Dalet escrita por Monique Ruffles


Capítulo 5
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora.
Boa leitura...



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Quando chegamos todos a cabana tive que usar a primeira mentira que veio a mente quando Maser perguntou como achamos aquela cabana e Cassiz inocentemente disse que minha mãe havia me guiado até ela. O melhor que surgiu foi que eu me lembrava vagamente que minha mãe havia dito quando eu era mais nova que ela havia trabalhado para um casal Alef na floresta antes de se casar. Isso pareceu convencê-los por hora.
Ver Maser e os outros andarem pela cabana me irritou, mas me senti aliviada por lembrar de ter queimado todos os papéis e livros que tínhamos ali para limpar a cabana e por ter escondido a Hundrix em uma larga fissura logo abaixo da minha cama. Não queria que Maser achasse algo ali que liga-se a minha mãe a algum Alef.
Depois de acomodá-los e alimentá-los com um gato selvagem que Cassiz havia caçado decidi que era hora de ir para o meu quarto e pensar no que os garotos haviam me metido.

Me joguei na cama macia e esperei que o lençol me sufocasse e eu morresse ali sem precisar ir para alguma missão suicida.
A paz era tão palpável que eu a peguei e a deixei esfarelar em minhas mãos.

–Eu tinha razão. - Ouvi a porta se abrir e a voz de Idrian preencher o quarto. Eu não o queria aqui e talvez se eu ficasse em silêncio ele fosse embora. - Você está irritada por ter aceitado a causa dos Ignorados.

–Irritada? - E o plano de ignorá-lo, literalmente, foi descartado. - Eu estou furiosa. - Me sentei na cama tentando esquecer o quanto era inadequado estarmos sozinhos no quarto com a porta fechada, mas não era hora para regras de bons modos estúpidas. - Eu fui praticamente induzida por pressão... Com certeza apelar para "seu pai estaria orgulhoso de você" foi a coisa certa a fazer... Ele nunca esteve orgulhoso de mim, Idrian. Ele nem falava comigo... Ele me odiava.

Eu não tinha realmente pensado nisso até as palavras virem a minha boca e Idrian desviar os olhos como se soubesse daquilo só piorou ainda mais a situação.

–Você não vê que sentimento eles causam em mim e em Cassiz... E em todos que confiam neles? - Eu queria gritar que não conseguia ver nada além de morte, mas me segurei para não chamar a atenção dos outros. - Sabe quando você olha para o céu e vê nuvens negras e sabe que irá chover... Algo dentro de você diz que a chuva irá chegar em algum momento e você a espera porque... Ela irá chegar e assim você poderá encher os barris de água para não morrer de sede. - Era vago, mas entendia o que ele estava falando. - Ou quando seu pai dizia que você não tinha uma resposta, mas que era para ser paciente e esperar... E eu esperava até a próxima vez e ele dizia a mesma coisa. Esse sentimento não diminua, na verdade só aumentava cada vez mais, porque eu sabia que um dia você seria minha. - Idrian se sentou na beirada da cama e nossos olhos estavam presos um no outro. - Maser disse que isso se chama esperança e é isso que ele quer espalhar pelos distritos... Esperança para todos que querem se ver livres de Rhadas.

Eu sabia o que era aquele sentimento, mas nunca havia ouvido aquela palavra... Esperança.
Era uma palavra bonita e combinava com o seu significado.

–Você não acha que é algo grandioso? - Eu estava tentando soar racional, mas Idrian além de ser bom em convencer as pessoas, era bom em ser fiel a seus ideais... Era uma discussão em vão. - Convencer as pessoas a terem esperança...

–Não precisamos. - Ele se aproximou diminuindo o espaço entre nós e pegou minha mão que descansava em meu colo. - Elas já nascem com isso, só não sabem lidar com ela... Elas as joga de lado e obedecem cegamente o governo, mas não mais June... É a nossa chance de ir contra isso, de lutar...

Então eu parei de escutá-lo e fiquei observando o seu rosto forte e cansado.
Eu já tinha dado a entender a Maser que estava do lado deles, mas Idrian preferiu me convencer... Ele se preocupava comigo e com o mundo lá fora.
O mundo lá fora... Estávamos prestes a tentar libertá-lo. Mas isso não me acalmava, ao contrário... Só me enchia de pavor.
Era uma discussão em vão.
Mesmo que pudesse ficar, eu não o faria. Não deixaria ele e Cassiz irem, já que eram as únicas pessoas achegadas a mim que restaram.

–Eu já aceitei a causa, Idrian. - Sua mão era quente e áspera, uma combinação que me confortava. - Eu só... Estou irritada.. Por terem usado o meu pai para me recrutarem.

Ele pareceu acreditar na mentira e eu não tentei reforçar a ponto de parecer desesperada para que acreditasse em mim.
Mas ter aceito a tal causa não anulava o fato de que no fundo eu sabia que estávamos caminhando para a morte.
Quem em sã consciência, com esperança ou sem, iria contra o governo... E contra um sólido sistema?
Pelo visto os Ignorados não se importavam muito em saber sobre isso.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Na manhã do dia seguinte nossa jornada como novos membros dos Ignorados começou e tivemos que deixar a cabana.
Devíamos ser treinados no campo de treinamento mais próximo para as novas situações que iriam surgir, já que estávamos lutando contra o governo. O campo ficava a três dias de distância, na fronteira de Rety com Cherbill. Muito longe de casa e da paz palpável.

No caminho encontramos um acampamento na floresta, onde Maser e os outros estavam antes de nos encontrarem, e mesmo sabendo de que somos muitos, foi surpreende me deparar com a quantidade de pessoas ali.
E todos colaboravam para alguma coisa. Alguns preparando o alimento, outros treinando, algumas mulheres estavam brincando com as crianças e percebi um grupo fabricando armas com os recursos da floresta.
Eu podia ver as marcas de alguns em seus pulsos e era espantoso ver Alefs, Bets e Gimels juntos de Dalets. Eles tinham uma boa vida, não haviam motivos para lutarem... Ou havia?

–Imagina isso no mundo inteiro. - Cassiz sussurrou para mim enquanto olhava abismada para aquilo tudo. - Ninguém aqui se importa com castas e com a NLU... Isso é o que os Ignorados podem proporcionar.

Por mais que eu estivesse presenciando o quanto todos podiam viver em harmonia, eu era esperta o bastante para saber que aquilo tinha um preço. Alguém teria que se sacrificar pela a esperança do "mundo lá fora" e esses iriam acabar morrendo.

Maser nos apresentou a todos, eram pelo menos umas trinta pessoas ao todo, e quando pensei que nada me surpreenderia mais, percebi que alguns não tinham a marca... Eram Hês. Fiquei tentada a perguntar o que eles eram antes de serem recrutados, mas para a minha tranquilidade talvez fosse melhor não saber se algum ali era um assassino.
Nós recebemos tendas individuais e roupas novas... Mais discretas do que as que tínhamos na cabana. Maser não queria chamar a atenção com roupas Alefs e então resolvemos deixá-las.
Maser me designou para cuidar das crianças, enquanto Cassiz e Idrian iriam caçar. O que me irritou foi saber que Cassiz contou a ele que minha mãe havia nos ensinado a ler e a escrever, não só Hebrain como também Inglês, o que fez Maser nos designar para também ensinar os outros quando chegássemos no campo de treinamento.
Partiríamos cedo no dia seguinte, mas a tarde iríamos acampar pois as crianças precisavam se sentirem seguras a noite. Com isso a viagem demoraria mais alguns dias, talvez cinco. O que ajudou muito em meu humor... Estávamos adiando o inevitável. Quando chegássemos no campo de treinamento, seríamos preparados para lutar.
Adiando o inevitável.
Essa frase não parava de se repetir em minha mente.

Assim que sai da minha tenda fiquei por um tempo estática tentando entender como em pouca semanas tudo havia mudado.

–Eu sou Dallas Minrose. - Assustei com a voz estridente me chamando para a realidade e olhei para baixo fitando uma pequena garotinha de cabelos loiros e com um sorriso faltando alguns dentes.

–Eu sou June Brabourne. - Me agachei para ficarmos no mesmo nível e reparei que em seus rosto haviam alguns arranhados sendo cicatrizados. - Prazer em conhecê-la Dallas.

–Peguei essa flor para você. - Ela tirou sua mão de suas costas e me ofereceu a flor roxa que eu nunca havia visto em minha vida. - Achei que você gostaria.

Peguei a flor e imediatamente a cheirei sentindo sua fragrância doce. Era estranho conversar com uma criança já que tínhamos poucas em Rety e elas raramente agiam como crianças e sim como pequenos adultos.

–Não perturbe a novata, Dallas.

Me virei para a voz e vi um rapaz alto e moreno caminhando em nossa direção. Ele parecia ser um pouco mais velho do que e suas rugas perto dos olhos evidenciavam minha suspeita.
Ele lançou Dallas no ar e a colocou por cima de seus ombros e era interessante, e confortável, ouvir sua risada de criança. Meu pai nunca havia feito aquilo comigo e por um segundo senti uma pontada de inveja.
Ela protestava para que ele a soltasse e ele o fez quando ouvimos alguém a chamando de longe.

–Cuide bem da flor, June. - Ela me deu um aceno e saiu correndo em direção a uma tenda grande no meio do acampamento.

Apertei a flor em minha mão e me senti um pouco desorientada. Era estranho estar com pessoas que nunca havia visto e pior ainda era receber mais carinho delas do que da minha família. Mas eu não os culpava, longe de mim... Eram os costumes.

–Eu esqueci de me apresentar. - O rapaz me tirou de meus devaneios e esticou sua mão para mim. - Sou Sebastian Kranj.

Quando apertei sua mão eu percebi sua marca, o que me assustou no primeiro instante. Ele era um Alef, mas estava distante de ser como os outros que conheci. Sebastian parecia gostar de Dallas e pelo o pulso dela, eu pude perceber que ela era uma Hê. Todos aqui realmente levavam a causa a sério.

–Sou June Brabourne. - Soltei sua mão e fitei a flor em minha mão um pouco envergonhada. - Dallas não estava me perturbando.

–Você é uma novata, talvez demore um pouco até se acostumar com pessoas de outras castas juntas. - O tom de voz gelado dele me fez fitá-lo e pude ver que toda a simpatia que ele mostrou com Dallas havia sumido. - Mas até lá... Não se sinta superior a ninguém.

Ele estava falando de Dallas e dela ser uma Hê. Eu entendia o motivo dele protegê-la, mas estava dando o aviso para a pessoa errada.

–Eu sou uma Dalet. - Eu estava guardando várias coisas dentro de mim e Sebastian piorou quando tomou uma conclusão errada. Infelizmente ele deixou a última gota transbordar o copo e infelizmente o que eu tinha a fazer era cuspir as palavras para fora. - Não sei se te ensinaram em sua escola Alef, mas estamos na base do grande triângulo que é o nosso sistema... Não há como nos sentirmos superiores. E quanto a Dallas, e a qualquer outro que seja um Hê, eu nunca me importei e não mudei de opinião. As pessoas são mais do que as marcas em seus pulsos ou a falta delas.

Antes que ele pudesse falar algo, eu voltei para a minha tenda e guardei a flor entre as cobertas da cama improvisada no chão.
As únicas coisas que eu havia trago da cabana eram Cassiz, Idrian e a Hundrix, então não tinha uma bolsa onde poderia guardá-la de forma segura.

–Então esse é o novo aposento de June Braborune. - Idrian entrou na cabana me pegando de surpresa e se jogando ao meu lado na cama. - Não é como a cama da cabana, mas também não é ruim.

–Você não deveria estar aqui. - Tentei fazer um olhar ameaçador, mas não saiu muito bem simplesmente porque queria ele ali. - Você sabe que as pessoas podem comentar sobre nós.

–Não estamos mais em Rety, June. - Revirar meus olhos não fazia mais efeito algum em Idrian, mas o fiz só para ele perceber que estava me irritando. - As pessoas se importam com outras coisas... Mais importantes.

O mais interessante é que elas realmente não se importavam. Eu estava lá fora conversando com Sebastian, um rapaz que acabara de conhecer, e ninguém olhou torto ou cochichou com a pessoa mais próxima. Bem, Hês estavam em nosso meio e não eram tratados como párias, talvez eu devesse aceitar o quanto mais fácil era ser um Ignorado.

Fitei Idrian e me deparei com seus olhos azuis me observando, o que me fez corar. Decidi falar algo, antes que aquilo ficasse ainda mais constrangedor.

–E então... Você descobriu o porquê do lenço no rosto?

Ele demorou um pouco para assimilar o que eu estava falando e eu até sorri por vê-lo gaguejando.

–Hã... Você está falando do... Falando do Maser. - Assenti tentando não rir e quase bati palmas quando consegui me controlar. - Uma vez perguntei isso ao meu pai e ele havia dito que o rosto dele é desfigurado. Alguma coisa sobre um repressor ter usado um lança-chamas em seu rosto e sobreviver por pouco... Ao o que parece também mataram toda a sua família.

Repressores. Eu os odiava profundamente.
Os guardiões eram usados apenas para guardar a cidade contra ataques de rebeldes ou só para mandarem a clara mensagem de que tudo estava seguro, os de mais alta patente eram Alefs e os que sempre iam morrer na linha de frente eram Dalets. Mas repressores eram muito mais que isso, eram Alefs treinados para torturar e matar qualquer um que fosse contra o governo, na verdade nem precisava tanto... Se eles suspeitassem que você era um anti-Rhadatista, eles te matavam sem precisar de provas.
Infelizmente vi muitos morrerem assim e terem seus corpos pendurados na praça central de Rety, apenas para serem exemplos.

–Com certeza esse é um dos motivos dele estar indo contra Rhadas.

–Qualquer um iria fazer isso, June. - Balancei a cabeça tentando não pensar em Idrian desfigurado como Maser.

–Os rebeldes fizeram conosco...

–Somos Dalets. - Idrian se aproximou com um tom de voz sério e gelado. - Somos acostumados desde sempre a não nos atormentarmos com a morte... Você sabe o quanto ela se faz presente em nossa vida.

Ele estava tentando me enganar.
Eu conhecia Idrian tempo suficiente para saber que ele estava escondendo algo de mim e eu podia deduzir muito bem o que era.

–Assim que você tiver oportunidade você irá atrás deles, não é mesmo? - O fato dele arregalar os olhos só confirmou o que eu já sabia. - Eu poderia pedir para você não fazer isso, mas... Se você tiver a oportunidade, mate todos.

–Eu vou.

Não era hora de falso moralismo. Não se pode esquecer o fato de sua cidade ser dizimada por rebeldes e aceitar que não pode fazer nada.
Eu os queria mortos, mas antes queria que eles fossem torturados para sentirem metade da dor que estávamos sofrendo. E mesmo depois de mortos, infelizmente eles não iriam curar essa dor. E teríamos que aprender a conviver com ela.

–Sabe... Um dia eu quero voltar para a cabana. - Se eu pudesse fazer uma lista de qualidades sobre mim, "mudar de assunto quando é preciso" estaria no topo. Eu só queria um assunto leve e descontraído. - Os dias que passamos lá era como se não fossemos Dalets, apenas pessoas vivendo tranqüilas em um lugar.

–Eu também gostei da cabana. - Idrian se encostou na tenda e me puxou para o seu lado me fazendo descansar minha cabeça em seu ombro. Tão pacífico novamente. Foi num piscar de olhos que percebi que a paz era palpável quando ele estava comigo criando uma bolha onde nada lá fora entrava para nos cutucar, machucar, irritar e atrapalhar. E eu faria de tudo para essa bolha não estourar. - Parece ser um bom lugar para viver.

–Minha mãe gostava dela. - Lembrei de como ela sorria na imagem da Hundrix e tentei lembrar se já tinha a visto sorrir daquele jeito, mas não consegui. - Fico me perguntando sobre o que aconteceu... Com o Alef.

–Talvez ele percebeu que era algo inviável e preferiu se afastar do que a morte dos dois... Ele deve pensar nisso todos os dias e lutar contra a vontade de voltar a cabana. - O aperto da mão de Idrian em meu ombro se intensificou e me senti reconfortada por ele, apesar de saber que ele estava mentindo. Possivelmente o Alef está em algum lugar do Centro se importando apenas com seus negócios e nem se passa pela sua mente sobre minha mãe ou qualquer outra Dalet.

–Isso parece ser algo que você faria. - Apesar de odiar Idrian antes, eu sempre soube que ele tinha um coração nobre. Nobre o bastante para ter esperança de vez após vez buscar por uma resposta minha... A que ele nunca teve.

–Qualquer um que verdadeiramente ama a outra pessoa faria isso.

–Até pedir a benção do pai da garota tentativa após tentativa por uma resposta?

Eu o encurralei, mas não era a minha intenção. Eu só queria saber até onde ele iria por mim... Se isso era um amor verdadeiro ou um amor de Alef, que dura até conhecer alguém mais interessante.

–Até quando a resposta é "não".

Eu não consegui me conter e levantei meus olhos querendo captar cada traço de Idrian tentando decifrar se ele estava mesmo falando a verdade.
Quando meus olhos negros se prenderam em seus olhos azuis, era como se eu tivesse perdido o chão e estivesse suspensa no ar. Nunca entendi sobre a história de metade de frutas ou sobre pessoas serem idênticas interiormente, mas eu achava que nós nos pertencíamos de alguma forma.
Só me arrependendo de ter percebido isso um pouco tarde.

–Idrian... Eu posso te beijar?

Eu esperava que ele parecesse surpreso, mas isso não aconteceu. Ele só abriu um sorriso tímido e contido.
Ele sabia desde o começo que eu iria pedir sua permissão em algum momento, estava preparado para isso. Talvez ele sempre soubesse que isso iria acontecer. Ele tinha esperança.

Idrian aproximou lentamente seu rosto do meu e diferente do nosso primeiro dia na cabana eu não deixei meus olhos abertos, o imitando eu os fechei e esperei o toque de seus lábios nos meus e não demorou para essa sensação chegar.
Seus lábios eram úmidos, quentes e urgentes o que me fez pensar que os meus também deveriam ser assim para ele. E logo depois eu não pensavam mais em nada.
Foi nesse momento que ele rompeu o beijo, me deixando desejando por mais.

–E essa é a sensação de quando beija alguém que se ama, June. - Voltei a encostar minha cabeça em seu ombro enquanto colocava meus pensamentos em ordem. - Nunca é o suficiente... Você sempre quer mais.

–Eu estou pronta. - Entrelacei meus dedos nos de Idrian e mesmo confusa deixei as palavras saírem da minha boca antes que pudesse impedi-las de sair. - Sim é uma palavra bem fácil.

*-*-*-*-*-*-*-*

Acordei assustada com o barulho de pessoas gritando desesperadas e também pude perceber choro de crianças. Por instinto eu me levantei rapidamente e sai da tenda o mais rápido que eu pude. E fiquei sem reação pelo o que vi.
Não era um ataque, eram pessoas abraçadas lamentando por algo.

–É melhor você entrar. - Eu nem havia reparado que Cassiz estava ao meu lado tentando me empurrar para dentro da minha tenda. - Você não quer participar disso.

–O que está acontecendo, Cassiz?

Eu tentava me desvencilhar para ver melhor e entender porque as mulheres e crianças estavam chorando, até que vi alguns homens com pás e outros carregando sacos em seus ombros e que pareciam bem pesados.
Me dei por vencida quando percebi que aquilo era triste demais para se observar. Mas mesmo dentro da tenda era excruciante ouvir o choro.

–Maser havia mandado cinco homens para uma missão... Apenas dois voltaram vivos. - Eu já havia deduzido aquilo e ter a confirmação só me deixou mais aflita. Não era preciso esperar chegar no Campo de treinamento para morrer, aqui no acampamento já estava acontecendo isso. - Eles estavam decidindo se iriam levá-los ou enterrar aqui... Decidiram que seria muito doloroso para as crianças levá-los.

Para mim seria no mínimo perturbador, mas era a decisão deles e não a minha.

–Onde está Idrian?

Eu sabia que ele havia ficado comigo até eu adormecer e possivelmente estava em sua tenda, mas quando Cassiz desviou o olhar eu soube que havia algo errado.

–Ele está com Maser.

Foi sua palavra final.
Ele nem esperou que eu falasse mais alguma coisa e saiu da tenda me deixando sozinha.
Alguma coisa estava errada. Eu podia sentir que algo ruim estava vindo de encontra com a paz que emanava quando eu estava com Idrian.

Deitei na cama improvisada e tapei meus ouvidos com a mão tentando bloquear o som do choro.
Aquilo era novo para mim... Pessoas chorando tão abertamente sobre a morte de outras. Quando alguém morria, nós apenas enterrávamos e não chorávamos na frente de outros. A morte era algo natural e todos um dia iriam morrer... Não tinha porque lamentar por aquilo. Não iria trazer a pessoa de volta a vida.

Depois de algum tempo o choro cessou e até pensei em ir lá fora procurar Idrian, mas decidi que o melhor seria esperá-lo na tenda. Não queria que ele pensasse que eu o estava sufocando-o ou algo parecido. Mas minha preocupação estava ali presente, me torturando e querendo saber porque Cassiz havia sido esquivo quando o perguntei sobre Idrian.

–June.

Ouvi a voz de Cassiz e me virei para a abertura da tenda e o vi com o que parecia ser uma bolsa em suas costas.
Eu me mantive calada, estava com medo de fazer perguntas e ter respostas que eu não gostaria ouvir.

–Eu sei que isso não era esperado, mas Maser me designou para uma missão. - Eu queria agarrá-lo e não o deixar ir, mas eu estava sem reação alguma. - Eu sei ler e isso será de ajuda para colher informações e... Devemos acabar o que os Alefs que morreram hoje começaram.

Não era como se eu pudesse fazer alguma coisa.
Cassiz iria mesmo se eu o impedisse de todas as maneiras possíveis.
Fiz o que uma Dalet faria... Aceitaria sem questionamentos.

–Só volte vivo, por favor. - Me levantei tentando segurar as lágrimas que queriam escapar de meus olhos, andei confiante até ele e o abracei. Raramente nos abraçávamos, nossos pais nunca nos incentivou e nunca nos esforçamos para isso. Fiz uma nota mental de que deveríamos fazer isso mais vezes. - É só isso que eu te peço.

–Eu vou voltar. - Ele me envolveu em seus braços e beijou o topo de minha cabeça. - Eu preciso ir, os outros estão me esperando.

Cassiz se afastou gentilmente e me deixou sozinha novamente na tenda.
Era a primeira vez em todos esses anos que eu realmente me senti só. Pela minha criação, aquilo não deveria me atingir, mas nunca se está preparado para os sentimentos que surgem... Invejo agora os robôs que Rhadas possuem, as histórias dizem que eles não possuem qualquer sentimento. Isso seria um sonho para mim nesse momento, não sentir esse aperto estranho no peito.

Me joguei na cama e achei entre os lençóis e cobertas a flor que Dallas havia me dado mais cedo. O cheiro era adocicado e suave o que lembrava muito o jeito de Dallas, apesar de sua voz estridente.
Eu tinha esperança, acho que essa palavra se encaixa nisso, de que ela não estivesse entre as crianças que estavam chorando. Eu sabia que nem todos que estavam lamentando lá fora eram Alefs, mas não entendi totalmente o motivo de Dalets e Hês chorarem por eles.
Talvez fosse mais do que pela causa, talvez fosse pelos laços criados através do tempo. Eles morreram tentando nos proteger e nos dar um futuro melhor. Era justo lamentar pela morte deles.
Guardei a flor novamente entre os lençóis e fechei os olhos aceitando o cansaço do dia. Agora meu objetivo era esquecer que Cassiz estava indo em uma missão e que qualquer coisa poderia acontecer com ele.
Como eu queria que minha mãe nunca tivesse entrado em minha frente... Aquela flecha era para mim e por não tê-la recebido como era o suposto, algo estava me castigando por isso.
Nunca ansiei tanto por uma flecha em meu coração como agora.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo capítulo.



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