O portador da lua escrita por Daughter of Apollo, AAJ


Capítulo 8
O jogo do Caçador


Notas iniciais do capítulo

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Após finalizar sua história, Cristopher preferiu manter-se no mais completo silêncio. Até mesmo sua respiração estava sendo controlada, e isso não só o escondia ainda mais nas sombras como também perturbava ainda mais Selene por não conseguir localizá-lo no escuro. Ela sentia que o tempo a sua volta havia congelado. Não queria acreditar na sua história, pois isso significaria acreditar que quem estava na sua frente, escondido no escuro, quem havia a sequestrado… Era aquele monstro.

Queria fechar seus olhos e acordar na sua cama, como sempre. Queria acreditar que aquilo não se passava de uma história de contos de fadas para assustá-la, mesmo que a verdade estivesse gritante em sua frente. A chapeuzinho tinha medo da verdade, medo que, de fato, estava trancada num cômodo escuro com o lobo mau.

Suas mãos estavam fortemente agarradas ao lençol da cama como se estivessem segurando sua ultima linha de sanidade. Sentia um pânico crescente lentamente invadir sua mente e tomar conta de si. Olhava ao redor desesperada para encontrar Cristopher, mas não conseguia ver nada a sua frente por conta do escuro. Sua respiração descontrolada parecia ser o único barulho no cômodo, dando a impressão de que ela estava completamente sozinha ali.

Mas ela não queria estar sozinha. Ela queria voltar para os braços de sua mãe, queria estar na companhia tranquilizadora de Carmem e escutar seus conselhos, queria a proteção de Stefan… E talvez, bem no fundo de seu coração, também quisesse a estranha implicância de Cristopher. Queria tudo, menos a presença ameaçadora do lobo.

Um soluço alto escapou insconscientemente de Selene, que rapidamente cobriu sua boca com suas mãos trêmulas. Seus sentidos começavam a confundir-la e as alucinações causadas pelo pânico invadiram sua mente. Ela sentia o lobo a sua volta, caçoando de seu medo, saboreando seu pânico, brincando com seus sentimentos e sanidade. Desesperada, tentou se afastar da beirada da cama até sentir suas costas baterem contra a parede cheia de arranhões.

Não havia escapatória, estava a mercê do lobo e só o que podia fazer era chorar como uma garotinha assustada. Tentaria lutar contra ele, mesmo que qualquer esforço seu fosse inútil perante o lobo. Sabia que só havia escapado da ultima vez por pura sorte.

No entanto, como conseguiria lutar com ele se sequer sabia onde ele estava? As sombras o escondiam muito bem da visão humana de Selene, e ela não conseguia escutar um único barulho naquele cômodo que não fosse a sua própria respiração e seu coração acelerado dentro do peito.

— Crist-... Cristopher? — Chamou baixo com a voz embargada, incerta do que fazia. Parte de si queria apenas localizar o lobo para montar uma estratégia de fuga, mas havia uma pequena parte de si que apenas não queria enlouquecer em silêncio.

— Estou aqui. — A voz soou ao seu lado, tanto que a respiração dele batia em seu pescoço. Selene sentiu seu coração saltar dentro do seu peito de susto. — Não precisa ter medo. — Ao contrário do que ele disse, Lene levantou-se as pressas tropeçando pela escuridão até chegar ao que ela julgava ser a parede oposta. Tateava desesperada a parede procurando pela maçaneta. — As vezes eu me irrito com sua capacidade de me ignorar.

— Deixe-me sair. — Selene pediu baixo, socando a porta com a pouca força que tinha. — Deixe-me sair! — Dessa vez soltou um grito alto, agoniante. Tinha abandonado totalmente sua estratégia de fuga depois daquele susto.

— Eu gostaria de me explicar… — Cristopher disse um pouco sem jeito, alheio aos protestos de Selene como se estivesse preso em seu próprio mundo.

— Deixe-me sair! — Gritou novamente, tendo seu medo convertido em raiva.

— Eu escutei da primeira vez. — Selene parou de socar a porta, frustrada, e escorregou na parede até estar sentada no chão. As lágrimas escorrendo silenciosamente por seu rosto. — Queria me explicar… sobre a primeira vez que nos vimos.

— Não. — Ela pediu num fio de voz, mesmo sabendo que seria ignorada.

— Shh, está tudo bem. — Lene se assustou com a voz de Cristopher estando de repente tão perto. Manteve-se rígida contra a parede, sem saber para onde fugir de sua presença. — Você já está bem grandinha pra ter medo de lobo mau, sabia? — Aquele tom de voz não parecia com o típico sarcasmo. Na verdade, parecia até mais carinhosa e brincalhona.

Não que isso diminuísse o pânico da garota.

Cristopher estendeu a mão para limpar as lágrimas do rosto de Selene, mesmo sabendo que ela fugiria do seu toque, mas contradizendo seu pensamento a garota continuou parada, com a respiração pesada e os olhos marejados.

— Por favor, afaste-se de mim. — Pediu num fio de voz.

Cristopher recolheu sua mão com um gosto amargo na boca. Ela precisava ser sempre tão rude com ele?  

— Depois da maldição, eu comecei a ter... Perda de consciência. — Dessa vez sua voz soou mais distante da moça. Ele estava tão misturado as sombras a sua volta que ela não sabia dizer de onde a voz vinha. — É como ter um desmaio: a visão escurece, você não consegue mais identificar os sons a sua volta, e finalmente seus sentidos te abandonam por completo. Quando eu “acordo”, estou mergulhado em sangue, e quase sempre estou num lugar desconhecido. — Selene sentiu seu corpo arrepiar-se com a menção de sangue. Lembrava-se de ver o lobo pulando com a boca arreganhada no pescoço de um dos caçadores, rasgando-o com brutalidade. Balançou sua cabeça tentando espantar as más lembranças, mas sabia que jamais esqueceria tais visões. — Acontecia poucas vezes no início, mas conforme o tempo passou a frequência de perdas de consciência aumentou de uma forma tão absurda que logo o humano e o lobo tornaram-se um só. — Fez uma pausa, esperando alguma reação de compreensão da garota, mas não aconteceu. Um pouco incomodado, continuou sua explicação: — Naquele dia, você contemplou minha pior face, em que o sadismo humano se misturou com os instintos de lobo. Tudo somente piorava com a cor vermelha que carregava em suas vestes. — Admitiu. Adorava vermelho, mas o efeito era o contrário quando perdia a sanidade. — Depois daquele dia, minha consciência clareou-se e o lobo recolheu-se no canto da minha mente. Mas mesmo estando mais são e lúcido, eu não me arrependo do que fiz contigo.

Selene sentiu o ar que não havia percebido ter segurado saírem de seus pulmões de uma só vez. Levantou-se bruscamente do chão, mesmo não sabendo para onde deveria ir, e olhou firmemente para o escuro como se estivesse olhando para Cristopher.

— O que? — Pausa. — Como pode não se arrepender? Você amaldiçoou minha vida, meu nome, minha aldeia. Como tem coragem de dizer tão friamente que não se arrepende do que fez? Que não se arrepende de ter corrompido tudo o que sou, ter perturbado minhas noites, ter me perseguido em meus pesadelos? Como você pode me arrastar para cá e me obrigar a escutar sua explicação, se no final você não se arrepende de nada?

Cristopher sorriu, mesmo sabendo que ela jamais veria seu sorriso, e esticou sua mão até alcançar uma mecha dos cabelos da chapeuzinho. Enrolou-a no dedo indicador e depois se afastou.

— Pois se eu não tivesse amaldiçoado sua vida, perturbado suas noites, corrompido você... Jamais teria lhe conhecido.

— Pois eu preferia nunca tê-lo conhecido! — As palavras de Cristopher provocaram a raiva profunda que ela sentia do lobo. Socou o ar, esperando acertar o nada, mas acabou por atingir o peito de Cristopher. Não houve efeito algum devido a patética força do golpe, entretanto o ódio que Selene a fez repetir o ato várias vezes. — Você me atormentou por anos! Eu sonhava com você à noite e acordava pensando que você estava lá no escuro, esperando pra dar o bote. Você me perseguia aonde quer que eu fosse. Nunca havia um momento de paz! E se não fosse por você, eu ainda teria minha avó, teria minha vida na aldeia… — as frases de Selene eram acompanhadas de seus socos. Cristopher permanecia imóvel, porque é claro que nada daquilo o machucava— e ainda teria minha amiga, e minha mãe, e teria Stefan!

De repente as mãos de Cristopher agarravam as de Selene num aperto de ferro. Foi muito rápido. Ela nem conseguiu vê-lo se mover. Ele aproximou o rosto bem perto do dela, tão perto que Lene podia sentir sua respiração no escuro. Era tão agoniante estar a centímetros de um predador, e tudo que ela distinguia era o nada!

— Ah, entendo.— Murmurou Cristopher com voz suave. Os pelos da nuca de Lene se arrepiaram. Ela parou de respirar. Até aquele momento nunca havia sentido tanto medo na presença do lobo. E nunca tais palavras pareceram tão ameaçadoras. — Você quer voltar para sua antiga vida. Quer voltar para a mamãe e para o noivinho.  Mas se me permite, gostaria de te contar uma coisa. — Cristopher sussurrou — Ele não vai te resgatar. Ninguém vai.

Selene engoliu em seco. O que viria a seguir? Ele finalmente a mataria? Cristopher, na verdade, soltou suas mãos. Selene engoliu em seco, esperando um golpe.

Ouviu-se um clique e, um segundo depois, as mãos de Cristopher seguraram os seus antebraços e ele a levantou.

— Você quer muito voltar para aquele lugar, não quer? - Ele abriu a porta. Selene não compreendia o que ele pretendia.

Tudo o que ela podia divisar, à meia-luz que vinha de fora do quarto, era um objeto metálico pendurado numa corrente no pescoço de Cristopher. Uma chave. Ele pegou uma de suas mãos e a dirigiu até o objeto. A garota estremeceu ao toque. Selene mal se movia, nem respirava, com medo de que um movimento sequer fizesse o lobo reagir.

— Que tal, então, um jogo? Vá, e tente voltar para os braços do seu noivo. Vá, vá agora. Eu te dou a vantagem. Vá, Chapeuzinho. Corra. Corra.

Selene acordou do esturpor. Soltou a respiração que tanto prendia e deu um puxão no cordão, arrebentando-o. Ela não esperou para ver a reação de Cristopher. Tudo o que sabia era que sua única chance era correr, tentar escapar do predador. Ela praticamente pulou as escadas e girou a chave na porta principal. O vento frio da noite a atingiu como se dizendo para voltar, mas ela disparou afora, sem saber para onde ir, apenas que fosse para longe dele.

Os nervos de Selene gritavam. Lágrimas escorriam dos seus olhos. O pânico profundo aflorava dentro dela e fluía por seu corpo. Ela sabia que não tinha muitas chances. Quanto ela conseguiria correr, antes que Cristopher a alcançasse? Ela apenas queria era ir para longe dele, para algum lugar onde ele não a encontraria, onde estariam  sua mãe e seu noivo. Mas ela não sabia aonde ia, e, nessas situações, qualquer lugar serve.

O medo impelia suas pernas a irem mais rápido. Os galhos de árvores e arbustos rasgavam suas roupas e sua capa, provocando arranhões em seu rosto e braços.

Corra mais rápido, Chapeuzinho. Já captei seu cheiro. Posso ouvir seus passos. Estou seguindo seu rastro e vou achá-la não importa aonde você for.

Selene se obrigava a ir mais depressa, ouvindo os uivos que indicavam a caçada logo atrás de si. Mas era difícil correr com o vestido atrapalhando o apoio de suas patas traseiras. Na verdade as garras já haviam rasgado boa parte da saia. Ela pulou um regato e se agarrou na outra margem, pensando se, em algum momento, ele ia dar em sua aldeia. Ela não sabia quão longe estava de casa, assim decidiu, daquela vez, seguir o caminho do rio.

Correu ainda por um tempo interminável, pois o desespero prolonga os minutos e os segundos. Quando não aguentava mais correr, parava e passava a andar, e tão logo ouvia um uivo recomeçava a corrida. O processo foi repetido mais de uma vez.

Ela ainda esperava ver o lobo saltar na sua frente quando avistou uma estranha luz de tochas. Aquela visão encheu seu coração com um alívio que ela não conseguiria mensurar. Correu mais rápido, pressentindo a salvação… Aquela ali só poderia ser a sua aldeia, tomara que fosse, pois ela não sabia direito onde se encontrava.

De fato era sua aldeia, constatou ao estar próxima o suficiente para distinguir, na luz do quase amanhecer, uma casa conhecida; próximo da casa, com os cabelos loiros e o olhar gentil, outra figura conhecida se preparava para mais uma corrida na floresta.

— Stefan!

Uma pausa.

—Selene? - Os olhos do garoto se arregalaram — Como você está viva?


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