Sede de Criança escrita por Semideusa de Papel


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

É uma história curta. Somente um capítulo, mas acho que ela está bonitinha! Então, espero que gostem!



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Milliana pegou o dinheiro, vestiu-se, fitou com desprezo o homem que ainda se encontrava despido na cama e saiu às pressas. As ruas de Redwine eram desertas, apenas olhares de bêbados e de traficantes nos becos faziam-lhe companhia. Contou o dinheiro, era pouco e não dava para alimentar a filha por mais uma noite.

Abriu a porta de seu apartamento barato e olhou o pouco que possuía. Um quarto com paredes descascadas, um velho colchão, onde sua filha de apenas oito anos dormia e uma pilha de escassas roupas mofadas jazia. Milliana jogou seu chapéu sobre o amontoado de roupas e foi até o banheiro. O único espelho estava rachado, porém dava para ver que seus loiros cabelos com medeixas castanhas estavam secos e seu rosto perdera o brilho de tantas noites agradando os senhores solitários e famintos por prazer. Espiou a filha com lágrimas nos olhos, pegou uma pequena bolsa em trapos, colocou uma maçã, dois brioches duros e secos e um pequeno recipiente com água. A manhã já surgia, deu um beijo em sua filha, Collet, e a acordou.

Era difícil fazer aquilo, mas não aguentava mais ver a filha naquele estado deplorável. Milliana disse que a levaria para um passeio na floresta. Juntas, andaram durante vários minutos por uma trilha estreita. A mãe entregou a velha bolsa à menina, e com um abraço apertado e vários beijos molhados pediu para Collet que a esperasse ali, desfez-se em lágrimas para nunca mais voltar.

Collet esperou durante horas, e quando percebeu que a mãe não voltaria, desatou a chorar. Um coelho negro passou pela menina, despertando sua curiosidade. Collet o seguiu, até que começou a chover. Olhou para trás e notou que a trilha de onde viera, não estava mais lá, ela havia se perdido. Resolveu seguir em frente e para sua sorte, ao cair da noite encontrou um castelo antigo, porém convidativo.

Ela reparou que a porta estava entreaberta e logo entrou. Um enorme corredor jazia a sua frente mal iluminado. Olhou para as pinturas que estavam nas paredes. Eram de diferentes épocas, todas retratavam crianças cerca de dois anos mais velhas do que ela. O curioso é que em todas apareciam as mesmas duas figuras e as crianças pairavam com os olhos parecendo dois buracos negros como se um grande lobo tivesse afiado suas garras neles.

Um ruído alto a fez soltar um grito abafado. Olhou para o local de onde veio o barulho. Um palhaço veio em sua direção, não sabia dizer quantos anos tinha o homem, pois a maquiagem era carregada. Ele fez uma reverência e tratou de cuidar da menina como se fosse uma hóspede muito esperada. O palhaço se apresentou como Robb, e a levou para um quarto, onde havia tudo que uma criança podia querer. Havia brinquedos dos mais variados, doces, almofadas em cima de uma grande cama de beliche que descia em um escorregador. Uma hora depois de ele ter ido embora, Collet resolveu descer para explorar o castelo.

Sem saber como, ela estava em uma cozinha. Havia um homem de terno preparando algo que possuía um cheiro maravilhoso. Ele rapidamente reparou na presença da garota e se virou. Seus cabelos negros caiam com cachos pendentes sobre as orelhas, a pele morena e os olhos de um prata. O homem deu um sorriso amável, curvou-se se apresentando como Sebastian, o mordomo da casa. Os dois conversaram horas a fio, até que alguém abriu a porta da cozinha. Rapidamente Collet notou que era o palhaço, porém, sem a maquiagem. Ele era um homem de cabelos ruivos e sedosos, olhos negros como dois botões e a pele tão branca que parecia capaz de se camuflar com a neve. Eles eram gentis e dóceis com ela, apesar de aparentarem um tanto mórbidos e calados.

Um dia, Collet resolveu explorar alguns cantos do local. Fazia quase dois anos que morava lá, porém nunca tinha reparado em uma escada estreita no primeiro andar. Desceu até um porão, ela nunca havia estado naquele lado do castelo. Ao adentrar o lugar, um cheiro horrível invadiu suas narinas, era como se algo estivesse apodrecendo ali. Acendeu uma vela que tinha levado por precaução, uma grotesca expressão cobriu sua face. O cheiro que ela havia sentido, era de cadáveres se decompondo, alguns já sem carne, mas nenhum fresco. Ela se lembrou das figuras que vira na entrada no dia em que achou o castelo, as roupas que demoram mais tempo para apodrecerem em meio à carnificina, eram de crianças. Ela correu as escadas indo direto para o corredor das pinturas. Collet ficara tão pálida quanto uma boneca de porcelana quando viu que Sebastian e Robb eram as figuras sorridentes das imagens.

Ela deu um grito sufocado e as pernas bambas trataram de correr coxeando para além da porta em direção à floresta. Ela tinha alcançado a maçaneta quando um pano cobriu-lhe o rosto e um cheiro forte a fez desmaiar. Collet acordou acorrentada em seu quarto e os dois mordomos sorriam para ela com uma falsa ternura estampada.

"Pequena Collet, agora que sabes de quase tudo, podemos lhe contar o resto. Nós vivemos a muito tempo nesse castelo. A cada cinquenta anos uma criança perdida ou abandonada acaba por destino vindo parar aqui." Começou Sebastian com um ar sádico. "Não pense que somos malvados, nós apenas queremos viver um poco mais... e o preço é alto."

A menina não viu mais nada após aquelas palavras, apenas sentiu uma dor aguda em seu peito e sua garganta ficou seca. Mas, não era uma sede qualquer. Era um desejo. Um desejo de beber almas pequenas, novas e puras. Sentiu uma dor no pulso e primeiro achou que essa era a sensação de estar morta, porém se sentia viva demais para isso. Abriu os olhos e não viu nada. Colocou as mãos neles, mas eles não estavam mais lá, apenas duas órbitas vazias. Em prantos, ela notou que era apenas mais uma pintura no corredor do velho castelo.


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