Arena principal
Santuário - Atenas - Grécia
05:47AM

"Estão atrasados."

"Milo, tenha modos!" - Camus ralhou, e cumprimentou Mulder apertando-lhe a mão brevemente. Com Scully repetiu o gesto do dia anterior, beijando-lhe uma das mãos delicadamente.

Milo olhou para o lado, com um muxoxo, e Mulder conjurou demônios para conter a frustração. Afrodite sorriu, e isso não passou despercebido pelo agente.

"Então, podem se sentar aqui e assistir. Não há perigo, a distância é razoável mas ainda dá para ver os arredores bastante bem. Ok?" - Shura estava adorando seu status de 'guia oficial', finalmente usando um dos idiomas que jamais pensou ter necessidade.

"Eh, spagnolo! Viene destra!" - Máscara da Morte gritou, mas lançou um sorriso bonito para a agente ruiva quando a avistou. Scully corou, não pôde evitar.

"¿He, carcamano!" - Shura gritou de volta, e voltou-se para os agentes - "Eu vou descer. Hoje vamos almoçar na vila, ok? Vai ser divertido..." - Piscou para Mulder e desceu correndo os impossíveis degraus da tribuna.

Os dois agentes deram uma boa olhada nos arredores. De onde estavam, dava para ver que ainda havia muito terreno abaixo do nível da arena, e ao longe algo que parecia uma pequena cidade. Era bonito, e o sol que já começava a aparecer no horizonte dava um brilho rosado ao contorno predominantemente branco das construções.

"Aqui é tão bonito..." - Scully disse, mais para sí mesma.

"É mesmo um belo lugar. Tem uma praia incrível do outro lado." - Milo comentou de volta, ganhando imediatamente o interesse dos dois agentes.

"Eu adoraria ver o mar... fica dentro dos limites daqui?" - Scully perguntou, ainda perdida no horizonte rosado.

"Fica. Acho que podíamos ir lá no fim da tarde, o que acham?" - Milo procurou a aprovação de Camus com o olhar.

"Creio que sim." - Camus respondeu, direto. - "Nos dão licença? Temos que descer ou Aldebaran e Shaka ficarão sem oponentes hoje. Vamos Milo?"

Milo sorriu e bateu a poeira da calça larga que usava. Os agentes sorriram de volta, e observaram os dois cavaleiros descerem calmamente o sem-número de degraus que os separava da arena.

No caminho até a arena, Camus não perdeu tempo:

"Milo, o que está pensando? Sabe que não gostamos de visitar o cabo, por que sugeriu a praia para as visitas?"

"Não gostamos... 'vocês' não gostam. Eu não tenho esses traumas, oras, e acho besteira vocês ficarem com essa reserva toda contra um lugar tão bonito. Deviam esquecer o que aconteceu e apreciar aquele pedaço de terra!"

"É falta de consideração com Saga e você sabe disso."

"Dá um tempo, Aquário."

De volta às arquibancadas, Mulder e Scully curtiam um silêncio surreal. Claro que ao longe dava para ouvir as vozes mais altas vindas da arena, e o canto de muitos pássaros ao longe, mas fora isso era um silêncio que jamais haviam presenciado. A vida na américa não propiciava esse tipo de coisa.

"Mulder?"

"Hum?" - Mulder havia se encostado no degrau acima, parecia relaxado e ainda com sono.

"Esse lugar é surreal, não é?"

Mulder pensou um pouco antes de responder. Claro que era surreal. Estavam abrigados em um lugar que o resto do mundo desconhecia, regido por uma deusa grega encarnada em uma mocinha japonesa, cheio de rapazes com poderes especiais. Isso porque pressentia que aquele lugar e aqueles jovens de vinte e poucos anos provavelmente estavam cheios de histórias para contar, histórias que fariam as pastas lá do escritório se revolverem nas gavetas.

"Mulder?"

"É, é sim..." - Mulder respondeu, sem querer elaborar muito.

"Eu já estou me acostumando, mas não posso evitar de pensar que o Mu, por exemplo, poderia muito bem se encaixar no que você classificaria como alienígena, não é?" - Scully deu um pequeno sorriso, sabendo que o comentário provocaria uma resposta irônica do parceiro. Lógico que ela não pensava assim do jovem ariano, mas estava doida para saber o que Mulder pensava do rapaz.

"Scully, qual é?" - Mulder se virou para a parceira - "Não, não acho que o Mu seja ou pareça um alienígena. E pare de brincar com coisa séria."

Scully nada disse, apenas levantou as duas mãos em sinal de rendição. Mulder balançou a cabeça, jamais iria entender a cabeça da parceira. Ela estava muito diferente do normal, aquele lugar estava mexendo com o equilíbrio universal com certeza.

"Mu tem poderes sobrenaturais, só isso. É lemuriano, pelo que Shaka nos contou, lembra? Já ouviu falar nos lemurianos?"

"Sim, já lí sobre a lenda dos lemurianos."

"Pois bem, olhe lá embaixo a sua lenda, Scully..." - Mulder sorriu, vitorioso.

Quando os dois olharam para a arena, viram os pares lutando corpo a corpo. Parecia um treinamento de luta normal. Haviam algumas pessoas ao redor, assistindo mais de perto. Mulder e Scully só tinham uma palavra para definir o que viam:

Incrível.

Aldebaran e Camus treinavam à distância, o primeiro usando os punhos para bloquear o que pareciam rajadas de gelo lançadas por Camus. Mulder observava intrigado - então aquele era o poder do jovem francês, controlar o gelo - e Scully estava boquiaberta: como pode alguém manipular o estado físico da matéria assim, visivelmente?

Mais próximo das arquibancadas, Shaka e Milo pareciam estar treinando luta greco-romana. Isso Mulder pôde distinguir, porque já havia visto a modalidade em um dos canais de esporte na TV. Só não esperava que aquele jovem loiro de cabelos longuíssimos fosse capaz de praticar uma luta tão agressiva. Estavam os dois rapazes no chão, Milo estava preso debaixo de Shaka mas parecia se recusar a pedir para o outro parar.

"Olha só aquilo, Scully!"

Era Mu. Aiolia chegou a desferir um golpe bastante brilhante contra ele e o atingiu no ombro. Mas em instantes foi suspenso no ar, sem conseguir sair.

"Sacanagem, Mu! Me põe no chão!" - Aiolia reclamava, bastante nervoso. Dava socos e chutes mas permanecia parado no ar.

Saga não conteve o riso e interrompeu a camada psíquica que estava armando contra Afrodite, que relaxou, soltando uma gostosa gargalhada. A situação de Aiolia também chamou a atenção de Shura e Máscara, que já haviam parado de lutar e estavam só no kata. Por mais engraçado que fosse, Saga resolveu intervir.

"Aiolia, concentre seu cosmos nos pontos onde Mu está te prendendo... tente neutralizar a energia dele com a sua..."

"Isso, Aiolia..." - Mu riu, estranhamente sarcástico - "Neutralize meu cosmos com o seu... mas vai ter que conseguir achar os pontos, caro amigo."

Aldebaran, que já havia se aproximado para ver a cena, estranhou o tom do amigo da primeira casa. Mu não era de demonstrar agressividade nem sarcasmo.

"Seu..." - Aiolia ia soltar um palavrão mas se conteve, pois as amazonas já haviam chegado e não queria faltar com o respeito.

"Anda, Aiolia. Se solta. Não disse que telecinese estúpida não podia te deter?" - Mu permanecia parado, de braços cruzados.

"Ih..." - Milo coçou a cabeça, ainda sentado no chão - "Que pisada do Aiolia, foi fazer pouco caso justamente disso?"

"Ô virgem," - Máscara da Morte não perdeu tempo - "Vai lá falar pra suo amore soltar o pobre do leão, que já está ficando vergonhoso isso..."

"Ohm..." - Shaka já ia perdendo a compostura com o colega de Câncer, mas se conteve, pois Saga entrou em ação mais uma vez.

"Mu, deixa ele sair." - Saga pediu, sem se alterar.

Mu se virou e foi saindo da arena. Segundos depois, Aiolia despencou da altura onde estava, sem ter tempo de se preparar para a queda, que foi um estrondo. Shura e Máscara ainda riam descontroladamente, acompanhados por Afrodite e Milo. Aldebaran foi atrás do amigo, que entrou no vestiário sem olhar para trás. Saga estendeu uma mão para Aiolia, que se levantou com um pouco de dificuldade. Shaka dividia o olhar entre a cena diante de sí e o vestiário, onde os dois colegas entraram.

"Você está bem?" - Saga perguntou.

"Claro que estou!" - Aiolia ainda estava bastante nervoso, não gostou nada de fazer esse papelão na frente de tanta gente. - "Ariano maluco, não sei o que deu nele..."

"Fazer pouco da habilidade nativa dele não foi muito esperto, Aiolia..." - Camus se pronunciou pela primeira vez - "...mas espero que tenha sido só isso."

"Já acabaram de usar a arena?"

Shina perguntou, mãos na cintura. As demais amazonas estavam ao redor, mas era sempre ela que se fazia ouvir perante cavaleiros de ouro.

"Donne arrivati..." - Máscara sorriu na direção delas, mas cutucou Shura - "E tua amata, apressada e nervosinha como sempre."

"Quieto, carcamano... si ella escucha, nos mata los dos!" - Shura cochichou, também sorrindo para as que chegavam.

"Já terminamos sim, ofiúco." - Saga respondeu, sem se alterar - "Se importam se assistirmos? Temos visitantes..."

"Se não se importarem de as visitas acharem que o nosso treinamento é mil vezes mais produtivo do que o de vocês..." - Shina respondeu, olhando cinicamente para Máscara e Shura, que riam.

"Não nos importaremos, vão em frente..." - Saga respondeu, sorrindo levemente. Sabia que a resposta atravessada de Shina não era para ele, e sim para os dois eternos moleques atrás de sí. Um dia aqueles dois iam aprender a não mexer com amazonas. - "Nós vamos subir. Vamos, pessoal."

"Eu vou la falar com o Mu." - Aiolia anunciou - "Encontro vocês depois."

Minutos depois, se juntaram aos agentes na arquibancada. Os dois estavam com cara de quem estava tentando ainda entender o que viram lá embaixo. Mulder disparou, curioso.

"O que foi aquilo lá embaixo?"

"Ah, um pequeno desentendimento entre cavaleiros." - Afrodite respondeu, rindo um pouco.

"Mu parecia chateado." - Scully comentou, olhando na direção do vestiário.

"É, parece que Aiolia falou o que não devia. Só não sabemos o quê." - Milo sentou-se num degrau abaixo, e começou a atar as sandálias.

"Mas o que foi aquilo que Mu fez?" - Mulder quis saber, afinal, até o momento só havia visto Mu manipular objetos inanimados.

"Eu pensei que fosse a rede de cristal..." - Saga respondeu - "Mas Aiolia estava conseguindo se mover, então acho que foi só telecinese mesmo."

"E vocês não conseguem se soltar da telecinese dele?" - Mulder sabia que era uma pergunta óbvia, mas não se deteve.

"Eu consigo." - Shaka respondeu, e os demais olharam para ele, espantados. - "E Saga sabe como se soltar também."

"Eu sei como." - Saga defendeu - "Só que nunca tentei na prática, então não tenho certeza se conseguiria."

"Então quer dizer que o Mu já andou te prendendo com telecinese, Shaka?" - Shura provocou, com um sorriso maldoso - "Como foi isso?"

Shaka não respondeu, as faces ficando um tanto rubras. Afrodite balançou a cabeça.

"Shura, não seja inconveniente. Sabe que de vez em quando nos desentendemos, oras!" - Com um pequeno sorriso, Afrodite alfinetou - "Como aquela vez em que eu tive que ir te buscar, você e esse italiano encrenqueiro, lá em Rodoria... me contem com o quê sonharam nos três dias que dormiram depois daquela..."

Os dois ficaram quietos, muito vermelhos ao se lembrarem da história.

"Os dois estavam tão bêbados que quando eu cheguei com Afrodite para pegá-los, os dois quiseram nos atacar!" - Milo ria da lembrança - "Mal paravam de pé, esses figuras... mas pegaram o Afrodite em um dia muito ruim, então ele conjurou lá umas rosas sossega-leão que botaram os dois a nocaute em meio minuto... o duro foi carregar até as casas!"

"Não ria, senhor Milo, porque já tivemos que te buscar várias vezes na cidade também..." - Máscara se defendeu, apontando para o jovem escorpiano.

"Oui, Milo, várias vezes eu tive que sair à cidade para te buscar no meio da madrugada..." - Camus concordou.

"Ah, mas pelo menos eu não fico perturbando as amazonas por aí..." - Milo se defendeu.

"Falando em amazonas... quem é aquela alí? Está batendo bastante na outra..." - Mulder perguntou, apontando para a arena.

"Ah, sim... é Shina, de ofiúco. É da companhia de prata. Aquela com ela é uma aprendiz." - Afrodite apertou os olhos ao ver o golpe que a aprendiz recebeu em cheio - "Nossa, está pesado o treino hoje, nem parece ser treino livre..."

"Ela parece ser bastante forte... e dura com as garotas." - Mulder comentou, sem tirar os olhos da amazona.

"Mas também sabe ser justa e gentil." - Shaka recebeu olhares espantados ao dizer isso - "O que foi? São temperamentos, ora. Ela não é dócil como Marin, tem um gênio mais agressivo, mas fora isso, é tão humana quanto a águia."

"A Marin não é dócil, é educada." - Milo corrigiu, com ar sério - "Mas com certeza pega bem menos pesado com as aprendizes do que a Shina, olha lá..."

Marin também treinava algumas garotas, só que ao invés de estarem lutando, as aprendizes estavam sentadas em círculo.

"Ela está ensinando meditação?" - Mulder perguntou.

"Não, nada disso..." - Saga fixou o olhar nas meninas, procurando ver melhor - "Marin as está ensinando a concentrar cosmos e dominar elementos, repare como algumas garotas tem um brilho diferente nas mãos, e outras estão deslocando o ar ao redor de sí..."

Scully, que esteve observando atentamente até o momento, tinha os olhos arregalados de espanto. Aquelas meninas, algumas tinham algo parecido com fogo nas mãos, e outras estavam causando pequenos redemoínhos em volta de sí. Quem não estivesse prestando atenção provavelmente pensaria que elas estavam apenas sentadas em círculo, mas um olhar mais atento já veria coisas incríveis acontecendo.

"Quantos anos têm essas aprendizes?" - Scully perguntou, ainda espantada.

"Elas começam com cerca de oito anos. As que se qualificam, começam a treinar com dez ou doze. Aquelas alí já estão com algum tempo de treinamento, então devem ter quatorze, quinze anos em média." - Saga informou - "Se sagram amazonas com dezesseis anos, normalmente."

"Mas as instrutoras parecem ser tão jovens..." - Scully se espantava a cada minuto.

"E são. Como eu disse, normalmente elas se sagram amazonas com dezesseis anos, mas Marin, Shina, mais algumas outras amazonas são de uma geração que teve que se formar muito cedo, por força das circustâncias..." - Saga hesitou, como que se lembrando de algo ruim - "Marin e Shina devem estar completando dezenove este ano. Se sagraram amazonas com uns doze anos, eu acho, já pela companhia de prata. Pularam a etapa de bronze."

"Tempos difíceis, meu velho..." - Shura comentou, sorrindo.

Mulder riu. Scully sabia que o motivo do riso do parceiro era a expressão ter sido usada por alguém tão jovem. Mas pensando melhor, a agente não via juventude nos olhos de Saga. Ele tinha olhos muito tristes, parecia que traziam uma bagagem imensa, como se dentro do corpo do rapaz morasse uma alma com séculos de uma vida muito sofrida.

"Scully? O que foi?" - Mulder olhou para a parceira, preocupado com o jeito com que ela olhava para Saga.

"Nada, nada... me desculpe." - Scully se desculpou com Saga, não queria passar má impressão por ficar encarando o rapaz daquele jeito.

"Não se preocupe, agente Scully..."

Saga percebeu que Scully o encarava e lamentou não ser capaz de esconder melhor as sombras que trazia dentro de sí, mas naquele caso nem que quisesse conseguiria - parece que estava diante de uma excelente observadora.

"Vamos descendo? Daqui a pouco é hora de almoçar, e temos uma boa caminhada até a vila." - Milo percebeu o breve acontecido entre Saga e a agente americana, e logo tratou de virar o clima - "Vamos senão o sol fica quente demais!"

To be continued...