São meses longos, cansativos. Eu tenho feito tantas coisas e tenho estado em vários lugares. De semana em semana, sou transferido de residência, para preservar minha segurança. A Mansão não é nem um pouco segura, é claro, visto que Plutarco roubou os códigos de sistema. Por sorte, a queima de arquivos impediu que ele tivesse acesso à alguns segredos de estado, embora ele quase não tenha perdido muita coisa. Eu dei a ele todo o acesso aos sistemas da Segurança Nacional. Ele tem tecnologia nas mãos. E lá, onde ele está, com certeza está fazendo um bom uso disso.

Não estou me condenando ou me autoflagelando por conceder à Plutarco Heavensbee mais confiança do que ele merecia. Ele foi inteligente, muito mais do que eu e não age sozinho. Há outros como ele aqui que ainda não fugiram da Capital. A Segurança Nacional está perseguindo todos os suspeitos. É uma lista imensa. Raça de traidores nojentos.

Faço uma breve pausa para me regenerar no prédio da SN e calculo todas as vantagens que temos sobre o inimigo. Gondry me auxilia na tarefa.

_ Nós temos alguns dos aliados dela. E o namorado. Peeta Mellark ficou para trás.

Ótimo. Katniss não exatamente cai de amores por ele, mas sinto que algo maior tem crescido entre eles desde a última vez que estiveram na arena.

_ Quantas pessoas perdemos para Plutarco?_ eu pergunto.

_ Ele tinha aliados demais, presidente. Acho que levou apenas quinze pessoas com ele, mas ainda existe gente dele aqui, nos espionando.

_ Algum nome sugestivo? Ou importante?

_ Hum...Cressida Tailyn, a secretária do estado Artemísia Bower...meu...ajudante no laboratório de tecnociência, Werk Jones...A equipe de preparação de Katniss Everdeen. Toda a família de Seneca Crane e mais algumas pessoas que eu não conheço. Sem citarmos o nome dos campeões da Arena...

_ Quem ficou para trás?_ eu o interrompo, ansioso por ouvir o nome de Finnick Odair ou mesmo Johanna Mason, que ameaçou incendiar meu jardim.

_ Enobaria, Johanna Mason e Mellark. Foram os que foram deixados para trás.

_ Alguém...alguém que convivia diretamente com Katniss Everdeen aqui na Capital?

_ Há uma mulher, senhor.

_ Nomes, Gondry, quero nomes.

_ Effie...Trinket...senhor.

O nome brilha no fundo de minha memória e eu resgato de lá o rosto de uma criança. Pálida como uma de minhas rosas, cabelos curtos e castanhos. No meio de todas as outras crianças, foi ela quem chamou a atenção de Cecille.

A menina veio, com um sorriso amarelo no rosto, estendendo as mãos para receber a trufa. Ah, sim, nós fazíamos isso há algum tempo. Eu e minha esposa distribuíamos doces para crianças órfãs da Capital. Eu jamais iria me lembrar daquele nome ou daquele rosto, se Cecille não tivesse sido tão curiosa com aquela garotinha.

“Oh, você é tão linda, meu docinho. Qual é o seu nome?”, as palavras de Cecille ecoam na minha mente.

“Effigene. Effigene Dorner, senhora.” Eu ouço a garotinha como se fosse aqui e agora mesmo.

“É uma pena que seus pais não estejam aqui para ver como você está tão linda, Effigene!”

“Eles poderiam, se quisessem, senhora. Eles moram na sua casa.”

Ha. Aquilo pegou Cecille desprevenida. Eu tive que rir da expressão horrível que ela fez depois que percebeu. Os pais da garota órfã eram Avoxes da Mansão. Não me comoveu nada o modo como a garota disse aquilo, mas o coração de Cecille era sensível e fácil de se alcançar. Ela passou dias sem dormir pensando em...Effigene Dorner, a garotinha órfã. Até que voltou ao maldito internato e resgatou a garota.

_ Eu preciso cuidar dela, Coriolanus. Nós transformamos os pais delas em nossos empregados. Nós cortamos a língua deles.

Cecille me pressionou durante semanas até que eu finalmente a liberei dos nossos compromissos como primeira-dama e ela se dedicou a garota mais do que a mim. Transformou-a num bizarro manequim da Capital. E quando eu revi Effigene Dorner ela já não usava mais esse nome e seu sorriso era mais artificial e ensaiado do que nunca.

_ Effie Trinket, senhor presidente, muito honrada, muito honrada!

“Por Deus. Effie Trinket é um nome ridículo.” Este meu pensamento retorna à minha mente.

_ Effie Trinket?_ eu pergunto à Gondry.

_ A Coletora de Tributos do Doze. Instruiu Everdeen e Mellark nos últimos jogos ao lado de...

Ele move os dedos por um painel brilhante na mesa e a foto de um homem de rosto inchado e barba por fazer aparece na tela.

_ Haymitch Abernathy. Também desaparecido desde a fuga de Plutarco.

_ Ah, sim. Eu me lembro dele._ digo._ Apanhe Effie Trinket. Faça um interrogatório. Veja se ela sabe de alguma coisa.

_ Certo, senhor presidente.

_ E Gondry...

Ele move o olhar para mim.

_ Procure não machucá-la. Muito.

Eu mesmo admito estar tão intrigado com meu pedido que sorrio. De fato, estou tão amolecido pelo tempo que mal posso lutar contra isso. Há algo no nome, na lembrança de Trinket que me conforta. Ela é o trabalho de Cecille. Eu não posso destruí-la.

_ Como desejar, senhor.

Nos dias seguintes eu faço o que preciso fazer como presidente. Declarações para assegurar que Panem está segura. Que nós estamos lutando contra os rebeldes, mas a Capital parece estarrecida. O povo é burro e pobre de espírito, então sentem-se desolados, como crianças perdidas na neve entre o lobo e o lago congelado.

Gondry retorna a mim dizendo que nem Effie Trinket nem Johanna Mason nem Peeta Mellark têm nada a dizer. Avaliações psicológicas apontam que Trinket diz a verdade, mas Johanna e Peeta sabem mais do que querem dizer.

_ Arrancaremos informações dele, Gondry. E faremos isso à moda antiga...como nos antigos tempos de rebelião.

_ O que está sugerindo, senhor presidente?

_ Estou sugerindo Gondry, que vai fazer o que eu mandar. Tranque Mellark numa sala bem escura. Arranje umas teleguiadas e deixe-me falar com ele.

Um brilho de prazer surge nos olhos de Gondry e ele assente, antes de se despedir mais uma vez e sair da sala. Quando me vejo sozinho, percebo que um arranjo de flores brancas foi deixado na sala, como um agrado para mim. Isso me faz lembrar da noite em que eu e Plutarco tivemos aquela conferência.

Eu pude assistir tudo, é claro. Uma câmera no aerobarco, um show de chamas digno de Katniss. Ah, ela teria gostado. A garota em chamas. Nós destruímos tudo, com exceção da Vila dos Vitoriosos, para a qual eu viajei na tarde do dia seguinte. E deixei lá minhas rosas brancas, para que não só Katniss Everdeen, mas também eu nos lembremos de que não existem vilões e mocinhos.

Aquela rosa já envenenou pessoas no passado e hoje ela é quem alivia as dores em minhas feridas que não cicatrizam. Isso não significa que ela é especificamente benéfica ou malévola, pois ela possui um pouco de ambos. A reflexão me trouxe menos ódio pela garota e eu pude finalmente concentrar no inimigo real a quem devo enfrentar cedo ou tarde. Não, eu não falo de Plutarco nem de ninguém em particular.

Quando olho para a parede e encontro o velho mapa de Panem impresso em papel, meus olhos se movem diretamente para o grande círculo vermelho onde há um grande número 13.