Herança escrita por Janus


Capítulo 69
Capítulo 69




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     Adentrou a porta de sua casa cabisbaixa. Estava fazia mais de vinte e quatro horas naquela busca. Precisava descansar enquanto as outras prosseguiam. Sabia que não adiantaria se esgotar totalmente e ficar inútil quando fosse necessária.
     Olhou para a mesa da cozinha e viu ali algumas migalhas de pão. Pelo menos Anne tinha se alimentado. Na verdade estava surpresa da mesma ter permanecido em casa todo esse tempo também sem dormir enquanto procurava por alguma relação, idéia ou qualquer pista possível nos registros dos ataques e aparições de seus inimigos.
     Sua ultima comunicação indicava o quanto ela estava frustrada e desiludida. Não havia descoberto nada. Os fantasmas simplesmente podiam aparecer em qualquer parte, conforme algumas câmeras pela cidade captaram. Surgiam de um portal no chão – da mesma forma que surgiram na Lua – de forma que era impossível saber a sua real origem.
     - Anne? – chamou ela com a voz cansada e um pouco fraca. Ela também estava se sentindo uma fracassada. Mais de um dia se passou desde o seqüestro de Haruka e nenhuma notícia, nenhuma comunicação dos generais, nada! O que pretendiam com ela? Não saber assustava mais ainda do se soubessem de algo. Isso deixava a mente ficar divagando, pensando em coisas sem controle, temendo e criando o pior cenário possível.
     Ficou parada ali no corredor aguardando alguma resposta, tentando manter a mente limpa, sem pensamentos depressivos. Seria mais fácil se ligasse a holovisão. Era excelente para tirar pensamentos da cabeça.
     - Anne! – chamou de forma mais alta, imaginando que a mesma estivesse no andar de cima. Mas não houve resposta.
     Intrigada, e já começando a pensar em mais coisas que não queria, seguiu para a escada que levava ao porão. Lá em uma sala que a mesma tinha tomado posse quando tinha virado sailor estava o seu reduto secreto, o local onde a mesma tinha decidido montar uma maquete usando todas as imagens e informações que tinha coletado quando tinha estado na Lua e onde acabou se tornando uma sailor.
     Desde que tinha feito aquilo, exigiu que ninguém entrasse até que ela terminasse. Haruka tinha tentado uma vez alguns meses antes. Anne ficou tão possessa com aquilo que Haruka achou melhor salvar seus tímpanos do que forçar uma entrada ali. Do contrario a ouviria reclamar por meses!
     Mas agora era diferente. Se ela estava lá escondida num canto chorando ou planejando alguma ação não importava. Ela tinha que saber se a sua criança estava bem. Desceu a escada e olhou para a central deles no porão. Anne não estava ali, mas havia um prato com poucos restos de comida ao lado do console de comando. Ela tinha estado lá desde o dia anterior analisando todos os dados possíveis. Na verdade havia ainda varias telas abertas no monitor holográfico. Curiosa ela se aproximou para aferir o quanto sua filha tinha estado ocupada.
     Ficou impressionada. Ela tinha enumerado cada um dos incidentes em que um buraco fora escavado, ordenando por data e por local em que ocorreu. Haviam varias planilhas ainda abertas em que tinha tentado encontrar uma relação na ordem em que os eventos ocorreram, com algumas observações. As incidentes começaram na periferia e se dirigiam ao centro, com algumas exceções, como o megaparque, a escola, o shopping... Anne tinha anotado que eram locais diferenciados pelo fato de quase nunca ficarem desertos, ao contrário de outros. Talvez por isso os incidentes foram fora do padrão
     Fazia sentido. Até a véspera os generais não pareciam querer atenção. Somente em poucas ocasiões aqueles fantasmas negros surgiam apavorando as pessoas e fazendo as lunares atuarem. Claro que os pais ficavam preocupados com isso, mas elas eram capazes de enfrentá-los. Mesmo porque sempre havia algum adulto mais experiente por perto observando elas agirem. De fato, Anne tinha escrito que todas essas aparições dos fantasmas eram basicamente para distrair as sailors enquanto algo era escavado.
     Mas continuando com a lista, a partir de então todos os incidentes eram nesse estilo de fora do padrão. Segundo uma de suas ultimas observações, provavelmente os locais onde era possível agirem despercebidos foram todos explorados. E havia também uma observação que nenhum incidente havia ocorrido a menos de duzentos metros do palácio, provavelmente devido a ter uma grande segurança, fora o fato de que qualquer ataque acionaria todas as sailors e guardiões em defesa. Mas havia um ultimo comentário de sua filha naquela planilha. Agora que Haruka tinha sido seqüestrada, haveriam menos defensores aptos a se dirigirem ao palácio com rapidez, pois estavam efetuando buscas mais e mais distantes do local.
     Michiru sentiu um leve calafrio, antecipando o que esta observação podia indicar. Que Haruka fora seqüestrada para permitir uma redução na defesa do palácio. Mas... seqüestrar uma das crianças teria um efeito melhor neste aspecto. Sem dúvida muito mais defensores iriam procurar por um dos filhos seqüestrados do que por Haruka. Fora da cidade apenas três estavam fazendo buscas regulares: Sohar, Lita e Ray. Todos os outros, incluindo as lunares, estavam procurando e praticamente patrulhando na cidade inteira. Na verdade ficou mais difícil ainda agirem de forma oculta agora do que antes.
     Uma outra planilha indicava incidentes que ocorreram fora da cidade. Era óbvio que Anne estava curiosa por aquilo apenas acontecer ali em Tóquio de Cristal. Não tinham dito para as crianças que na verdade aquilo ocorria em outras partes do mundo também.
     Anne tinha descoberto. Na verdade também enumerou estes incidentes. Haviam muitos na Europa, alguns na America latina, Índia, em outras partes do Japão... um minuto...
     Esses locais... eles... como não tinha percebido antes? Eram locais onde Pirates viviam. Anne não sabia disto, lógico, mas agora tinha reparado no detalhamento que a filha fez. E o mais interessante: Todos os incidentes ao redor do mundo pararam praticamente no mesmo tempo em que estes começaram na cidade.
     A única conclusão de Anne sobre isso era que os generais pareciam ter pegado o que queriam primeiro em outras partes do mundo, para depois se concentrarem em Tóquio de Cristal. A quantidade de incidentes em que ocorreram confrontos com os fantasmas negros também aumentava historicamente, indicando que mais e mais os generais não podiam pegar o que queriam sem serem percebidos. Ela tinha explanado sobre o incidente de Diana em que um deles fora flagrado por ela, e o último, da véspera onde Haruka fora seqüestrada.
     Fora o único incidente em que não cavaram um buraco no chão no local. Ou seja, eles queriam Haruka desde o começo. Tinha sido totalmente planejado, provavelmente contando com o dispositivo que Orion tinha feito para evitar que pudessem localizá-la.
     - Anne! – chamou agora ficando mais preocupada. Teria ela descoberto algo e saiu para investigar sem avisar ninguém?
     Começou a examinar melhor os dados que estavam na memória da central de comando deles e encontrou um texto onde Anne dissertava um pouco sobre suas descobertas. Leu rapidamente e de certa forma sentiu um orgulho da filha ter chegado as mesmas conclusões que Amy referente a tudo o que havia ocorrido. Mas tinha algo mais ali. Anne concluiu que eles estavam obtendo fragmentos de cristais – isso foi o que Diana viu aquele general pegar quando cruzou com ele – que deviam provavelmente estar espalhados pelo planeta inteiro, mas que àqueles localizados na cidade e nas outras partes do mundo onde foram coletados deviam ter alguma coisa diferente, algo que interessasse a eles. E o motivo desta conclusão era mais impressionante. Analisando onde os cristais foram recuperados, ela concluiu que estavam ali pela cidade já fazia muito tempo. Um local onde ocorreu vários incidentes era na verdade um antigo terreno que tinha sido nivelado com serviço de terraplanagem. Os cristais foram transportados junto com a terra recolhida para ser depositada ali para o serviço de nivelamento – uma conclusão interessante – e outro local onde não haviam incidentes fora a escavação para a criação de outro parque, onde retiraram muita terra e por conseqüência os cristais dali.
     Muito perspicaz, pensou Michiru sorrindo levemente. Isso ninguém tinha suposto. Anne também considerou a profundidade dos buracos e teorizou quando os cristais deveriam estar na superfície antes de serem enterrados pelo tempo. Segundo ela deveria ter ocorrido há pelo menos doze mil anos...
     Doze mil anos? Michiru arregalou os olhos levemente e continuou a leitura. Anne sabia que esta era a data aproximada da fundação do primeiro Milênio de Prata, e indagava se havia alguma relação – assim como Michiru fazia agora – mas havia outra coisa interessante. A forma do mapa dos incidentes coincidiam como as ondas de expansão de uma explosão – Amy tinha comentado sobre isso, pelo que se lembrava – sendo que havia a possibilidade daqueles cristais serem o resultado de uma e a cidade ter sido construída sobre estes. Mas ela acreditava ser muito estranha a coincidência da cidade ter sido construída no local de uma antiga explosão que espalhou os cristais por ali. Para ela havia outra explicação: Considerando que todos os locais somados formavam um circulo ao redor do palácio, pareciam-se mais como as limalhas de ferro que se orientavam de acordo com as ondas magnéticas ao redor de um imã. E o imã neste caso era o castelo.
     Michiru ficou estática. Aquilo fazia sentido. Muito sentido aliás. Ela sabia que cristais podem absorver energia de sailors. O cristal de prata da rainha e até o cristal que Joynah tinha em seu broche provavam isso. Por isso os outros locais eram onde os Pirates estavam. Aqueles cristais foram lentamente absorvendo a energia destes senshi ao longo dos séculos. E agora esses generais as estavam coletando. Mas isso também indicava que com certeza deviam haver mais deles próximos ou até abaixo do castelo.
     - ANNE! – gritou ela já quase em desespero.
     Seu comunicador soou alguns segundos depois. Ela o atendeu enquanto andava acelerado em direção ao reduto secreto de sua filha, acreditando que ela podia estar lá.
     "- Mãe, estou no terraço. Não precisa chamar todos os vizinhos."
     Michiru parou de andar e suspirou aliviada.
     - Desculpe filha, é que não vi você em casa e estou te procurando já faz tempo.
     Desligou o aparelho e bem mais calma, subiu as escadas em direção ao teto da casa. Lá chegando viu Anne, ou melhor, a sailor Titã sentada na amurada com uma perna estendida sobre esta e as costas descansando na parede.
     - Filha? Está transformada desde ontem?
     - Não – respondeu ela lentamente – me transformei quando decidi ficar aqui e tentar clarear as ideais.
     - Por quê?
     - Porque se eu cair – ela a olhou com um sorriso fraco nos lábios – não vou me machucar muito... Se consigo pular por prédios de sete ou oito andares transformada, posso muito bem cair de seis metros de altura sem me machucar. Pelo menos foi o que Rita me disse uma vez.
     - Anne – disse lentamente enquanto se aproximava dela e a observava bem – por favor, acredite em mim, sei o que esta sentindo. Muito mais do que imagina.
     - Sabe? – murmurou ela olhando em direção ao Sol que estava se pondo – Mãe... nem eu mesma sei como me sinto. Como poderia saber?
     - Porque você é muito, mas muito parecida com Haruka. Mais do que você ou ela iriam admitir.
     Anne olhou em sua direção, mas nada disse. Mas seus olhos diziam muito. Olhos cansados, tristes, olhos de uma pessoa sentindo-se derrotada.
     - Mãe... – começou ela depois de algum tempo calada.
     - Acredite em mim – ela a interrompeu – eu sei do que estou falando. E posso provar.
     - Pode? – ela sorriu mais divertida agora – estou esperando.
     - Até os seus quatro anos, eu deixava o seu cabelo longo como o meu. Foi quando você quis que eu o cortasse, que o deixasse mais curto. Imagine a minha surpresa ao ver que você ficou satisfeita quando eles ficaram do tamanho e com um penteado parecido com o de Haruka.
     Anne apertou os lábios ligeiramente.
     - Acha quem ninguém reparou? – continuou ela – Anne, filha... todos nós vimos e percebemos como ela é uma fonte de inspiração para você. Ainda mais agora que sabe que ela é uma sailor. E boa parte da responsável por isso é ela mesma – Anne olhou-a levemente intrigada – você é tudo para ela, criança. Confesso que chego a sentir ciúmes as vezes. Desde um dia em que ela mudou de posição a seu respeito que ela tenta se prevenir e obter qualquer conhecimento ou informação que possa ajudar a melhor educá-la e prepará-la para o futuro. Deixou Lita e Amy loucas de tantas perguntas e questionamentos que fez sobre o que fazer em cada fase de sua vida atual e futura. Pesquisou livros e vídeos sobre como cuidar de crianças e adolescentes. E quando virou sailor, apesar de nunca falar na sua frente, me confessava que não via a hora de tirarem esse titulo de juniores de vocês. E ao mesmo tempo eu vi como você correspondeu a isso, por mais que a desafiasse as vezes e ela era exigente contigo, mais você a usava como modelo, e mais agia de forma que ela se orgulhasse de você. E você conseguiu... você é o maior orgulho dela, filha. Foi ela quem mais exigiu que continuássemos e aprimorássemos o treinamento das lunares após aquele ataque a escola. E isso pensando em você. Eu sei como ela se sentiria se estivesse no seu lugar, e sei que você deve sentir o mesmo.
     - E o que eu estou sentindo agora?
     - Está arrasada porque não achou uma forma de localizá-la e também deve estar em agonia porque não achou uma forma de enfrentar aquela general caso se encontre com ela novamente.
     Anne sorriu levemente.
     - É mãe... você me conhece muito bem. Ou melhor... conhece sua companheira muito bem. Tem razão, não achei um jeito de enfrentar aquela mulher sem ser derrubada no primeiro golpe. Se fosse apenas uma pessoa muito forte como mamãe Haruka, eu teria uma chance. Mas alguém que pode se ancorar na gravidade para atacar é como enfrentar uma locomotiva em forma de punho.
     Michuru ficou intrigada agora.
     - Como assim?
     - Ação é igual a reação – disse ela um pouco distraída – se damos um soco em algo, nosso punho recebe parte do impacto, ou seja, o golpe é dividido. Joynah tem uma vantagem enorme por ter mais massa, isso quer dizer que a divisão não é igual. E aquela mulher controlando a gravidade para ficar imóvel, pode lançar toda a inércia do ataque contra o oponente.
     - Igual ao seu escudo?
     - Como? – ela parecia confusa.
     - Seu escudo – continuou – eu a vi usando-o. Parece que nada pode movê-lo, mesmo quando você o esta segurando.
     - É verdade – murmurou levemente – e ele já segurou o ataque dela mais de uma fez. A primeira foi na escola...
     - Talvez ela não consiga te derrubar no primeiro golpe – sorriu.
     Anne sorriu de volta, mas depois ficou cabisbaixa.
     - Tenho medo mãe – murmurou – medo de ser uma inútil para ajudar a salva-la...
     Ela não disse mais nada. Simplesmente se aproximou e abraçou a filha levemente no começo, e depois a apertou forte contra o seu corpo. Anne a abraçou de volta, deitando a cabeça em seu ombro e permitindo lagrimas escaparem de seus olhos.
     - Você é mesmo igual a Haruka – murmurou ela.
     - Não em tudo – Anne disse rapidamente – adoro garotos e de mostrar meu cristal!
     Ambas riram depois disto.
     - Bem sailor Titã. Eu estou cansada e sem idéias. Alguma sugestão, minha cara líder das lunar senshi?
     - Líder? Sou a segunda...
     - Não. Você é a líder agora. Pelo menos até substituírem Joynah. Ela é uma inner e está procurando Urano junto com a mãe. Acho que Hotaru não te disse o que foi decidido ontem.
     - Não prestei atenção – disse em voz baixa.
     Subitamente ela ficou um pouco intrigada e tocou sua tiara, fazendo seu visor de sailor aparecer.
     - Rita? Onde você está? – e após ouvir a resposta – sozinha? Ah.. certo. Não, não achei nenhuma pista. Obrigada.
     Após desligar olhou para sua mãe que tinha uma pergunta muda do rosto.
     - Senti Rita perto daqui, mas numa posição mais alta que a minha. Ela esta no alto de um prédio procurando um youma junto com Maya.
     - Muito bem entrar e descansar um pouco.
     - Prefiro ficar aqui no momento. Acho que se eu ficar dentro de casa agora vou acabar quebrando as paredes...
     - Apenas me prometa que se localizar onde ela pode estar, não irá sozinha.
     - Não posso fazer essa promessa, não sei se haverá alguém disponível caso e se eu a localizar. Mas posso prometer pedir ajuda.
     Michiru apertou os lábios mas nada disse. Deu um beijo na testa da filha e entrou na casa, deitando-se no sofá para um merecido cochilo. Tinha deixado seu comunicador na pequena mesa de canto ao lado para qualquer eventualidade.
    

-x-

 

     - Mais concentração, Herochi.
     Podia ver que ele estava cansado, mas seus olhos mostravam como era a sua determinação. E ele precisaria de toda a determinação que possuía para poder aprender a dar aquele golpe com perfeição.
     O golpe que seus amigos chamavam de "golpe perfeito". Era um nome um tanto pomposo, mas na falta de um melhor, nunca questionou como o chamaram. Olhando era até simples de se fazer, um giro do corpo e usar a perna para atingir o adversário com toda a força. Exceto que...
     Bem, não era apenas isso. Cada movimento, cada ação daquele golpe tinha de ser perfeitamente cronometrada de forma a dar a máxima potência ao impacto, além disso, havia outra coisa nele. Para que ele pudesse ser chamado de golpe perfeito, era preciso concentrar toda a sua força – ou essência, ou até mesmo a aura como Mina disse uma vez – em cada movimento, de forma que quando o golpe fosse finalizado seria com uma força inacreditável.
     Nicholas podia arrancar árvores com aquele golpe, ou arremessar grandes rochas a centenas de metros de distância. De todos os seus amigos, apenas Sohar e Afonso conseguiam igualar isso. Isso porque Afonso usava sua telecinese focando o movimento do golpe e Sohar – agora ele sabia o seu segredo - a gravidade.
     Mas não era preciso nenhum poder especial para ter essa força. Bastava apenas concentração total nos movimentos para que cada um deles fosse perfeito, cada músculo amplificando o giro e a potencia final antes do próximo músculo agir.
     Seus filhos eram bons naquilo, podiam atingir quase um terço da força máxima, mas ainda precisavam de mais. E era isso que ele estava ensinando-os agora. Chega de esperar eles conseguirem atingir a perfeição sozinhos. Estavam em guerra agora, seus adversários estavam agindo e precisavam estar preparados.
     - Faz de novo mana!
     Ele se distraiu por uns instantes observando a origem da voz e sorriu levemente. Suzette e seus irmãos estavam ali com eles nos espaçosos jardins do templo. Amy e Sume estavam procurando por Haruka como muitos outros, e ficaram preocupados de deixarem os filhos sozinhos em casa. No palácio apesar de ser bem seguro, era também um local com certeza visado para futuros ataques, assim pediram para a filha ir até o templo – uma vez que Ray e Nicholas ficariam por ali apenas para estarem mais próximos caso um novo ataque ocorresse pela cidade – com os irmãos menores e ficarem por lá até voltarem.
     Suzette era sua aluna mais aplicada, aprendendo movimentos com uma rapidez incrível. Na verdade ela aprendia logo na primeira lição, simplesmente fazendo os katas. Porém mais incrível que isto era o que ela estava fazendo agora. Com algumas folhas de árvores que tinha pego do chão, ela as fazia flutuar e mover-se acima das mãos gerando uma pequena e fraca corrente de ar. E isso sem estar transformada.
     Ficou abismado quando a viu fazendo isso ali, e ao perguntar há quanto tempo podia fazer aquilo ela simplesmente disse que praticava fazia um ano sem se transformar, após uma conversa que tivera com um de seus filhos. Ela descobriu então que eles desenvolveram seus poderes após forem treinados desde cedo pela mãe. Claro que depois do que houve com Joynah decidiram parar com o treinamento temendo que perdessem o controle destes poderes.
     Mas ela simplesmente decidiu poder usar seus poderes sem se transformar. Sem dúvida era a mais adiantada de todas as outras crianças neste aspecto. E observar ela mover seis folhas de árvore formando círculos e entretendo os irmãos mais novos – que agora sabiam que a irmã e a mãe eram sailors – o impressionava sobre o preciso controle que ela tinha sobre isso.
     Certo, não podia gerar tornados ou grandes ventanias, mas esse controle era comparável ao que seus filhos podiam fazer com fogo.
     - Vamos Herochi – disse ele novamente para seu filho que ainda repetia os movimentos lentamente, acostumando o seu corpo com estes – mais calma e mais concentração. Faça como Suzie – ele moveu a cabeça na direção dela – ela aprendeu a controlar o vento sem se transformar tão bem quanto você manipula o fogo, e em apenas um ano. Só gostaria que como ela você tivesse treinado escondido e me surpreendesse agora.
     - Não treinei escondida – disse Suzette ainda concentrada nas folhas que pairavam há poucos centímetros acima de suas mãos – apenas ninguém viu que eu fazia isso no meu quarto quando me deitava para dormir. Só achei estranho isso me cansar no começo. Mas é fácil agora.
     Assim que ela disse aquilo, abriu os braços e as seis folhas giraram ao redor de seu corpo e depois ao redor de cada um dos irmãos, que se divertiam tentando pega-las.
     - Mas se eu for tentar criar um vento mais forte, vou me cansar rápido.
     Estava mesmo impressionado com a garota. O que será que ela poderia fazer quando se transformasse? E melhor ainda... porque Sohar não percebeu isso nela?
     - Isso lhe foi útil nos treinos?
     - Não usei esse tipo de manipulação nos treinos. A forma como eles eram conduzidos foi para nós controlarmos os ataques que invocamos – ele falava mas sua concentração era ainda perfeita para manipular as folhas para que seus irmãos não conseguissem pega-las – não a manipulação de elementais. O Treinador disse que isso nós iríamos ter com o tempo.
     - Então ele não sabe... e nem você sabe o que pode fazer com esse controle quando se transforma.
     - Realmente eu acho que ele não sabe – ela sorriu de uma forma marota – e quanto a mim, eu sei sim o que posso fazer com esse controle – sorriu divertida, como que aguardando que ele perguntasse o que ela podia fazer com aquilo.
     Voltou a observar o seu filho e apertou os lábios. Ele ainda não tinha percebido que o movimento de seu quadril estava incompleto.
     - Ok, Herochi – disse ele visivelmente impaciente – vamos fazer um teste para ver se você percebe onde está errando – ele fez uma pausa e colocou-se em posição de defesa – me ataque com o golpe perfeito agora. Se não conseguir, acho que vou tentar ensinar Suzie a dar esse golpe, só para ter certeza que não sou um mal professor.
     - Não precisa – disse Suzie sem olhar para ele – eu já o conheço.
     - Como? – Agora aquela menina estava abusando um pouco.
     - O senhor o fez umas quatro vezes desde que eu estou aqui. E Herochi esta errando na hora de começar a torção nos quadris e movendo o tornozelo um pouco cedo demais e não em conjunto com o joelho.
     Herochi saiu da sua concentração ao ouvir aquilo, e Nicholas por pouco não ficou de boca aberta. Suzette tinha estado concentrada brincando com os irmãos e controlando o vento desde que praticamente tinha chego ali umas três horas antes. Como podia ter percebido tudo aquilo? E o pior era que ela estava certa! Era exatamente isso que Herochi estava errando. Mas ele nunca tinha ensinado ela ou qualquer outra das crianças a fazer aquilo, apenas a seus filhos. Na verdade, aquele tinha sido o primeiro dia em que ela soube que aquele golpe existia. E ela tinha afirmado que já o conhecia?
     Bom... considerando a analise que tinha feito dos movimentos do filho, era obrigado a admitir isso.
     - Desde quando conhece este golpe? – questionou ele com o rosto sério.
     - Algumas horas atrás, quando o senhor o fez. Vi como o fez e quais músculos foram movidos para isso. Mas duvido que eu possa fazê-lo em força máxima sem quebrar minha perna e torcer minha coluna. Meu corpo não tem a resistência para dar toda a força dele.
     - Ah.. – ele sorriu – esse tipo de conhecimento. Pensei que sabia poder fazê-lo. O que você sabe é como mover o corpo para dar o golpe. Mas vai precisar de anos treinando para conseguir coordenar tudo. Mas estou realmente surpreso de ter observado e decorado cada movimento que deve ser feito para ser dar o golpe.
     - Faço isso desde criança – ela o olhou nos olhos – como acha que sempre consegui aprender qualquer um dos seus golpes na primeira lição, sensei?
     Isso era verdade. Como todos os filhos de seus amigos, ele tinha ensinado defesa pessoal para Suzette quando ela era uma menininha. E a mesma sempre aprendia golpes com apenas uma lição. E os fazia com perfeição. Mesmo quando virou sailor e ele deu um treino mais avançado para as mesmas, ela continuou fazendo isso. Ela aprendia só observando? Mas se era assim...
     - Você aprendeu os golpes apenas olhando?
     - Sim – respondeu simplesmente enquanto sorria ao fazer as folhas fugirem novamente das mãos dos irmãos.
     - Mas você precisa praticar para aprendê-los realmente, não?
     - Eu pratico. Mentalmente. Antes de fazer um golpe... ou um movimento planejado... eu... simplesmente simulo tudo na minha mente. Conheço meu corpo e o que ele pode fazer.
     Ele coçou o queixo por alguns momentos. Suzette era uma mercuriana como a mãe. Isso lhe garantia uma mente fenomenal e uma incrível capacidade para aprender. No caso de sua mãe e de outros mercurianos que ele conhecia, essa capacidade era para conhecimentos, ciência, desenvolvimento. Tudo aquilo que um cientista faz e cria.
     Mas se Suzie tinha usado essa capacidade de aprender para manipular o seu corpo, então...
     - Você tem controle absoluto de seu corpo, não? – perguntou ele mais em tom de murmúrio.
     - Acho que sim – respondeu ela distraída e rindo vendo seus irmãos pulando para tentar pegar as folhas.
     Se isso era verdade, Suzette não só devia ser capaz de encarar Joynah ou Anne, mas também devia ser praticamente a mais capacitada das Lunar Senshi. E ela parecia não perceber isso! Não era uma questão de força, mas habilidade. E a dela devia ser praticamente igual a de Diana. Agora ele entendia o comentário de Mina sobre Suzie ser uma surpresa incrivelmente inesperada naquela avaliação que tinha feito umas semanas antes.
     No entanto, tudo o que estava pensando foi esquecido quando ouviu um bip soar. Ou melhor, vários bips soando. Suzette parou imediatamente de brincar com as folhas e acionou o seu visor que respondia comandos mentais. Herochi pegou o seu comunicador e ele viu mais distante que Yokuto, que estava treinando com sua esposa – fez o mesmo. Logo em seguida o comunicador dele estava soando. Não duvidava que o de Ray iria também tocar.
     Isso indicava apenas uma coisa. Problemas. E problemas grandes!


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