É curioso a forma como o dia se modifica por um elemento e apenas um. Interessante como a luz do Sol fica opaca e o seu calor, desagradável. Como a brisa torna-se irritante ao bagunçar um cabelo que já é armado o suficiente e traz ao rosto apenas sujeira. Como a grama fica velha e mal preservada, assim como a grande árvore que mostra sinais de podridão.

Todas as brincadeiras são maldosas ou insensíveis e qualquer observação feita lhe é atravessada. Talvez sejam os olhos, mantidos por olheiras e emoldurados pelo cansaço, que estejam turvando o restante do seu corpo. Ou talvez os ouvidos sensibilizados por algum motivo, que não suportam qualquer grito ou ruído, que estejam tornando aquela música agradável, repulsiva.

E o sorriso... Qual? Rostos com força rompidos, faces cheias de vincos e os olhos semicerrados para obrigar algum brilho. Tudo tão dispensável, descartável, desvalorizado por si mesmo e pronto.

Engraçado que ontem não era nada disso. Este mesmo lugar, estas mesmas pessoas e meus próprios membros. Tudo estava tão diferente. As coisas poderiam mudar de um dia para o outro tão literalmente? Tão de repente, realmente? Impossível, improvável, intocável, irreal...?

Todas as árvores e pedras estão no lugar. Nenhum comportamento mudou, as pessoas estão todas na sua posição de ontem. Ontem, ontem, ontem. Como ontem, tal como ontem, tudo e todos estão no lugar. Então...

Será que é por isso mesmo? Será que é por isso que tudo mudou? Tudo está no lugar exceto uma coisa. Mas essa coisa não é essencial para o universo. Ela não sustém as leis da Física, também não rege cada molécula, tampouco zela por cada mente e coração humano buscando convencê-lo a deixar ser curado. Essa coisa é tão pequena, tão relevante e insignificante, não tem comparação a nada de que dependa a vida das pessoas. Mesmo assim ela é a única que falta. Será?

Ontem o ar era perfumado pela sua respiração. Hoje, já não é mais.