A confusão em que Simon se envolveu já alcançara os ouvidos do coordenador de Kensington Academy e ele se comprometera a repreendê-lo. Saiu a passos largos pelos corredores com chão de granito e quadros do Renascimento a adornar suas paredes, um tanto humilhado por ser obrigado a tal.

– Ah! Simon... Mnh...

– Rihito...

– Tira a mão da minha blusa...

Ele virava o rosto lembrando-se das dentadas violentas do dia da briga, como uma tela branca encharcando-se de tinta vermelha. No entanto, não era capaz de interromper o fluxo e afastar-se de Simon. Lá estava ele novamente em mais uma reunião com o amado desconhecido; de novo e de novo, dia após dia.

O garoto das pintas o empurrava contra uma carteira da sala vazia de modo que seus corpos tocavam-se frontalmente, seus beijos profundos e altamente trabalhados fazendo barulhos molhados similares a bolhas estourando tiravam o fôlego de Rihito. Não importava quantas vezes era tocado ou acarinhado, as sensações que lhe acometiam sempre permaneciam intensas. Se Simon comia pessoas, ele não sabia. Se Simon desejava comê-lo ao final de tudo também não poderia dizer. Mas Simon já o comia com as mãos.

Ultimamente dúvidas como estas torturavam-no.

Um estrondo na porta aterrorizou o nissei, que tremeu instintivamente embaixo do híbrido. O outro, no entanto, continuou calmamente o que fazia.

– Simon. - Uma voz grave chamou-o com urgência - Precisamos conversar.

Era Norman. O garoto o ignorava. Já sabia o que o aguardava.

– Simon, não me faça impaciente.

O garoto das pintas revirou os olhos e com movimentos desleixados, empurrou Rihito para fora da sala de aula como quem empurrava uma cadeira.

– Depois a gente se fala.

Sentiu como se Norman nem tivesse percebido sua presença ali, mas afinal era outra coisa. O menino dos óculos e longos cílios tentou virar-se e questioná-lo, mas já era tarde porque a porta já estava fechada.

– Dessa vez você realmente extrapolou qualquer limite. Eu já não te adverti quanto a isso? Não mandei parar de se meter em problemas!? Você não me obedece! - O timbre de sua voz tornava-se cada vez mais agressivo - O que eu te falei!? HEIN!?

Seu sobrinho olhava estranho para seu rosto como quem estivesse perdido. Não respondia. Num rompante, exausto de seu gênio indiferente a tudo, Norman o agarrou pela raiz dos cabelos e socou seu rosto na mesa com raiva. Sua expressão quase imutável se distorceu e Simon cerrou os olhos, arreganhando os caninos. Algo semelhante a um sibilar de serpente vazou de sua garganta enquanto sangue escorria por seu nariz, mas tudo isso sem relutar. O menino pálido cobriu a bochecha e ergueu-se lentamente apoiando com a mão nas beiradas do móvel, as maçãs de seu rosto espalhando uma dor horrorosa pelo resto de sua cabeça.

Norman sentou-se na cadeira do professor, irritado, com a mão na testa. Olhando ao longe, iniciou uma espécie de monólogo sobre como não tinha mais ideia de como discipliná-lo, de como tal tarefa parecia tão impossível e tão simples ao mesmo tempo, de como ele não fazia absolutamente nada para se portar direito, que não se esforçava para ser um vampiro ou atender à qualquer expectativa.

– Não sei mais o que fazer com você, sinceramente - O homem desabafou - É porque você é híbrido ou apenas teimoso e mimado?

Simon então, vendo que havia aborrecido o tio, subiu em seu colo e envolveu-o em seus braços, abrindo o colarinho de sua camisa e afastando seu terno de cotelê cor de Capuccino para dar-lhe uma afetuosa mordida no pescoço. O vampiro tinha um cheiro amadeirado e chipre e sua carne era mais rígida que a de um humano normal. Simon arranhou seus dentes para poder assim perfurar-lhe a pele, causando uma leve ardência em Norman. O coordenador porém nem moveu um músculo, continuava com seus conflitos enquanto o garoto bebia seu sangue agridoce. Seus olhos divagantes procuravam interessados por alguma mudança no semblante do tio até que por fim Norman virou-se para vê-lo.

– Eu não sou talhado para ser pai... Por que é que eu tenho que fazer esse papel? Maldito seja o Noah por livrar-se das suas responsabilidades em mim...

Noah era um vampiro ainda mais importante que Norman na mítica hierarquia de sua família, mais influente e mais exposto à sociedade de seu nicho. Noah era seu irmão e portanto pai de Simon.

O garoto ignorava a tudo que ele dizia, se empenhava apenas em sugar sua ferida, sua respiração quente já perturbava o homem.

– E eu não sou seu pai. Mesmo.

Para esta afirmação, Simon riu de leve.

– Você não tem certeza disso.

– Eu não sou - Respondeu ele prontamente, determinado e firme, como se também estivesse dizendo a si próprio.

– Já se convenceu? - Ele ria maliciosamente.

– Cala a boca, garoto. Já disse que não sou seu pai.

– U~hum~

Simon fechou os olhos e deitou-se no colo de Norman. Era mais provável mesmo que ele fosse seu tio, mas gostava de provocá-lo com esse assunto do passado porque sempre o irritava, como insetos a fustigarem-lhe.

Mais tranquilo, Norman começou a acariciar seus negros cabelos, passando os dedos por entre os fios.

– Seus cabelos já estão grandes demais - O homem os prendia e os esticava de modo a observar seu verdadeiro comprimento - Está chegando a hora de cortá-los novamente.

Ele não respondeu. Seu tio parecia mesmerizado com seus cabelos. Simon desabotoou a camisa para que o parente lhe fizesse carinho como era de costume, mostrando-lhe as pintas que Rihito tanto adorava.

– Você é um diabo, garoto - Ele dizia com suavidade na voz - Um diabo...

Já não restava ali descontentamento algum com seu querido sobrinho.

–-- ♪ ---

Raramente Morgan andava sozinho. Variados tipos de rapazes agora o cortejavam, uma mudança brusca de cenário ocorrera ali em pouco tempo. Era como se ele houvesse retornado ao passado, retomado aquela personalidade excêntrica e extrovertida de antes com uma pitada de soberba e um sorriso no rosto, mas não um sorriso genuíno e despreocupado como no início. Algo melancólico escondia-se em sua fisionomia.

E Rihito nem estava lá para perceber. Estava entretido demais estudando Simon e suas pintas mais ocultas. Mas quem se importa? O louro pensava, acreditando ser inútil insistir. Ele tinha "amigos" novamente, sua maior insegurança era a de ficar sozinho e isto já não era mais uma ameaça palpável. Por alguma razão, os alunos daquele internato já não viam tanto problema no delicado menino de dourados cabelos e olhos cor de amendoim ser homossexual.

– Adam? - Ele chamou casualmente - Me dá um?

O alto rapaz olhou em sua direção e, divertido com sua extraordinária mudança, respondeu:

– Heh, claro Morgan. - E entregou-lhe um pequeno objeto longo e fino.

Era como se a intervenção daquele grupo de bullies tivesse expulsado um Morgan de dentro do próprio Morgan, deixando apenas sua essência mais verdadeira e audaciosa. Ao menos era isso que Adam achava.

– Você está mais charmoso agora que está com a gente... - Comentou o pervertido.

Morgan apenas olhou de canto de olho e com um punhado de deboche respondeu:

– Huh, puxando meu saco só pra eu te deixar me usar mais tarde? Se toca, cara...

– Não, não, senhor Morgan... Eu... Ehh... Você realmente está... - Ele gaguejava.

– Shhh!! Falta muito pra você chegar ao meu nível ou ser alguém como o Adam.

– Isso é injusto! - Se revoltou o tarado - Só o Adam, o Adam!

– Huh, como se fosse só o Adam... - Comentou o carequinha de braços cruzados, deixando transparecer desaprovação e ironia em sua voz.

Morgan não se irritou, simplesmente sorriu e soprou uma fumaça cinza na cara dos dois.