What Matters escrita por Black-Angel


Capítulo 1
What Matters


Notas iniciais do capítulo

Há um tempo atrás, li um estudo de personagem muito interessante sobre o Loki (pro qual, aliás, perdi o link i-i). Esse estudo citava o arco das HQs em que o Loki voltava a ser criança e era obrigado a encarar as consequências do que fez como adulto. Depois de ver O Mundo Sombrio, pensei que seria interessante imaginar como esse conceito funcionaria ali. Espero que não tenha ficado confuso.



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What Matters



A maniac Messiah, destruction is his game. A beautiful liar, love for him is pain*



Era estranho se ver diante de si como a criança que já fora um dia.



Loki ainda não estava certo sobre o que havia provocado aquele encontro tão incomum. Com certeza se tratava de uma manifestação de seus próprios poderes, mas não poderia dizer se tinha dobrado o tempo ou se tinha dado uma forma física àquela parte de sua mente que insistia em lembrá-lo que ele havia crescido como um filho de um Odin e que, por mais que o odiasse, Frigga e Thor ainda eram a única família que conhecia.



O pequeno olhou para um lado e para o outro avaliando a desordem em que Loki havia transformado a própria cela. Os móveis tão gentilmente fornecidos por Frigga haviam sido reduzidos a lascas reviradas de madeira esculpida, os livros estavam jogados por toda parte, e havia até mesmo respingos de sangue naquela cela que deveria ser imaculadamente branca; proveniente, era claro, do único doador disponível por ali. Só depois de assimilar o cenário a criança voltou sua atenção para a versão mais velha e mais quebrada de si mesma.



Calmamente, aproximou-se dele e sentou-se no chão, bem à sua frente. O cabelo perfeitamente alinhado do menino ante a juba negra e despenteada do homem, o dourado e o verde elegantemente ajustados no corpo magro da criança contra as roupas rasgadas e os pés manchados de sangue do deus; a altivez resplandecente de um príncipe asgardiano diante da decadência de um vilão que havia cometido atrocidades para provar que era capaz. O contraste era gritante, embora, na teoria, fossem a mesma coisa, separados por alguns anos... E muitas tragédias.



— O que faço aqui?



— Não sei. — admitir a ignorância teve um gosto amargo para Loki, mas sentiu que seria tolice tentar enganar a si mesmo. Até o Deus da Trapaça deveria ter alguns limites, e não tinha ânimo para esquemas depois das notícias daquele dia.



O menino recolheu um livro que jazia aberto no chão ao seu lado.



— Você fez algo que provocou a fúria de Odin — era uma constatação muito mais que uma pergunta —, mas Frigga o ajuda. — ele fechou o livro e o ergueu, exibindo a capa para o mais velho — Ela diz que poderei ler este quando tiver a idade certa.



— Dezoito anos, nem um segundo antes. — Loki tomou o livro e deslizou os dedos sobre o título impresso em letras douradas na capa de couro. Umas poucas cenas de nudez mais explícita lhe renderam aquela lição sobre paciência por parte da mãe — Odin pode ser o rei, mas a rainha é quem sabe manter a rédeas por aqui.



— Enganar Odin é mais fácil. — com um gesto, o menino fez o livro desaparecer das mãos de sua versão mais velha — Frigga nunca cai nos próprios truques.



Foi uma lembrança repentina e agridoce. A mãe havia lhe ensinado as habilidades que a falta de sutileza de Thor nunca lhe permitira aprender. A frustração do irmão o divertia naquelas poucas horas em que futuro rei de Asgard estava em clara desvantagem. Os poderes que haviam lhe garantido a alcunha de Deus da Trapaça o orgulhavam mesmo quando começou a notar a desconfiança nos olhos dos Três Guerreiros e de Sif.



— Com o tempo afinará suas habilidades e poderá enganar até mesmo Heimdall.



O garoto arregalou os olhos com uma surpresa tão genuína que Loki se perguntou se era ele mesmo ali. Era estranho se lembrar da existência de uma época em que suas expressões não eram apenas uma máscara para seus verdadeiros sentimentos.



— Mas Heimdall vê tudo! Todos os caminhos!



— Não todos. — Loki corrigiu, a curva suave de um sorriso de satisfação riscando os lábios divinos — Você descobrirá caminhos obscuros até mesmo para o guardião de Odin. Conseguirá vencê-lo!



— Foi isso que você fez para enfurecer o Pai?



O sorriso de Loki se foi.



— Entre outras coisas... E ele não é nosso pai.



Pelo menos, Loki pensou, ele não piscou. Ter até uma versão infantil de si mesma desconfiando de suas palavras levaria a situação a um ponto ridículo.



— Quem?



— Laufey, o rei dos gigantes de gelo. Odin nos encontrou depois de vencer a guerra e, além do Tesseract, resolveu que ficaria com uma relíquia que falava e poderia ser colocada à sombra de seu filho legítimo diante de toda Asgard.



— Ele disse isso?



— Não... Desde a primeira vez que o confrontei o Pai insiste em dizer que me trouxe para a corte como um filho — e eu quase quero acreditar acrescentou apenas em pensamento —, mas ele nunca me colocou numa posição igual a de Thor. Eu sempre fui o irmão mais novo em que ninguém prestava atenção.



— Mas isso é útil para o Deus da Trapaça, não? — uma cortina de lágrima reluzia nos olhos do menino, mas nenhuma caiu, nem mesmo quando ele apertou os lábios num sorriso triste e conformado — E estar a sombra de Asgard é melhor do congelar em Jotunheim.



— Eu odeio aquele lugar. — cada palavra daquela confissão doía de tão verdadeira — Eu queria que tudo fosse verdade, que Odin fosse nosso pai, Frigga nossa mãe e Thor o nosso irmão idiota... Eu poderia lutar para sair da sombra do meu irmão mais velho, eu poderia fazer com que minha família visse que eu tenho valor... Mas essa família não é minha, mesmo que eu...



— Os ame? — o menino arriscou sem obter confirmação — Thor sabe disso?



— Thor sabe de alguma coisa em todos os nove reinos que não envolva banquetes, hidromel, violência, ou alguma garota em que ele esteja interessado?



— Frigga diz que ele pode aprender comigo, que nós dois podemos fazer Asgard prosperar.



— Ele não se importa... Ele e Odin nos jogaram nessa cela e nos viraram as costas para toda a eternidade.



— Mas a mamãe sim, ela sempre importou.



E ali estava o livro mais uma vez, nas mãos do menino.



— Ela se foi. — a voz de Loki era um sussurro, estrangulada pela raiva e pela tristeza — Odin e Thor, com todo seu poder, não foram capazes de proteger a única pessoa que valia a pena nesse reino: a nossa mãe.



E o livro escorregou dos dedos infantis, palavras soltas no ar em queda livre até atingir o chão em segundos que pareceram durar uma eternidade.



— Você sabe quem foi? Vai vingá-la, não vai?



— Eu queria, mas estou trancado aqui!



O garoto olhou em volta mais uma vez, dessa vez a procura de uma saída que sabia não existir, e numa busca tola em fugir da própria tristeza. Loki observou o menino com distância e uma ponta de desprezo, perfeitamente consciente de que havia feito o mesmo depois de mandar os móveis da cela pelos ares mais cedo.



— Lembra... — o menino começou, embora tenha precisado de um tempo para normalizar a respiração pesada devido a sensação de claustrofobia repentina — Lembra de quando Thor pedia nossa ajuda com as lições quando era criança?



Loki franziu o cenho. Aquele era o último comentário que esperava.



— Thor...?



— Talvez ele peça agora também.



— Oh, por favor! Eu não posso ter sido tão ingênuo assim.



— Ele se importa. — menino insistiu — Ele é um monte de músculos sentimental que se irrita, provoca trovões e tempestades por dias, mas que sempre está lá quando precisamos de alguém para nos estender a mão. Lembra daquela vez em que resolvemos fazer Fandral ter espinhas no primeiro encontro? Ele veio pra cima de nós empunhando a espada e profetizando nossa ida para os lugares mais desagradáveis dos nove reinos, mas Thor o segurou antes que Fandral nos machucasse, disse que nenhum homem tocaria num príncipe de Asgard.



Loki quase se permitiu um sorriso de nostalgia.



— Então Sif nos deu um soco, bem dolorido, aliás.



— Ela sempre teve um ótimo senso de oportunidade. — o pequeno riu por um breve instante, mas seu humor mudou rapidamente e Loki reconheceu o próprio embaraço em seus olhos — Diga... — ele hesitou — Ela ainda está irritada por causa do cabelo?



— Sinto informá-lo que subestimamos a capacidade dela em guardar rancor.



— Mas... Foi só uma brincadeira.



— Vai descobrir que não faz muita diferença para eles.



A deusa da guerra nunca mais havia lhe oferecido um olhar que não fosse carregado de ressentimento desde daquele episódio. Depois de descobrir que Thor e Sif estavam namorando, Loki esgueirou-se até o quarto dela e lhe cortou os lindos cabelos dourados. Infelizmente, Thor já estava começando a reconhecer sua assinatura e não perdeu tempo em ameaçá-lo caso não devolvesse os fios a deusa que, caso contrário, se recusava a ver o namorado. A muito custo, Loki conseguiu um acordo com os Trolls das forjas, mas, sem dinheiro, só pôde convencê-los a lhe dar cabelos negros. O Deus da Trapaça se lembrava da sensação do sorriso malicioso se formando em seus lábios quando Thor franziu o cenho diante da cabeleira cor da noite. Você pediu que eu trouxesse cabelos novos, ele dissera, não falou nada sobre a cor. E o deus do trovão teve que concordar afinal.



— Ela fica bonita de cabelo preto, né? — o menino falou com aquele sorriso sincero que desapareceria com o passar dos anos.



— Verdade.



— Thor virá em sua busca... Ele sabe que Frigga é nossa mãe, ele tem que vir.



— Você não entende, ele teria que virar contra as ordens do próprio pai para nos libertar e não é algo que Thor... — Loki se interrompeu de súbito; a sensação de uma presença humana que sentia há algum tempo manchando a certeza em sua afirmação.



Poderia ser Jane Foster? Poderia Thor ter a coragem para desobedecer o pai sem um empurrãozinho seu?



— Mas ele é nosso irmão.



— Ele não é...



— É sim! — o garoto disse teimosamente — E quando ele vier... Pergunte a ele se a mamãe sofreu.



— Por que eu faria isso?



— Porque você destruiu esse lugar inteiro por pura tristeza ao saber da morte dela... Eu a amo e nada pode ter mudado tanto para que você não sinta o mesmo. Ela é minha mãe.



— E quem a matou — Loki emendou sombriamente —, vai sofrer duas vezes mais tudo que a tiver feito passar.



— Além do mais — prosseguiu o pequeno, a malícia brilhando em seus olhos — ajudar Thor pode te tirar dessa cela.



Loki admirou o clima conspiratório no ar. Aquela era mesmo sua versão mais jovem afinal.



— O que te dá tanta certeza que ele virá?



— Não consegue ouvir? — ele ergueu as sobrancelhas apontando para o teto — A fúria dele está cada vez mais próxima, até o ar está mais frio.



O menino estava certo. Por algum motivo Loki não tinha percebido nada antes, mas agora podia notar que tudo na atmosfera se agitava, embora os passos de Thor estivessem incomumente silenciosos. Não era nada que ele não pudesse ouvir, mas Loki jamais havia precisado prestar atenção para perceber Thor.



— O verdadeiro deus do trovão, incapaz de sutileza. — meneou a cabeça com um lamento quase divertido — Sua primeira visita e não duvido que vá dizer que tudo é minha culpa, mesmo estando preso aqui, de mãos atadas.



— Pergunte a ele. — o menino repetiu enquanto sua imagem começava a evanescer mais suavemente do que tinha surgido — Pergunte a ele se a mamãe sofreu... Porque ela é importante.



Os passos nas escadas e a estática no ar se tornaram quase palpáveis àquela altura.



— Perguntarei.



O livro jazia aberto no chão.



O menino e sua inocência já haviam desaparecido.








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Notas finais do capítulo

* End of All Days 30 Seconds To Mars

Tenham em mente que eu não sou uma leitora das HQs. Sei mais sobre o Loki mitológico do que sobre o personagem da Marvel, meus conhecimentos aí provêm basicamente dos filmes e o Tom Hiddleston fez um trabalho estupendo em humanizar o personagem.

Espero que tenham gostado, eu não consegui parar de pensar nisso depois de ver o filme e tive que escrever. See you! ^^