioma. Sasuke não conseguia ver o rosto do menino, já que ele estava de costas, contudo tinha certeza que sua cara seria tão desagradável quanto sua voz.

“Ich versuche, ihre Sprache zu sprechen, aber ich bin nicht sehr gut darin. Mein Akzent scheint ein Schwan Kreischen.” Ele deve ter dito algo engraçado por que a menina soltou uma risada alta e deu um tapinha no ombro dele. “Hey, nicht lachen mich Ino! Zumindest verstehe ich, was sie in der Klasse sagen.”

Com isso o garoto fechou a porta do armário dele e passou a mão nos cabelos amarelados. A garota deu um sorriso para ele, mas fechou a cara em uma careta séria.

“Fragen Sie nach einem Tutor. Für ihn lehren, wie man besser Englisch sprechen.”

Pelo tom da voz dela, ela devia estar dando uma bronca nele, não que Sasuke poderia distinguir um grunhido de bronca de um de felicidade. O menino do outro lado do corredor levantou as mãos em sua frente e as abanou rapidamente, tentando apaziguar a menina.

“Ja, ja”.

Ela relaxou e deu outra risada antes de passar seu braço ao redor dos ombros do menino, bagunçando o cabelo dele mais ainda. Eles se viraram, provavelmente para se dirigirem ao refeitório. Sasuke fechou seu armário de trancou o cadeado, desviando os olhos dos dois. Entretanto, antes deles passarem por Sasuke, ele espiou pelo canto do olho, tentando ver o rosto de menino.

A primeira coisa que viu foram as cicatrizes. Três riscos em cada lado do rosto, esbranquiçados, porém não muito profundos para deformar o rosto dele. A segunda coisa foram os olhos; azuis celeste, intensos, vibrantes e encarando ele.Espera, o quê?

O garoto o encarava enquanto passava pelo bebedouro, seus olhos sem expressão nenhuma, mas ainda com uma intensidade assustadora. Parecia que ele conseguia ver através de todas as barreiras que cada pessoa possuía e deixa-la nua diante de si.

“Hey, Naruto. Komm, lass uns gehen Shikamaru finden. Ich möchte Sie auch jemanden vorstellen.”

Naruto desviou o olhar rapidamente e seguiu a menina loira sem olhar para trás ou, bem à falar, para Sasuke novamente.

“Oh, zu beruhigen Ino!”

*****

Segunda-feira, 05 de Agosto de 2013.

13h00.

O refeitório estava lotado, a conversa zumbia por todos os cantos e deixavaa cabeça de Sasuke ainda mais dolorida. A bandeja de comida que carregava parecia pesada aos seus dedos frios, mas ele continuou andando enquanto escaneava as mesas.

“Sasuke!”

Temari acenou para ele, do outro lado da cantina, depois voltou a se sentar ao lado de Gaara. Apressou seu passo e se sentou ao lado de Deidara, praticamente jogando a bandeja na superfície metálica.

“Wow, cara.” Deidara se queixou. “Hummn, alguém está irritado.”

Sasuke grunhiu e pegou o sanduiche de queijo, mordendo ferozmente um pedaço.

Temari soltou uma risadinha e apoiou o queixo nas mãos entrelaçadas.

“Alguma coisa aconteceu hoje, Sasusu?” Ela perguntou, passando os olhos pela multidão de adolescentes. " Você demorou para chegar aqui."

“Não me chame assim.” Sasuke sussurrou friamentee voltou ao seu sanduíche antes que explodisse em cima dela.

“Hummn. Então algo aconteceu mesmo, huh!?”

Todos da mesa o olharam curiosos, tirando Gaara - é claro. Sasuke suspirou, mostrando sua insatisfação.

“Eu vou ter que ser tutor de umdeles.”

Temari, que estava bebendo seu suco de laranja, engasgou e cuspiu o líquido na cara Kankuro. Deidara soltou uma gargalhada e deu um tapa nas costas de Sasuke.

“Ah, doce ironia da vida.”

Sasuke grunhiu de novo e se segurou para não socar o loiro ao seu lado.

Apenas imagino quem vai ser o idiota que precisa de mim.