Vinculum Aeternum escrita por Kiri Huo Ziv


Capítulo 5
Epílogo: Asa


Notas iniciais do capítulo

A palavra "asa" significa casa, santuário ou refúgio.

As falas estão entre aspas, os pensamentos em itálico.



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We need to come to see
What the Earth should be:
A santuary free
All that we sacrified
In the end has it's price
A renewed paradise still alive
In your eyes*

As semanas que se seguiram à chegada de Emma Swan a Storybrooke foram algumas das mais interessantes vividas por Gold – muito em parte por que ele havia passado os vinte e oito anos anteriores sob uma maldição que o deixara congelado no tempo e no espaço, mas também porque estava se aproximando. Ele raramente interferia nos assuntos da cidade, mas podia observar a atmosfera se modificando enquanto Regina e Emma se preparavam para enfrentar uma à outra, reunindo poder e aliados à sua volta.

Gold sabia que Emma precisava de algo que pudesse chamar de seu naquela cidade para ali permanecer – o filho era um incentivo, mas após algum tempo não seria o bastante –, por isso, ele arranjara para que ela conseguisse o cargo de xerife quando Graham morrera subitamente poucas semanas antes, fazendo com que ela ao mesmo tempo entrasse de modo definitivo na pequena e seleta comunidade de Storybrooke e adquirisse um cargo de poder relativo.

Depois disso, a vida naquele lugar se tornou ainda mais inquieta. Emma já havia conseguido um grande e leal amigo em Archie Hopper, que era psicólogo de Henry e tinha algum poder na hora da decisão a respeito do futuro do garoto – e, portanto, sobre a própria Regina. Tomara a decisão errada ao se aliar a Sidney Glass, entretanto, pois o repórter estava indubitavelmente ao lado de Regina e certamente a trairia. Mas aquilo não tinha importância, pois Emma se recuperaria rapidamente do golpe: a traição serviria apenas para fortalecê-la, para que ela entendesse melhor com quem estava lidando.

Havia, também, algo que incomodava até mesmo Gold: alguns dias antes, dois homens haviam chegado há Storybrooke, deixando todos os cidadãos muito curiosos. O prestamista, entretanto, sabia mais do que a maioria: apenas pessoas que haviam nascido no mundo onde a maldição havia sido lançada seriam capazes de, sozinhos, localizar a cidade, as pessoas de quaisquer outros mundos precisariam ser guiadas por alguém de dentro – apenas ele e Regina compreendiam o risco em que Henry se colocara quando saíra da cidade para buscar a mãe biológica: caso ela não tivesse aceito voltar com ele, o menino jamais teria encontrado o caminho de volta para Storybrooke. De modo que era certo que os dois homens desconhecidos eram do mesmo mundo que a grande maioria dos habitantes da cidade.

Gold ainda não havia tido a oportunidade de se aproximar daqueles dois, mas soubera através das conversas que entreouvira que seus nomes eram August e Ryan, o primeiro sendo um escritor que dizia ter vindo à cidade em busca de inspiração, o que não dizia a Gold o que ele realmente queria saber. Curioso, embora nada surpreendente: ele não esperava que os dois homens deixassem suas identidades tão óbvias.

Certo dia, no dia posterior à tempestade que deixou Storybrooke no escuro por muitas horas, Gold saiu para coletar o aluguel pela manhã. Mesmo que semanas houvessem se passado desde a chegada de Emma e a maldição estivesse claramente mais fraca, ele gostava de manter a sua rotina, de modo a não levantar as suspeitas de Regina sobre si: queria permanecer possuindo o elemento surpresa por mais algum tempo.

Ele passou pela biblioteca da cidade pensando no quanto Belle teria insistido que a abrissem e em como seria difícil explicar a ela a respeito do dragão aprisionado no subterrâneo. Gold deixou escapar uma risadinha ao imaginar a jovem brigando com ele por isso, sem levar em consideração o fato que aquele dragão específico era uma perigosa feiticeira transformada. Sua esposa sempre tivera o coração bondoso e pronto para o perdão. Eu vou encontrá-la, Belle. E, quando o fizer, buscaremos juntos por Gaël e Bae, e nós quatro finalmente poderemos uma família!

Estava tão perdido em seus pensamentos a respeito de Belle e seus filhos que acabou por não ver um dos novos forasteiros cruzando a esquina de uma rua. O homem – que mais parecia um rapaz – também devia estar distraído, pois não conseguiu evitar uma colisão com ele, que acabou por provocar a queda de Gold.

O jovem se desculpou insistentemente enquanto o ajudava a se levantar, mas Gold se encontrava muito atordoado olhando nos olhos azuis dele. O prestamista os teria reconhecido em qualquer lugar, em qualquer rosto: eram os olhos de sua Belle, exatamente a mesma cor e a mesma forma.

“D-desculpe-me, senhor,” disse o rapaz, e Gold percebeu que havia mais do que simples preocupação em sua voz: havia medo. “E-eu estava distraído e não o vi. Espero que não tenha se machucado.”

Gold o encarou, balançando a cabeça negativamente enquanto tentava se recuperar da surpresa: era quase certo que aquele era Gaël, o seu filho com Belle. Entretanto. Entretanto! Se isso era verdade, por que não teria entrado em contato antes? Por que estaria com medo dele? Acharia que Gold ainda estava amaldiçoado? Ou que a maldição o havia feito retornar aos seus velhos hábitos desagradáveis? Quem seria o outro homem? Haveria alguma chance de ser Baelfire? As perguntas continuavam surgindo em sua cabeça ininterruptamente.

“O senhor tem certeza de que está bem? De que não precisa de um médico? Está muito pálido e parece um pouco atordoado,” ele perguntou, o medo dando lugar à aflição.

“Eu estou bem,” disse Gold, após mais uma pausa silenciosa, na qual permaneceu ainda incapaz de desviar os olhos dele. “Não creio que o tenha visto na cidade antes, senhor…”

“Greenley, senhor. Ryan Greenley,” ele disse após um momento de hesitação.

Gold assentiu, brevemente, e os dois permaneceram se encarando em silêncio por mais alguns segundos enquanto o prestamista processava o que via diante de si. A voz do rapaz lembrava vagamente a dele próprio, e os cabelos castanhos ondulavam nas pontas como os de Belle. Por fim, Gold balançou a cabeça negativamente e quebrou o silêncio:

“Se me der licença, Mr. Greenley, eu estou um pouco ocupado nesta manhã, há pessoas que preciso visitar antes do meio-dia,” disse Gold, dando um passo adiante. “Preste mais atenção por onde você anda, rapaz, ou acabará realmente machucando alguém.”

Greenley assentiu e deu um passo para o lado, abrindo espaço para que Gold passasse. O homem já havia dado alguns passos em direção ao seu primeiro destino naquele dia – se forçando a não olhar para trás – quando ele ouviu a voz do rapaz chamando-o.

“Foi um prazer finalmente conhecê-lo, Mr. Gold,” disse, seu tom de voz exatamente no meio do caminho entre a diversão e a seriedade.

Gold não pôde se conter e olhou para trás. O rapaz o encarava com um sorriso torto nos lábios, um sorriso que o prestamista conhecia das poucas vezes em que conseguira ver o próprio rosto durante seus acordos: era o sorriso de um mestre negociador, uma máscara.

Ele demorou quase cinco segundos para perceber que o rapaz dissera o nome dele, embora Gold não o tivesse enunciado: uma pequena dose de informação dada no momento correto. O garoto era seu filho, não havia mais a menor dúvida.

“Foi um prazer conhecê-lo também, Mr. Greenley,” disse com muita sinceridade e um sorriso idêntico, e voltou a caminhar na direção oposta, sabendo-se muito orgulhoso.

~~//~~

Após alguns momentos tentando recobrar suas forças enquanto sentia as lágrimas de seu marido pingando suavemente em seus cabelos, Belle ergueu os olhos e encarou a mulher de vestido azul diante de si. A jovem se lembrava de Rumpelstiltskin lhe contando que aquela era uma inimiga – e provavelmente poderosa –, mas ela sabia que a fada salvara a sua vida e a de seu filho e, observando o sorriso sereno e sincero no rosto dela, Belle não conseguia sentir medo.

Ao perceber que a jovem a encarava, a fada deu um passo em direção ao casal. Rumpelstiltskin notou o movimento dela e segurou Belle com mais força contra si e, quando ela se voltou para o marido, viu que ele lançava um olhar intimidador para a fada.

“Não creio que tenhamos sido apresentadas devidamente, minha criança,” disse, ignorando completamente a atitude protetora de Rumpelstiltskin – e se tornando a primeira pessoa que Belle não via tremer diante da possibilidade de fúria dele. “Eu sou a Blue Fairy, também conhecida como Reul Ghorm.”

“A estrela azul, eu já ouvi falar de você,” disse a jovem, lentamente, fingindo não notar o olhar de alerta que o feiticeiro lhe lançava. “Sou Belle, que um dia foi de Avonlea e hoje é a dama do castelo de Rumpelstiltskin.”

As duas se encararam de modo amistoso por algum tempo, e Belle percebeu que a fada estava se divertindo com as reações do feiticeiro, embora escondesse seus sentimentos muito bem – talvez, Rumpelstiltskin estivesse errado a respeito dela, talvez, ela não fosse uma inimiga. Por fim, a fada fez uma varinha aparecer com um movimento de suas mãos e, ignorando completamente o grunhido do feiticeiro – que permanecia apertando a jovem com força contra si –, fez surgir um pequeno cordão prateado.

“Eu não posso prever o futuro como o seu marido, mas não preciso fazê-lo para saber que o caminho que o seu filho trilhará não será fácil. Filho do Senhor do Escuro com uma pura de coração e produto do amor verdadeiro: como poderia ser?” Disse a fada, deixando escapar um pequeno suspiro enquanto observava Belle segurando o filho de modo protetor, ela não deixaria ninguém machucá-lo. “Enquanto ele preservar o coração puro e cheio de amor, o cordão brilhará prateado e ele será considerado amigo das fadas, de modo que sempre encontrará abrigo e proteção conosco.”

A fada se aproximou lentamente sob o olhar atento – embora um pouco menos beligerante – de Rumpelstiltskin e colocou o cordão em torno do pescoço de Gwenaël, que fez um pequeno barulho, como se afirmasse que tinha consciência do que estava acontecendo. Por um momento, o cordão emanou uma luz prateada, mas isso acabou por se cessar rapidamente quando o menino abriu os olhos espantosamente azuis pela primeira vez.

“Como eu disse antes, essa criança será especial, Belle,” disse a fada, após um momento de silêncio, fazendo com que o olhar da jovem fosse desviado dos olhos abertos prematuramente de seu filho. “Ele contém muita magia encerrada em si e poderá se tornar uma arma nas mãos da pessoa errada, portanto, proteja-o.”

Belle assentiu e agradeceu à fada, que lhe lançou um último sorriso amistoso e se voltou para Rumpelstiltskin, que a encarou séria e longamente até o momento em que ela finalmente desapareceu em meio à luz azul.

“Você não deve confiar nela, Belle,” disse o feiticeiro, abraçando a jovem e mergulhando seu rosto contra os cabelos dela. “Essa fada pode parece bondosa, amigável e sempre prestativa, mas foi ela a responsável por enviar o meu Baelfire por um portal até um mundo sem magia.”

Então, antes que Belle absorvesse o que ele estava lhe dizendo, Rumpelstiltskin começou a lhe contar a respeito do filho que perdera – assunto no qual ele sempre havia se recusado a aprofundar.

“Eu fui covarde, Belle. Meu filho começou a ver eu me despindo de minha humanidade e buscou meios para reverter essa situação,” disse o feiticeiro, com a voz carregada de tristeza e arrependimento. “Certo dia, ele chegou em nossa casa segurando um feijão mágico e dizendo que a Blue Fairy lhe contara que aquilo poderia nos transportar para um mundo sem magia, onde eu não mais seria afetado pela maldição da adaga.”

Belle se voltou para o marido, sabendo que ele estava lhe contando o seu último e mais precioso segredo. Rumpelstiltskin, afastando-se um pouco para encarar a esposa, tocou o rosto dela com carinho, e Belle fechou os olhos por um momento.

“Eu fui incapaz de segui-lo quando ele caiu no portal: o grande arrependimento da minha vida,” ele disse, e Belle abriu os olhos apenas para encarar o arrependimento que ele emanava. “Eu procurei a Blue Fairy, que deixou escapar uma informação a respeito de uma maldição que me levaria até onde meu filho estava.”

“U-uma maldição?” Perguntou a jovem, incerta sobre querer saber a respeito disso, embora soubesse que era crucial.

“Durante mais de um século, eu procurei essa maldição, e agora a estou modificando para que atenda melhor aos meus objetivos. Quando estiver finalmente pronta, eu entregarei à Regina, que a lançará,” disse o feiticeiro, lentamente, enquanto Belle se perguntava a respeito da natureza dessa maldição que nem mesmo Rumpelstiltskin desejava lançar.

“Por que não lançá-la você mesmo?”

Rumpelstiltskin fez uma longa pausa, encarando-a com um misto de ternura e preocupação. Belle sentiu que, embora ele relutasse em respondê-la, não tinha a menor dúvida de que não seria capaz de lançar aquela maldição. Ela temia a natureza daquilo que seu marido estava criando sem que ela soubesse e, pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se traída.

“Toda magia tem um preço, e o dessa maldição é o mais terrível,” disse Rumpelstiltskin, por fim. “O coração da pessoa que você mais ama, esse é o preço de uma maldição que se sobreporá a todas as outras maldições.”

Repentinamente, como se tivesse compreendido o que o feiticeiro estava dizendo, Gwenaël começou a chorar, sobressaltando os pais por um momento. A jovem encarou a criança em seus braços tentando se decidir a respeito do que fazer: sua inexperiência a assustando. Rumpelstiltskin, entretanto, desabotoou a camisola da esposa, que deslizou sobre os seus ombros.

“Ele pode estar com fome, minha querida,” disse o feiticeiro quando Belle se voltou para ele, sentindo uma raiva crescente. “Você certamente sabe como crianças recém-nascidas se alimentam, não é?”

Belle se voltou para o filho e o guiou até seu seio nu. Rumpelstiltskin a abraçou com carinho quando o menino começou a sugar vorazmente o seio da jovem, provocando-lhe uma sensação de completude como ela nunca havia sentido anteriormente. Ela era uma mãe: aquilo a aterrorizava um pouco, mas também lhe causava uma emoção que Belle era incapaz de descrever.

“Eu preciso proteger você e ele,” disse Rumpelstiltskin, mergulhando o rosto no ombro nu da esposa, após um momento de silêncio. “Essa maldição que nos levará a um mundo sem magia também nos deixará à mercê de Regina durante os vinte e oito anos que ela vai durar.”

A realidade das palavras de Rumpelstiltskin a atingiram como um raio: Regina teria o domínio total, e poderia machucar a criança pura e inocente em seus braços.

“Eu preciso enviá-los antes, de modo que a maldição não os afete, para que ela não possa machucá-los em uma tentativa de usá-los contra mim,” disse o feiticeiro com a voz e as mãos trêmulas. “Há uma profecia, entretanto, que diz que eu encontrarei o meu filho através da maldição. Eu devo mandá-los antes e reencontrá-los após os vinte e oito anos de maldição.”

Belle se sentiu nauseada. Seu marido, que havia prometido estar com ela para sempre e protegê-la, estava cometendo novamente o erro que cometera com o seu primeiro filho, Baelfire. A jovem sentiu as lágrimas em seus olhos diante de tamanha traição.

Vinte e oito anos, Rum! Você perderá vinte e oito anos da vida de um filho na esperança de achar outro?” Disse, enquanto se afastava para encará-lo e se xingava mentalmente por estar se sentindo tão mal e vulnerável. “Como isso é diferente do que você fez com Baelfire?”

“Belle, eu estou deixando Gwenaël nas mãos da pessoa em quem mais confio: você! Baelfire caiu sozinho no portal, eu preciso encontrá-lo para descobrir se ele está bem, se é feliz,” disse Rumpelstiltskin com tristeza.

Eles permaneceram em silêncio enquanto Belle absorvia o que escutara de seu marido, incapaz de se decidir o que sentir e como reagir àquelas informações. A enormidade de tudo o que havia acontecido naquele dia – desde o nascimento de seu filho à história contada por Rumpelstiltskin – pesavam sobre os seus ombros.

Repentinamente, ela ouviu seu marido arquejando e sentiu um brilho dourado a envolvendo completamente. Tudo ficará bem, disse uma voz conhecida dentro de sua cabeça, e a jovem se sentiu repentinamente muito calma enquanto se voltava para a fonte da luz – e percebia que esta era Gwenaël.

Vou protegê-lo, ela pensou, sentindo o confortável calor a envolvendo, lembrando-a do cansaço que ainda sentia após o duro nascimento. Ela sorriu para o filho, olhando nos olhos azuis idênticos aos seus e esperando que ele compreendesse aquele gesto.

Eu sei, disse uma voz em sua cabeça, e Belle repentinamente se lembrou de onde a conhecia: o primeiro Gwenaël de fato a reencontrara.

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*"Temos de vir para ver/O que a Terra deve ser: um livre santuário/Tudo o que nós sacrificamos/No final tem o seu preço/Um paraíso renovado ainda vivo/Em seus olhos" (Música: This is the Time - Epica)


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Notas finais do capítulo

Eu espero com toda a sinceridade que todos tenham apreciado o desfecho dessa história.

A próxima parte tratará de Ryan procurando Belle em Storybrooke enquanto nós descobrimos o que, de fato, aconteceu com ela na Enchanted Forest. Belle perdoará Rumpelstiltskin por ter pensado em abandoná-la? Os dois entregarão Gwenaël para Maurice? Ryan e Gold se aproximarão como pai e filho em Storybrooke? São algumas questões que a próxima fic responderá.

Agradeço a todos que acompanharam! Espero que todos tenham gostado dessa parte da história, que tem por objetivo central introduzir a minha personagem original, o Ryan. Ele (e a história) tomaram um rumo muito inusitado no último capítulo e neste, de modo que houve uma mudança significativa em tudo.

Até a próxima parte! Um grande abraço a todos que acompanharam!