A Feiticeira escrita por rkaoril


Capítulo 23
O deus escoteiro com um péssimo latim




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XXIII

SUZANA

SUZANA ESTAVA PRONTA PARA PARTIR quando o sol se pôs. Ela estava sentada no chão da principia, vestindo jeans confortáveis, botas para neve e um casaco roxo muito bom. Seus cabelos tinham finalmente aproveitado um banho de verdade e estavam amarrados para trás, com os elásticos milagrosos de seu meio-irmão do chalé 9. Ela observou enquanto Catherine repetia novamente, e então novamente todo o tipo de precauções que Johnathan deveria ter. Ela até teve pena do garoto.
– Se vir uma hidra – disse ela, pela milésima vez – não corte as cabeças.
– Certo.
– Não olho nos olhos da Medusa.
– É claro.
– Coma muito e beba bastante água.
– Okay Cat. – ele disse. Catherine estreitou os olhos para ele. Suzana talvez estivesse vendo coisas, mas parecia rolar um clima entre Catherine e Johnathan.
– Elas vão demorar muito? – perguntou Suzana para Catherine.
– Eu não sei. – disse ela, balançando a cabeça e fazendo seus cabelos castanho-claros acompanha-la – Eles deveriam estar aqui por agora.

Suzana assentiu. Catherine e Elizabeth tinham acordado ela, mas Elizabeth e Sabrina foram dar um passeio em Nova Roma antes de partir para ter certeza que iriam ir preparadas com todos os suprimentos necessários – no fundo, Suzana sabia que ambas só tinham ido comprar comida para calar o estômago hiperativo de Elizabeth: a menina parecia ter uma fome do cão (ou melhor, do Cérbero) nos momentos menos propícios.

Johnathan sentou ao seu lado.
– Olá – ele disse – acho que não fomos apresentados propriamente.
– Oi – sorriu Suzana para ele – eu me chamo Suzana Smith.
– Eu sou JohnathanCesaroni, mas pode me chamar de John. Quantos anos você têm?
– 16. Você?
– 16 também. Catherine tem 17, essa maldita.
– Eu estou ouvindo – disse Catherine. Suzana sorriu maldosamente para ele.
– Você gosta dela? – sussurrou. John ficou vermelho.
– Não.
– Mentiroso.

John não teve tempo para se defender. Naquele momento, Sabrina e Elizabeth entraram na principia com suas mochilas quase explodindo de tanta coisa. Elizabeth – para colocar ênfase na história, pensou Suzana – estava comendo um sonho de creme.
– Honestamente – reclamou Sabrina – só não levaram meus dentes por que estão presos na gengiva. – Theo pareceu desconfortável.
– Me desculpe, mas eles não sabem exatamente fazer a troca entre denários e dracmas.
– Mas eu tinha dólares! – disse Sabrina – Eles cobraram muito caro!
– Eu vou falar com eles, da próxima vez – disse Catherine – só por que você é rico, não quer dizer que os outros são também Theo.
– Me desculpe. – Theo pareceu miserável. Suzana suspirou. Pobres coitados.
– Então, já podemos ir? – perguntou Elizabeth.
– Ainda não. – Catherine olhou para John – Você sabe que...
– Sim, eu sei Cat. – ele disse. Catherine franziu a testa para ele novamente – Blábláblá, vá para PikesPike como daquela vez. Bláblá não se faça de louco. Blábláblá não insulte deuses.
– Isso aí. – ela disse, dessa vez mais brava. Suzana percebeu que ela estava tentando ajeitar a postura, permanecer séria. Ela se lembrava que quando entraram na principia sua postura era autoritária e séria, como uma general. Era fácil descobrir por que estava tão relaxada nesse momento.
– Vocês têm alguma ideia de como chegar no Colorado? – perguntou Theo. Suzana percebeu que teriam que usara rodoviária novamente, ou não tinham um plano. Sabrina felizmente as salvou.
– Nós temos muitas possibilidades – ela disse – poderíamos procurar por Hermes, ou no seu caso Mercúrio, o deus das viagens em buscar ajuda. Ele geralmente apoia semideuses em suas missões. Também poderíamos usar trem. Daqui até o Colorado mudaríamos constantemente de linha, dificultando os monstros de nos encontrar e chegaríamos a tempo, também poderíamos fazer o mesmo de ônibus. E Elizabeth pode viajar nas sombras, embora estejamos guardando isso para emergências. – Sabrina olhou para Elizabeth como que esperando que ela dissesse alguma coisa. Elizabeth engoliu o resto de seu sonho (o rosto coberto de açúcar e creme amarelo) e assentiu.
– É um poder em fase de teste, mas eu tenho certeza que poderia fazer.
– Isso parece bom para mim. – disse John. Catherine concordou.
– Não se esqueçam – disse Theo – que vocês devem ser muito educados com o deus dos ventos. Ele é muito cabeça quente.
– Eu imagino – resmungou Elizabeth.
– Já fizemos isso uma vez – John piscou para Catherine – Não é Cat? – Catherine assentiu.
– Mas tente ser um pouco mais... sutil desta vez.
– O que aconteceu na primeira vez? – perguntou Sabrina.
– Éolo ficou um pouco... irritadinho. – disse John, pausando como Catherine como se não soubesse qual a melhor palavra para usar.
– Você quase destruiu o palácio dele. – apontou Theo. John deu de ombros.
– Detalhe.

Wow, pensou Suzana, talvez não seja uma boa ideia leva-lo junto.
– Acho que é melhor usar o trem. – continuou John – Quanto mais alto, melhor. – Elizabeth estremeceu.
– Não compartilhamos esse ditado.
– O trem ou ônibus, tanto faz. – disse Sabrina – Não vejo problema em nenhum dos dois. – Suzana não tinha certeza, então achou melhor não opinar.

***

Eles decidiram pelo trem, já que era o único meio de transporte que alguém tinha preferência (além de aviões, é claro, mas Elizabeth recusou). Tiveram a sorte de chegar à Ferry Buildings e encontrar um ônibus direcionado à Colorado Springs, a cidade de PeaksPike. Tiveram um problema na hora do embarque.
– Por favor, seus documentos – pediu uma velha gordinha que vendia as passagens. Suzana foi a primeira a encontrar, deixava os documentos sempre à mão. Então todos encontraram as identidades e colocaram no balcão. A velha estreitou os olhos por trás dos óculos de meia-lua – Elizabeth Roxanne Lalonde? – ela olhou para Elizabeth. Suzana não sabia que Elizabeth tinha um nome do meio.
– Sim? – perguntou Elizabeth inocentemente.
– Você tem apenas quinze anos. Precisa de um maior de dezoito para te acompanhar.
– Espera – disse Sabrina – nós temos dezesseis, não podemos acompanhar ela?
– Eu faço aniversário em três meses – tentou intervir Elizabeth. A mulher parecia decidida.
– Por favor senhora - pediu Suzana – é importante. – a mulher pareceu entorpecida por um momento.
– É, a minha prima, a irmã dela. Helen está morrendo de câncer. – disse John, então fez um biquinho. Suzana achou que não daria certo, mas a mulher pareceu sensibilizada.
– Eu sinto muito – estendeu as passagens - podem ir.
– Como você fez isso? – perguntou Suzana enquanto eles entravam no trem (uma estrutura de ferro parecida com um metrô, mas mais limpa e mais confortável com grandes janelas, felizmente, não havia ninguém no vagão que escolheram).
– Técnica – respondeu Elizabeth por John, parecendo se ressentir – ele treina desde que se entende por gente.
– Então vocês se conhecem? – perguntou Sabrina, sentando ao lado de Elizabeth em bancos que ficavam de frente para outros (provavelmente prevendo que se deixassem Elizabeth e John juntos haveria uma guerra).
– Mais ou menos, eu acho. – disse John se recostando no banco ao lado de Suzana, que se afastou um pouco. Não gostava de pessoas espaçosas (com exceção talvez das pessoas espaçosas íntimas, como Sabrina e Elizabeth) – Era o que, o jardim de infância?
– Por aí. – disse Elizabeth, olhando para a noite na janela ao seu lado, parecendo longe do assunto. Suzana a conhecia bem o suficiente para saber que não queria falar sobre isso por causa de razões pessoais.

Ela tinha que admitir que estava mortalmente curiosa sobre o passado de Elizabeth, mas nunca mencionou isso por que sempre achou que quando estivesse pronta, Elizabeth falaria.

O trem logo começou a andar. Suzana gostaria de ter ficado na janela, mas John fez questão. Ela apoiou a cabeça para trás, mas não se sentiu confortável. Fechou os olhos, não pôde descansar.
– Suzana – disse Elizabeth. Ela abriu os olhos e olhou para ela.
– Você quer trocar de lugar?
– Por que ela iria querer trocar de lugar? – perguntou John de mau humor.
– Por que você é espaçoso e a deixou desconfortável, por isso.
– Não tem problema – interveio Suzana – eu estou bem.

Suzana ajeitou a postura – não estava com sono, no final. Dormira durante o dia.

Ela gostaria de estar sentada para a janela e poder cuidar o mundo lá fora. O trem iria atravessar uma cordilheira até em PeaksPike, e então descer em Colorado Springs. Suzana gostaria de ver as montanhas, mas não conseguia enxergar nada lá fora da distância que estava com as luzes do trem refletindo na janela de vidro. Ela se ajeitou de novo, procurando conforto. Chutou um pouco a mochila em seus pés até decidir por pegar seu mp4 e ouvir algumas músicas para passar o tempo.

Já haviam passado várias horas e já estavam nas montanhas quando John pareceu se assustar. Ele colou o rosto no vidro e então disse algo que Suzana não ouviu, por causa da música. Ela também não podia ver o que estava acontecendo lá fora. Viu Elizabeth e Suzana pegando as bolças nos pés e puxando ela, gritando alguma coisa. Tirou os fones.
– ...deuses das montanhas! – gritou Sabrina. Não ouve tempo para resposta: naquele momento, John desgrudou a cara da janela e se arremessou em Suzana, fazendo ambos despencarem do banco e levarem Sabrina e Elizabeth com eles.

Quando Suzana abriu os olhos no chão, ouviu vidros se quebrarem, gritos e o ferro que o trem era feito se entortando e o barulho dos freios de emergência nos trilhos de ferro. Ela mordeu o lábio para não gritar quando olhou para cima e viu uma bola de terra e pedra tão imensa quanto Theo passando por cima da sua cabeça e atravessando o trem como se tivesse o que fazer em outro lugar. Quando a bola desapareceu, deixando o trem aos pedaços, eles começaram a se levantar.
– Por que você fez isso?! – gritou Elizabeth no buraco enorme por onde a bola havia aberto caminho para entrar. Suzana não sabia com quem ela estava falando, então colocou sua cabeça para fora.

O lugar era de tirar o fôlego, literalmente. A cordilheira Front se estendia em várias montanhas enevoadas, a própria neve dava um visual de aldeia do Papai Noel com os pinheiros e eucaliptos enevoados. Alguns metros depois do trilho do trem onde estavam, um precipício aparentemente sem fim onde névoa impedia Suzana de ver as luzes da cidade lá embaixo. Sim, estavam nas montanhas mas Suzana tinha certeza que não haviam chegado no Colorado ainda.

Alguns metros depois do precipício, em uma curva que o trilho do trem faria se não tivesse sido furado, estava o homem com quem Elizabeth gritara. Ele usava o que parecia uma roupa de escoteiro – camisa verde cheia de broxes que diziam coisas como “Eu ♥ a Cordilheira Front” e “Escoteiros veteranos dos montes rochosos”. Também vestia um short, que assim como a camisa não combinavam com a neve que caía sob as montanhas e meias três quartos com sapatos sociais. Tinha uma barba branca longa, que combinava com o cabelo cinza atado em tranças atrás, como um eremita louco. Sua expressão era tão raivosa quanto a de Elizabeth.
Malum filia Pluto! Monsconiungeredoceboiterum!– gritou o deus de volta.
– O que ele disse? – perguntou Suzana.
– EU NÃO FALO LATIM! – berrou Elizabeth de volta.

O deus das montanhas então dobrou suas costas e começou a juntar terra do chão para fazer outra grande bola de terra, pedras e neve. Elizabeth felizmente pegou Suzana pela gola e disparou pelo trem, procurando uma saída. Sabrina e John as seguiram.
– Ele disse ‘maldita filha de Plutão, vou te ensinar a não entrar na minha cordilheira novamente’. – respondeu John para Sabrina enquanto corriam – E o latim desse cara é péssimo, parece ter sido copiado do Google Translater.
– Ótimo – resmungou Elizabeth na frente de Suzana enquanto quebrava a alavanca do vagão para avançar para o vagão anterior – mais um deus que me odeia.

Ela chutou a porta e avançou para o próximo vagão. Quando Suzana viu John – o último da fila – entrar, ouviu uma grande explosão dentro do vagão que deixaram indicando outra bola de pedra. Suzana se apressou a seguir Elizabeth e ignorar os mortais que gritavam desesperados, acocados no chão debaixo dos bancos com as mãos nas cabeças.

Sabrina passou Suzana e foi falar com Elizabeth.
– Precisamos deixar o trem.
– Eu sei.
– Não, você não intendeu! – ela apontou para a janela. Suzana pensou ter visto a lua se aproximando – AGORA! QUEBRE ALGUMA COISA PARA NOS TIRAR DAQUI!

Elizabeth não perdeu tempo. Ela não exatamente quebrou alguma coisa, mas puxou a espada das costas e fincou no ferro de uma das paredes, cortando o que parecia um retângulo em pé do tamanho de John. Ela então chutou o ferro, descolando-o e abrindo uma porta.
– Vão! – gritou para eles. Suzana pegou Sabrina pela mão e pulou dentro do buraco, colapsando contra o chão a tempo de ouvir gritos dentro do vagão e o barulho da bola de pedra colapsando contra o ferro.


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Notas finais do capítulo

O latim é ruim por que foi realmente traduzido no Google Chrome. Me desculpem, eu não conheço ninguém que fala latim para oferecer uma boa tradução (com excessão de padres, mas eles iriam ficar tipo "ei, o que você tem com deuses pagões?")

Embora talvez tenha ficado confuso, em alguns capítulos atrás pareciam que todas tinham quinze.
Na verdade, todos (com exceção de Elizabeth) tem dezesseis. Foi uma confusão que eu não achei necessário explicar na hora, então estou explicando agora.

Outra coisa - nos EUA os jovens de 16 anos são considerados praticamente maiores de idade. Eles podem viajar sozinhos, dirigir, etc. Mas se você tem 15, como dito na história, é preciso um maior de 18 pra acompanhar (a não ser que você esteja acompanhado de um filho de Júpiter gatinho, é claro).



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