A Princesa da Noite escrita por Jenny Camui


Capítulo 1
Vida de morte




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Há horas estava parada na mesma posição, mirando a enorme lua branca que mudava de posição a cada segundo.  O luar batia contra as águas negras do lago, as águas sem vida alguma. Todos os animais e plantas morreram há tempos, junto à alma da princesa. A princesa da noite. A princesa das trevas. Por mais que o tempo passasse, não se movia. Não piscava. Não respirava. Apenas esperava. Esperava para que seu sofrimento se acabasse. Não agüentava mais essa morte disfarçada de vida. Por mais que continuasse a existir, já havia morrido há muito tempo.

 

A princesa da noite. Ela era incrivelmente linda, homem algum podia resistir ao seu olhar felino. Nunca sorria. Sua alma carregava muitos fardos, muitas mortes. Em sua maioria causadas por si mesma. Ela chegara a desejar essa vida um dia. Uma vida onde não envelhecia, não morria. Seria jovem e bela por toda a eternidade. Teria todos os homens aos seus pés e poderia pisar neles. Ela sempre foi arrogante. Talvez isso fosse um castigo, uma maldição de sua meio-irmã invejosa.

 

A princesa das trevas. Seus cabelos vermelhos como o sangue eram lisos como o linho, indo até o meio das costas. Estava sempre vestida em longos vestidos pretos, negros como a noite em que vivia. Sua pele pálida era muito bonita e suave, mas gelada como uma pedra de gelo. Os olhos. Os olhos nunca mais foram os mesmos. Antes, dotados de um castanho claro esverdeado, agora eram carmim. Uma vampira. Uma das criaturas negras que surgiram das profundezas do inferno há milênios. Foi ela quem quisera isso. Ele nunca a obrigou. Deu-lhe a escolha entre a vida e a morte. E a princesa escolheu a morte.

 

E, quando optou por ela, não foi apenas a morte de sua alma. Foi obrigada a ver todos morrerem ao seu redor. Seu velho e doente pai, a quem ela destinava todo o dinheiro que ganhava vendendo seu corpo; sua madrasta, aquela a qual sempre odiou, mas que agora sente falta; sua meio-irmã, que sempre a invejou pela beleza; seu único amor, o qual perdeu antes mesmo da morte. Perdeu devido sua arrogância, devido sua luxúria. Preferiu uma vida promíscua, de festas e bailes a viver com ele. Todos morreram. Ninguém que a amasse existiu depois disso.

 

Passou a viver sozinha, dormindo o dia todo em seu caixão com forro roxo, saindo apenas à noite para caçar, causando mais mortes que pesavam em sua alma. Não tinha um companheiro com quem dividir suas fraquezas, suas tristezas. Não tinha amigos. Há alguns séculos conheceu um vampiro que jurava lhe amar, mas seu amor pelo outro que morrera há muito tempo a impediu de tentar encontrar a felicidade. Era uma maldição, ela nunca iria ser feliz. Viveria infeliz eternamente e, se morresse, sua alma iria para o inferno, de onde nunca deveria ter saído.

 

E, quando único a quem amou pereceu, ela tentou se matar. Atirou-se do alto do morro mais alto que conhecia. Caiu. Apenas o que aconteceu foi criar uma cratera no chão, exatamente onde caíra. Ela não podia morrer assim. Era parte dessa maldição. Eram poucas as maneiras de morrer. Conhecia algumas. Tentou tirar a própria vida com uma estaca de madeira, mas não tinha forças para cravá-la fundo o suficiente e apenas ficou agonizando de dor por algum tempo.

 

Então resolveu continuar com a morte que levava. Até que cansou-se, e agora espera o amanhecer. Para acabar com o sofrimento de sua alma. Talvez ela ainda tenha uma chance de ir para o céu. Encontrar o pai, o amor de sua vida, Deus. Alguém que diga que a ama, que tudo vai ficar bem. Que não precisa se preocupar. Mais algum tempo de espera, imóvel como sempre, e a princesa avistou os primeiros raios de sol surgirem no horizonte. A pele sensível começou a arder, mas manteve-se firme. Ela estava decidida. Alguns morcegos voaram contra ela, gritando coisas como: “Cuidado, princesa!” ou “Irá morrer!”. Ela moveu-se finalmente, dando alguns tapas neles para que saíssem de seu caminho.

 

Voltou a ficar imóvel, encarando a esfera de fogo que subia no horizonte. Nem foi preciso muito tempo para que as queimaduras começassem a aparecer. A princesa das trevas gritava de dor, agoniava, mas permanecia no mesmo lugar. Do vermelho, as marcas tornaram-se negras. Até que todo o corpo dela estivesse tão escuro quanto o vestido. Alguns segundos antes de seu corpo se petrificar, ela avistou o céu. Limpo e puro, onde seu pai estava curado, o rapaz ainda a esperava como um lindo jovem, não o velho doente que havia visto morrer. Seu rosto petrificado estava retorcido em dor, embora seu último sentimento tenha sido a felicidade.


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Notas finais do capítulo

13/10/2009