Eternamente...

“Olho para frente e não te vejo. Meus olhos, vazios, tristes, ficam a observar a lua, sempre a iluminar o amor de todos, a brilhar, impotente, sobre nós. E fico a pensar porque não fora diferente? Porque fomos diferentes? Quem, o quê, nos faz diferente de todos os outros, que sorriem, sempre felizes pela benção que é ter um ao outro? Porque eu e você não podemos viver juntos? Porque o destino nos separou, daquela maneira cruel, se tantos outros passaram por impasses maiores que os nossos?

Aqui despejo toda a minha angústia, minha tristeza, minha ausência de vida... Minha falta de alma. Não me sinto real, me sinto apenas uma casca vazia, sem alma, o que, de certa forma, sou. Mas sinto meu coração vazio, e olho pra trás, pensando em como eu já fora. Minha vida nunca fora das melhores, mas eu era viva, eu era real, e não um fantasma. Meu coração estava repleto de amor, e agora, sinto-o vazio, há uma ferida nele que o tempo não pôde curar ou apagar.

Paro em frente ao lago, e observo minha imagem, em busca de respostas... Se ao menos eu pudesse falar com meu coração, com meu eu, com minha alma... Mas é impossível, apenas observo aquela imagem, fria, morta, aquele fantasma do passado, a olhar-me, friamente. Não há mais brilho em mim, não há mas o antigo vigor, a antiga beleza que eu possuía. Não há mais calor em mim.

Levanto-me, de nada adianta lamentar-me ao leite derramado. O que passou, passou, e nada pode mudar. A angústia me acomete, e não resisto ao impulso de sentar-me, recostada a uma árvore, e refletir sobre o que eu fizera de tão errado... O que eu estava pagando, afinal de contas?

Meus olhos se focalizaram no céu, estrelado, que se exibia sobre minha cabeça. Nada mais havia de belo em mirá-lo, já que meus olhos não mais queriam vê-lo. Eu só queria ver uma pessoa, e essa pessoa era você, meu amado. Metade de meu coração está contigo, seja lá aonde estiver... Eu prometi que viveria ao seu lado, mas algo me negou esse privilégio... Alguém, falando francamente. Ainda não posso crer no nível do erro que cometi, ao ser tão boa.

Salvar aquele homem, esse foi meu erro... Porque eu haveria de ser tão ingênua e tola? Havia, afinal, algum motivo real pra eu ajudar aquele pecador? Afinal, eu deveria tê-lo deixado morrer, e deixado de cumprir a missão de sacerdotisa, por amor? Tantas coisas os seres humanos fazem por amor, estaria eu errada em salvar um pobre homem, mesmo que esse fosse um ladrão, como tantas outras sacerdotisas teriam feito? Então, qual fora meu grande erro, afinal?

A reflexão era muito torturante... Eu me lembrava dos nossos momentos felizes, os mais felizes de minha vida. Em especial, havia um que eu sempre considerei o mais importante... Aquele dia, no barco, lembra-se? Fizemos o juramento de que você se tornaria humano por mim, e que eu me tornaria uma mulher normal, com o desaparecimento da Shikon, e, por fim, viveríamos juntos para sempre, como um casal. Selamos aquela promessa com um beijo, beijo eterno, marcado em meu coração, com ferro em brasa.

Daquele brilho nos seus olhos, nunca irei me esquecer... Acreditei em ti, e tu acreditaras em minhas palavras apaixonadas. Então, consideramos o destino selado, por fim, em alegria incondicional, e acreditamos, mutuamente, no compasso de nossos corações, batendo como apenas um. Meus olhos nos teus, minha boca na tua... Ninguém poderia dizer que haveria de se tornar tão dolorosa aquela bela cena.

Foi na manhã seguinte... Dado o momento marcado, meu coração parecia explodir de felicidade, enquanto esperava-te, sem palavras pra definir tão incomensurável alegria, completamente desmedida. Só conseguia me lembrar do beijo que havíamos trocado, e sentia-me alegre, apaixonada... Decidi usar o creme labial que me dera, como prova de minha devoção a ti.

Então ele apareceu. Aquele ser desprezível, atacou-me pelas costas, em ato covarde, e alegara que causaria ainda mais destruição, quando me desse as costas. E ele se fora, exibindo seu corpo, sua imagem, mas não teu olhar. Mesmo com isso, me enganara, daquela maneira tola. Eu só pude ver a raiva, o ódio que separa os humanos dos Youkais, ou mesmo dos Hanyous, como você. Só pude distinguir traição, ódio, desejo de vingança rápida e total. Meus olhos faiscaram de ódio, e meu coração se corrompeu, com a desconfiança, comum a minha espécie, humana. Rumei até o vilarejo, e lá vi o que ele fizera. Me dirigi, então, a floresta.

O encontrei lá, a Shikon no Tama nas mãos, os olhos dourados vislumbrando apenas ódio, assim como os meus. Hesitei, por um instante. Não era você, não era o InuYasha que me dissera palavras doces, amáveis, na tarde anterior. Eu havia confiado a ti meu coração, confiado a ti minha vida, minha alma. A traição era muita, e a suspeita de tamanha falsidade encheu-me de ódio.

O amor em meu coração não havia se apagado, e jamais se apagará. Lancei-lhe aquela flecha, última de minha existência humana, uma Flecha Lacradora, na Árvore que Transcende as Eras, a Goshinboku, onde eu sabia que você não deixaria de existir jamais. Meu amor era tamanho, que nem em meu último suspiro, fui capaz de matá-lo, amava-te, ou melhor, amo-te, com todas as minhas forças.

A desconfiança, esse fora meu erro... Ou não? Quem sabe isso não é mera obra do inevitável, da sorte, ou de qualquer outra coisa? Brincadeira do futuro, do destino, ou seja lá como é chamado pelos humanos. Apenas posso constatar que nada de errado havia conosco, éramos apenas pessoas que desejavam a mesma coisa, uma vida comum, sem lutas, sem ter que fugir de tudo e todos, sem tantas responsabilidades e fardos.

As lágrimas percorrem meus olhos e mancham essa carta, ao pensar no passado, na alegria de tê-lo a meu lado. Rever o passado só me trazia sofrimento, me fazia pensar em porque não pudera continuar como estava. Naraku não poderia procurar a outro pra importunar? Porque justo nós, só por causa dessa maldita Jóia, que só causara dor e desgraça? Nunca encontrei ou encontrarei qualquer explicação, mesmo porque não há explicação pro inevitável. As coisas são porque são, e nada pode mudar o passado ou o futuro, apenas o presente...

E é justo por isso que escrevo essa mensagem. Eu quero mudar meu presente, quero mudar nosso presente. As letras são escritas ansiosamente e manchadas pelas lágrimas, que me teimam a escorrer pelos olhos. Mesmo que eu não seja mais a mesma, mesmo que eu não tenha mais vida, quero que você seja feliz. Não quero mais torturar-te, minha angústia não pode ser mais a tua, decidi acabar com a tristeza que sentimos.

Decidi não mais te perseguir, não mais estragar sua vida. Meu tempo parou, mas não o teu, InuYasha, quero que seja feliz, mesmo que pra encontrar a felicidade eu tenha que partir. Deixo esta carta como explicação para ti, não se assuste, a casca morta que eu sou deixara de existir, e o dia iluminara sua vida. Quero que seja feliz, só ou com a reencarnação de minha alma, que ama-te tão profundamente quanto eu.

Desejo-lhe a mais intensa felicidade. Supere a minha perda, supere tudo o que já fizera, você merece toda a alegria que puderem te dar, você merece a vida que eu não tive tempo de te dar. Em meu coração, tua imagem ainda é a mais importante, teus olhos supremos, tua voz soberana. Mas é a hora de partir, e não quero leva-lo comigo, arrasta-lo para o inferno pelas injustiças e tristezas que eu cometi.

Apenas o amor poderá curar-te. E você o tem, sempre a seu lado. Você terá a mim se olhar pra Kagome, no fundo da alma dela, é lá que eu estarei, olhando pra você... E no fundo de seu coração, guarde minha imagem, então você me terá, como sempre deveria ter sido. Guardada no fundo de seu coração. Acredite, eu sempre estarei com você, e meu coração será sempre o teu. Eternamente...”

Kikyou