The Losers plays it. escrita por Paperback Writer


Capítulo 2
II- If


Notas iniciais do capítulo

Hey! Espero que estejam gostando!



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II

If

If I were a swan, I’d be gone

If I were a train, I’d be late.

1972

Demoramos pelo menos seis meses para decidir o nome oficial da banda. Alguns dias passávamos mais tempo cogitando nomes do que realmente ensaiando. Mas finalmente escolhemos “The Losers” fácil de memorizar, curto e até divertido.

Harriett não mentiu sobre sua “tara” por bateristas. Embora eu seja obrigada a concordar que ela é muito mais discreta do que eu quando gosta de alguém. John e Roger já se formaram, e por incrível que pareça, passaram na faculdade de artes plásticas. Harriett está estudando para astronomia, e eu e Keith somos apenas dois vagabundos que vamos tentar ganhar dinheiro com uma banda.

Era a terceira vez naquela dia que Harriett “se desconcentrava” Olhando o corpo suado do Keith a partitura da música. Era verão, todos suávamos na garagem apertada da casa de Keith. E sem contar que depois das seis não poderíamos mais ensaiar, pois a casa do baterista estava sempre cheia de estudantes e “iriamos atrapalhar”.

–Porra Harri! – Roger disse irritado. – ‘Tá quente pra caralho, e você ainda fica errando essas merdas!

–Olha a boca... – Eu disse, fazendo-os rir.

–Ah, desculpe, Roger. Eu só... Tenho uma prova importante logo... – Mentira – E... Pare de me olhar com essa cara, Judith Styles!

Dei de língua para ela, tirando a guitarra do ombro e estalando a juntas do ombro. Keith tirou a camiseta e John acendeu um cigarro, típica parada que fazíamos. Roger e Harriett apenas se apoiaram no kit de bateria do Keith.

–Harriett... Disfarce um pouco! – Sussurrei no ouvido da ruiva, ela estava olhando para Keith por tempo demais.

–Shiu Judy! – Ela sussurrou de volta, me fazendo rir. – Eu sei pra quem você anda olhando.

Fiz uma cara confusa. Nem eu sabia para quem eu estava olhando tanto. Ri sozinha, balançando a cabeça em negação. Harriett estava pirando.

Ou não também. Não sei. Vai saber...

–As garotas vão ficar de cochichos ou vão compartilhar o assunto conosco? – Roger disse se aproximando.

Levei meu dedo indicador até a ponta de meus lábios, indicando silêncio para Roger.

O baixista me abraçou e depositou um beijo na minha cabeça. Harriett não ajudou em nada quando soltou um sonoro “Aw”, deixando o sangue subir até minhas maças do rosto. Harriett nunca ajuda nesses casos. Muito menos Roger, que só ajudou a sentir um estranho calafrio. Sai Satanás!

–Jude, você sabe que eu te amo, não é? – Roger bagunçou meu cabelo, fazendo nós quatro rirmos, e Harriett continuar a gemer seus odiados “Aws”.

–Não querendo cortar o barato de vocês... Mas... Já são seis da tarde... Temos que ir... – John disse

–Ok... – Keith abaixou a cabeça. – Vocês voltam amanhã? – Concordamos – Ok... Harrie, pode deixar o teclado aqui, se quiser.

Harriett concordou e se despediu de Keith, eu e Roger levamos nossos instrumentos para fora e colocamos na Kombi.

Por alguma razão estranha, a parte de trás da Kombi tinha um espelho jogado por ai. O instinto feminino de Harriett logo o alcançou e segurou o objeto em sua frente, passando a mão para alisar o cabelo alaranjado. Bom, eu também não pude deixar de olhar meu reflexo no espelho. As sardas cobriam boa parte das minhas bochechas, o cabelo preto cheio de cachos teimosos ainda me fazia rir, afinal, não precisava mais ficar usando Dippity Do* para alisa-lo, a moda passa, as coisas mudam. E você faz o que? Continua tentando se encaixar nela.

–John... – Chamei. – Você não vai colocar música...?

–Ah, Judy... Blackpool nem é tão grande... – Ele riu, ligando a rádio e começando a tocar Monkees. Ele bufou e passou de estação.

–Ei! – Harriett protestou. – Eu gosto de Monkees!

–Você gosta do inimigo. – Roger riu. A rádio começou a tocar Happy Together. – Ei! Deixa nessa!

–Não, cara! – John revirou os olhos, trocando novamente de estação, Pink Floyd começou a tocar. – Puta merda...

–Você não vai trocar! – Roger avisou. – Eu adoro essa música.

–If, dude?! Seu depressivo!

–Shiu! If I were a swaaaan... – Roger cantou desafinadamente.

–É por isso que você não é o vocalista, Roger. – Harriett zombou. Pude apenas ver as costas do dedo médio e indicador** de Roger. – Que dedo torto você tem!

– Sério? Qual deles? – Roger olhou os próprios dedos, virando o pulso. – Não acho...

–Como não? O médio é entortado para a direita. Vê ai. – Harriett provocou.

John riu histericamente no banco do motorista.

–Eu ia dizer uma coisa... – Voltou a rir. – Mas a Harri ainda está ai.

–Idiota. – Harriett suspirou. Era raro fazermos qualquer piada erótica com ela por perto.

–Você quer que eu conte a piada?

–Não.

–Mas eu quero! – Choraminguei.

–Vai ficar querendo. – John encerrou a conversa, estacionando na frente da casa de Harriett. –Até, fósforo.

–Calado. – Ela riu, Abrindo a porta de trás e saindo.

John voltou a dirigir. Roger passava a música de estação por estação e eu começava a me sentir entediada. Estava começando a ficar com sono, e eu tinha aula amanhã. Nada animador.

Logo chegaram na minha casa. Azul clara e térrea, o jardim bem cuidado pela minha mãe e o portão preto escancarado. Meu pai já tinha chegado.

Fechei o portão atrás de mim, acenando para os rapazes e entrei na casa. Meu pai provavelmente estava no escritório e minha mãe estava corrigindo alguma prova na sala.

–Como foi lá? – Ela perguntou. Minha mãe era praticamente minha versão mais velha.

–Ah... Bem. – Fui para a cozinha e a ouvi me seguir e parar no batente da porta.

–Ju... – Ela me chamou – Nós realmente temos que conversar.

É nessa hora que o coração dispara e eu começo a pensar em todas as merdas que eu já fiz na minha vida.

–Ok... Quer falar sobre o que...?

–Seu pai. – Minha mãe disse.

–Ah... Isso... – Resmunguei, colocando um copo no filtro e ligando a torneirinha.

Quando mais nova, isso realmente mexia comigo. Meus pais nunca estavam bem. Mas agora eu já estava tão familiarizada com as brigas deles que eu quase nem me importava mais.

–Não fale assim. O assunto é sério! – Censurou-me.

–Ok. Prossiga.

–Nós vamos nos separar.

Eu sempre amei o fato da minha mãe ser direta. Mas não agora. A notícia me pegou de surpresa, eu realmente não esperava isso. Senti como se tivesse levado uma facada nas costas. Uma estranha sensação de abandono. Eu sabia que eles não iriam me abandonar, mas ainda assim, era inevitável.

Senti algo molhado na minha mão e me assustei, tirei-a rapidamente do filtro e ouvi algo caindo perto do meu pé. Maldito seja os copos e as mães que dão notícias chocantes na cozinha.

Andei para trás assustada, enquanto minha mãe foi pegar a vassoura.

Prós de quebrar um copo: Fazer o foco não ser a separação de seus pais.

Contras de quebrar um copo: Meu pé. Sangue. Estou morrendo. Socorro.

–Judy...? Está tudo bem contigo? – Minha mãe estalou os dedos na frente do meu nariz.

–Hm? Ahm... Uhum... Hm... É... – Resmunguei tentando limpar o sangue do meu pé.

–Voltando ao assunto... – Ela recomeçou. Merda. – Eu... Eu sei que é uma decisão difícil... Mas... Você precisa decidir com qual de nós dois você vai ficar. Entenda Judy... não pode ficar com nós dois.

Suspirei. Na verdade, meu suspiro era apenas um contratempo para não responder. Não queria responder. Era difícil.

Roger. – Eu nem tinha me tocado que citei o nome do rapaz, mas já estava tão acostumada a pronuncia seu nome quando não sabia o que fazer que essa resposta simplesmente escapou de meus lábios.

–Como? – Minha mãe perguntou.

–Nada. – Respondi rápido.

Não seja louca, Judy. Você não pode morar com os rapazes.

Na verdade, eu posso...

Não, não pode.

Mas eu sou maior de idade...

–Hm... Quem vi continuar aqui em Blackpool? – Perguntei.

–Nenhum de nós. Seu pai vai para Cambridge, e eu para Leeds.

Merda

–M-mas... E... E o trabalho aqui? – Gaguejei covardemente.

–Eu consegui outro lá. Seu pai também...

Arregalei meus olhos o quanto pude. Foi tão fácil assim mesmo?

–Mãe... Eu... Eu sou maior de idade, não é? – Perguntei como uma criança.

–Sim. – Ela já sabia o que eu ia perguntar.

–Eu posso morar com os rapazes?

–Quem sou eu para negar, Ju?

Eu sabia que minha mãe estava triste. Eu estava triste. Mas eu não escolheria meu pai. Ele sempre tem trabalho demais. Minha mãe ia para Leeds. Leeds! Eu não podia deixar a banda agora... Eu sei que parece muito egoísta, mas... Mas... Não tem “mas”. Eu coloquei meus interesses acima dos outros. Fim.

Agradeci em silêncio. Ver as lágrimas nos olhos da minha mãe fizeram os meus ficarem molhados também.

Andei até meu quarto, fechei a porta e realmente chorei. Até mais de raiva do que de culpa. Raiva de mim, raiva da separação, raiva do Rick, raiva dele não dar mais notícias, raiva dele sumir, raiva dele não me apoiar ou estar ao meu lado quando eu precisava.

Dei graças a Deus por ter um telefone no meu quarto. Era antigo, de Rick. Mas pude ficar com o objeto quando Richard sumiu do mapa. Disquei o número que eu tanto conhecia e John atendeu. Não queria ser grossa, mas pedi para falar com Roger. Eu sabia que John receberia a minha proposta como receberia a notícia de que sua namorada estaria grávida. Estanharia no começo e talvez depois aceitaria. Mas sabia que Roger não iria me negar nada no momento.

–Alô? – Roger perguntou. Respirei fundo, minha voz ainda estava rouca por causa do choro. - Jude?

–Roggie... – Chamei-o.

–O que você quer, peste? – Ok, Ok, “Roggie” deve ter parecido demasiado carente

–Roger! Eu tenho que te perguntar uma coisa...

–Oh Jude... Você estava chorando?! – Não. Impressão sua.

–Longa história.

–Palavra-chave. - Palavra-chave era quase um código nosso. Usávamos quando não queríamos tocar em determinado assunto. Era quase como “Um cuspe: sim, dois cuspes: não"

–Pais.

–Ah! – Seu “ah” foi tão longo que eu tive a leve impressão que ele não entendeu o que eu quis dizer.

–Divorcio. – Facilitei as coisas.

–Ah sim! – Um “ah” bem menor agora. – Bom, acontece.

“Bom, acontece” era o melhor jeito que Roger encontrou para dizer “Isso é incrivelmente triste, eu sinto muito.” As vezes também incluía o fato do pai dele ter morrido na guerra do Vietnã.

–Americano desgraçado. - Eu ouvi sua risada e ordenei logo em seguida. – Me reconforte.

–Só depois que a queridinha da rainha me dizer o que quer.

– Morar com vocês.

–Judy... Tem certeza?

–Uhum.

–John! – Roger chamou. – Acho que você vai ter que dormir no sofá.

O que?! – Ouvi John gritar do outro lado da linha.

–Diga que é isso ou eu vou acabar indo para Leeds! – Gritei

– Se não for isso, ela vai pra Leeds!

Por que a Inglaterra é gigante! – John ironizou.

–John! – Roger ralhou. – Não tem problema dela morar com a gente.

Seu... – Roger abafou o microfone do telefone, não me deixando ouvir.

–Ok Judy. Quando você vem? – Roger retomou a conversa.

–Quarta... É... Quarta.

–Ok. Até, Jude.

–Até, Rog.

Ri baixo imaginando as coisas que John disse para Roger. O fato dele ser o único americano no meio de britânicos já é motivo suficiente para o zoarmos até a morte.

Deitei a cabeça no travesseiro molhado e tentei pegar no sono, mesmo sendo apenas oito horas da noite. Mas alguém batia na porta com insistência.

–Entra! – Gritei.

Meu pai apareceu com uma expressão séria. Lá vem...

–Você... Ligou para seus amigos? – Como qualquer pai, ele não gostava das minhas companhias do sexo oposto.

–Liguei. Vou pra lá quarta.

Meu pai continuava com a expressão severa.

–E sua escola? Já pensou nisso? – Não.

– Vou continuar frequentando aquele – Inferno – Lugar.

–Escute, Judy. – Ele segurou meu braço. – Eu só estou te dando essa liberdade porque sua mãe acha que é uma boa coisa a se fazer. Deixar que você more com amigos, para desenvolver responsabilidade. E porque você é maior de idade. Eu só acho que isso vai ajudar você a perder a virgindade. Desnecessário.

Acho que esse não é o momento apropriado para dizer que eu não sou mais virgem. Mas apenas acenei com a cabeça, dando a entender que concordava.

–Então, Judith Margaret Styles. Eu quero deixar bem claro que apoio praticamente todas suas escolhas. Menos essa e a sua banda.

Dei um meio sorriso e o olhei saindo do quarto. De certo modo, a separação era boa. Não os ouviria brigando, eles poderiam viver a vida deles, e eu a minha.

E Richard a dele.

Se é que ele está vivo.

Ele está vivo.

Ouvi meu pai gritar algo para minha mãe. Mas acho que não chegaram a brigar. Não escutei se o fizerem. Estava trancada no quarto, arrumando as malas.

If I go insane, please don’t put your wires

In my brain.

–--

*Dippity Doo é um produto usado para alisar o cabelo. (Tem até propagandas no youtube. De 1960 e 1972)

**Na Inglaterra e Austrália, mostrar as costas do dedo médio e anelar (Ou o sinal da paz “invertido”) é o equivalente ao gesto de mostrar o dedo médio. (Embora esse último gesto também é usado em ambos países)


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Notas finais do capítulo

É isso... Comentem, isso ajuda!



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