Herança escrita por Janus


Capítulo 67
Capítulo 67




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     Era estranho, mas não sentia fome. Seu lanche ainda estava ali diante dela no pátio da escola. Chegou mesmo a pensar que não haveria aula do dia seguinte, mas como uma busca em toda a cidade revelou que não havia mais sinal daqueles sombrios, a cidade acabou amanhecendo em estado de atenção, e não de emergência. Sendo assim tudo estava funcionando normalmente. Comércio, industria, transportes, escola...
     Pensou mesmo que poderia ter um dia livre para verificar quais seriam seus novos deveres como sailor Terra. Uma inner, como a mãe de Rita tinha dito. Mas sua mãe por enquanto não tinha ainda preparado nada para treiná-la. Exceto uma bela surra na parte da manhã em artes marciais. Nossa! Ela estava totalmente diferente de todas as outras vezes em que treinaram. Muito mais exigente e acertando-a com muito mais força. Nunca imaginou que podia ser tão forte sem estar transformada.
     Se enganou.
     Se enganou muito! Pegou pesado com ela, bateu forte e deixou seu dente solto e alguns hematomas pelo corpo. Mas o que fez com suas irmãs foi muito pior. Marina veio mancando para a escola, e Allete tinha uma ferida na boca devido a um corte que fez quando ela a acertou sem piedade.
     Se era assim que sua mãe ia treiná-las, o que Ray estaria fazendo com os filhos? Eles não vieram na escola naquele dia. Nem a princesa ou Anne. Tinha visto Suzette e Rita por ali também, e nenhuma delas sabia de nada dos que faltaram.
     A Anne ela até entendia não ter vindo. Mas a princesa não vir também era estranho. O que ela estaria fazendo?
     Que pergunta idiota! Ela olhou ao redor e ninguém parecia prestar atenção nela no pátio – tinha poucos alunos na verdade. Muitos pais e mães acharam melhor deixar os filhos em casa naquele dia por precaução.
     Satisfeita, ela acionou o seu visor de sailor e tentou entrar em contato com Serena. Assim saberia o que houve que nem ela e nem sua irmã vieram.
     Demorou um pouco para que ela atendesse desta vez. Achou estranho isso. Claro que levaria uma pequena bronca por estar usando este visor e não o seu normal do dia a dia para isso. Mas estava preocupada e queria saber o que estava acontecendo.
     "- Sailor Terra? Algum problema?"
     - Estou na escola. E pela sua voz você estava... dormindo?
     "- Eu estou de cama, sua burra! – sua voz estava um pouco grogue – papai treinou comigo ontem a noite... estou toda moída. Ai..."
     Então tinha sido isto? Parece que todos os pais resolveram treinar os filhos para valer desta vez. Ou filhas neste caso.
     - Sua irmã também?
     "- Sim, mas ele não machucou ela muito. Mas eu fiquei tão doída de manhã que não quis ir na escola. Como estão as coisas ai?"
     - Tranqüilas. Vieram poucos alunos. Herochi e Yokoto também não vieram. Nem a Anne, mas essa eu acho que sei porque. Ainda deve estar procurando pela mãe.
     "- Não duvido. A Diana foi?"
     - Foi. E ela e Marina estão praticando corrida na quadra. Eu não acredito nisso... Marina veio mancando hoje e está correndo agora.
     "- Joynah... minha cabeça está explodindo. Se não tem nada de grave, me deixa tentar dormir"
     - Ta bom, princesa. Durma bem.
     Ela desligou e desativou o visor. Agora tinha a resposta, e tinha certeza de que a vida boa que tinham antes acabara de vez.
     Finalmente pegou seu lanche e abriu. Onde estaria Haruka agora? Ela estaria bem? Tentou não pensar no que os generais estariam fazendo com ela, mas era difícil.
     A principal pergunta era: Porque a pegaram?

 

-x-

 

     Seus braços ardiam com agulhadas terríveis. Suas costas não estavam em melhor estado, e muito menos a sua cabeça. Ainda podia sentir a ferida dentro de sua boca quando ela a atingiu. Ainda sentia os ferimentos que sofreu. Sabia que era uma prisioneira em local ignorado. E não sabia se seus olhos estavam funcionando ou não. Só tinha certeza de que não tinha nenhuma venda sobre eles.
     Mas não era nisso em que pensava, não pensava no que fariam com ela, se iriam torturá-la ou simplesmente usá-la como barganha com a rainha para obter algo. Só pensava em Anne, em como ela estava da última vez em que a viu. Da forma como foi atingida, do som de seus ossos se partindo e da trilha que seu corpo fez ao se arrastar pelo solo.
     Sabia que estava gravemente ferida, mas não tinha como precisar o quanto. Viu cada uma das crianças ser fria e metodicamente espancada, e nada pôde fazer quanto a isso.
     Suzette, Marina... Yokuto. Os mais gravemente atacados e que sem dúvida iriam morrer sem cuidados. O que teria ocorrido com eles? Teriam sobrevivido? Sua filha estaria bem?
     Não sabia. Presenciou a luta titânica entre Sohar e aquela mulher, mas não soube como terminou. Quando deu por si estava ali, os braços esticados para o alto, os pulsos presos por grilhões muito resistentes – deslocara o ombro tentando libertar-se – seus tornozelos também presos provavelmente ao chão. Estava indefesa e sem meios de escapar ou pedir ajuda.
     E apenas via a completa escuridão diante de si. Não sabia onde estava ou quanto tempo ficou desacordada. Deve ter sido nocauteada pela mulher antes que esta a levasse.
     Tentou afrouxar um pouco os braços, estava novamente ficando difícil de respirar. Seu peito estava outra vez doendo a cada inalação e expiração de ar. Uma dor terrível que vinha de dentro, dos músculos dos ombros e das costas protestando por ficar tanto tempo na mesma posição.
     Estava desperta já fazia horas, e nenhum interrogatório, nenhuma frase dita. Nada! Porque a capturaram? E porque aquela mulher parecia em não ter interesse em matar as crianças? Sim, ela claramente não queria matá-las. Poderia ter feito isso com facilidade, mas não o fez.
     Ela virou subitamente a cabeça. Tinha ouvido um som. Um som como se uma tranca tivesse sido aberta. Logo depois uma luz começou a invadir o local. Uma luz branca que a cegou por um tempo.
     - Mate-me de uma vez – exigiu ela ainda sem saber quem estava entrando – ou poderá se arrepender.
     - Matá-la? – disse uma voz claramente feminina, mas não era da mesma mulher que capturou – não minha cara senshi. Eu não preciso fazer isso. Na verdade – sua voz tinha um tom de deboche – você é quem irá fazer esse trabalho para mim. Mas antes quero conhecer seus pesadelos...
     Ela a observa erguer as suas mãos e tocar na sua testa. podia ver um quase sorriso em seus lábios – seus olhos ainda doíam com o brilho da luz entrando pela porta. Sentiu algo estranho, como um tipo de choque fraco no ponto em que seus dedos tocavam sua cabeça. E depois disto...
     Depois disto...
     Ela pisca os olhos não acreditando. Onde estava?
     Levou um tempo para se situar. Estava deitada no chão do palácio. E este estava deserto.
     Não fazia sentido. Estava presa e imobilizada, e agora estava ali, solta e sem nenhum arranhão? Olhou ao redor e notou algo diferente. Haviam rachaduras nas paredes. Os vasos que ornamentavam aquele corredor onde despertou estavam quebrados, alguns pedestais estavam tombados. Outros estavam partidos, e mesmo o teto tinha marcas inconfundíveis de danos.
     Houve luta ali.
     Preocupada e ainda confusa, ela segue em direção a sala do trono. Ainda não entendia o que estava ocorrendo. Teria perdido sua memória? Teria desmaiado, sido resgatada e depois algo aconteceu ao palácio antes que acordasse?
     Dobrou a direita e deu um pulo para alcançar a parte superior da escada, pois esta estava destruída na parte de baixo. Com maestria – onde estavam suas dores musculares? – ela pousa nos degraus e continua a correr. Agora passava pelo corredor onde as asteroid tinham seus quartos. As portas destes estavam destruídas, uma delas inclusive – devia ser a de sailor Juno, pela posição – estava com a parede inteira arrancada. Quando passou do lado ela olhou no quarto e viu que não havia sobrado nada ali. O quarto inteiro foi destruído, como se uma bomba tivesse explodido ali. Na parede oposta ela via apenas o céu azulado, pois tal parede não existia mais.
     Algo que quebrasse as espessas paredes externas do palácio era realmente poderoso. Mesmo ela e Júpiter juntas só conseguiam rachá-la. O que aconteceu ali?
     Ela chega ao final do corredor e segue para a sala do trono. E para antes mesmo de entrar ali.
     Não podia acreditar.
     Ali, no centro da sala marcada pela destruição, jazia um corpo. Um corpo de cabelos loiros e longas tranças de cada lado da cabeça.
     - Majestade – sussurrou ela sem ação.
     Seguiu andando lentamente pela sala em direção ao corpo dela. Em sua mente, só pensava que tinha fracassado, que não tinha conseguido cumprir com sua missão. A rainha estava.. estava...
     Ela apertou os olhos e apressou o passo. Parou ao lado do corpo e tomou o seu pulso.
     Estava rígido. Sem pulso, frio.
     Morta...
     A rainha estava realmente morta.
     E quanto as sailors? Os guardiões? As crianças? O que houve com elas?
     - Pensei que não ia mais acordar – disse uma voz conhecida vinda do seu lado direito.
     Ela se vira com o coração palpitando e vê uma sailor ali sentada displicentemente em alguns dos degraus rachados da sala do trono.
     Sailor Titã.
     Sua filha!
     - O que... o que houve aqui?
     - O que acha? – ela se espreguiçou divertida – eu a matei, oras.
     Algo estava errado. Ela não poderia ter feito isso, não poderia. Não fazia sentido algum.
     - A matou? – murmurou com os olhos arregalados e expressando incredulidade – matou a sua rainha? Sua soberana? Sua... amiga?
     Titã fechou o olhou e sorriu um pouco divertida. Parecia que estava se divertindo com a sua surpresa.
     - Porque esta surpresa? Esqueceu quem foi o responsável pela minha existência? – comentou displicentemente – não se lembra quem colheu seus genes e da sailor Netuno para conceber sua obra prima? Achou mesmo que ele iria seqüestrar sua companheira, implantar o feto que tinha desenvolvido e não programar nada para garantir a obediência de sua criatura? Que idiota...
     Os olhos dela brilharam levemente, e em um movimento rápido ela foi na sua direção e acertou sua barriga, sem lhe dar tempo de se defender.
     Urano foi arremessada através de uma parede e desabou no chão junto com muitos cacos de vidro e livros. Devia ter atravessado a parede da biblioteca. Assustada, surpresa e não acreditando, ela ergueu os olhos e viu a sailor Titã, sua filha nascida do ventre de sua amante, se aproximar lenta e displicentemente dela.
     - Sou uma caçadora, mamãe – ela deu uma entonação muito sarcástica àquela palavra – porque acha que meu criador me deu a capacidade de localizar as sailors? Fui concebida para destruir vocês. E tolamente acharam que podiam me educar para ser uma "boa menina". Francamente...
     Um brilho surgiu nas suas mãos, um brilho vermelho. Logo o anel de destruição dela foi invocado e Urano apenas tentou proteger o rosto. Sentiu como se agulhas atravessassem o seu corpo, causando uma dor enorme em todos os músculos, especialmente na garganta e nos olhos. Vagamente percebeu que devia ter atravessado outra parede e atingido uma escada.
     Confusa e não entendendo o que tinha sentido, ela tenta se erguer.
     No começo, quando Michiru tinha sido seqüestrada por aquele homem terrível e implantado um feto nela, achou que deveriam arrancá-lo de lá. Mas Sohar convenceu a todos que não seria preciso. Não importava como uma criatura nascia, mas como iria se desenvolver.
     Nos oitenta anos seguintes ele provou estar certo. Anne cresceu, se desenvolveu, tornou-se uma menina peralta como muitas, e apesar de raramente dizer para alguém, sentia orgulho dela. Tudo indicava que Narthale não tinha conseguido efetuar nenhuma programação genética nela.
     Até agora.
     Ela ergue a cabeça e a vê se aproximar lentamente, com um sorriso sem prazer nos lábios. Parecia que não estava muito interessada em continuar.
     - Eu já cumpri o meu papel – disse ela enquanto outro brilho vermelho surgia em suas mãos – e fico vulnerável quando convoco o meu poder. Se me atacar agora, morrerei, sem dúvida. Poderá vingar todos os que matei, e se redimir por não seguir seus instintos. Ou pode morrer pelas minhas mãos como as outras morreram, e talvez sua essência me assista destruir tudo o que sobrou neste planeta, pelo menos até alguém me deter. Talvez os Pirate consigam, quem sabe? Mas se quiser agir, esta é sua única chance.
     Sailor Urano observa ela apática, sem vontade ou interesse fazer algo. Não esboça reação quando o anel de destruição é invocado. Nem mesmo fica agoniada com o fato dela, de sua filha, ter matado – ou ao menos afirmar que tinha feito isso – todas as sailors e a rainha.
     Ela não queria pensar nisto. Apenas pensava em um bebe chorão e indefeso, que ela gentilmente colocava ao seu lado da cama, que as vezes a balançava para dar uma risada que sempre achou linda. Queria pensar nisto sem parar, constantemente.
     Se era para perecer agora, não queria levar para o além a imagem de uma criatura que esperou pacientemente a hora certa de trair a tudo e a todos. Não queria que este fosse seu ultimo pensamento na Terra.
     Queria apenas se lembrar de sua filha, sua criança, que ela amava e que quase sempre sentia orgulho. Uma menina extremamente perseverante, decidida, de personalidade forte e que tinha uma certa birra quando a chamavam de lésbica.
     Anne era sua filha. Se tinha algum culpado do que ela estava fazendo agora não seria ela, mas sim aquele que a criou. Aquele que teria implantado esta programação nela. Por oito décadas Anne foi a criança que nunca imaginou ter, mas acabou sendo sua filha e agradecia aos céus por isso. Não seria um ato não consciente dela que mudaria isto.
     Mas acima de tudo, ela não queria matá-la. Não por ser inútil, não por agora não fazer diferença, não por vingança ou qualquer outro motivo.
     Ela não queria matá-la porque não podia! Naquele instante, naquele momento em que ela disse aquilo, ela soube. Soube a resposta para uma pergunta que sempre a atormentou em todos aqueles anos. A pergunta sobre o que faria se Anne tivesse algum programa em sua mente para despertar no futuro e agir como Narthale queria que agisse. A pergunta sobre como agiria se tivesse que sacrificar sua filha em prol do reino.
     A resposta era que ela não poderia fazê-lo. Ela nunca poderia matar a própria filha, mesmo para cumprir com sua obrigação.
     - Adeus filha – disse ela quando o brilho do anel indicou que ela ia atacar – eu te amo...
     Não houve dor. Não houve sensação alguma. Só depois de algum tempo ela sentiu suas costas doerem. E seus ombros. Sentiu também algo em sua testa, mas não prestou atenção.
     - Interessante – disse uma voz feminina – você... realmente ama aquela menina... jogaria tudo fora por ela...
     Ela abriu os olhos e viu ela ali. Aquela mulher de antes que tinha entrado em sua prisão. Agora notou que estava novamente presa da mesma forma, e se perguntou se por algum momento chegou a ficar livre. Devia ter sido uma ilusão causada por ela.
     Mas foi tão real.. ela chegou a sentir os odores dos móveis do castelo. Sentiu o gosto da poeira na boca quando atravessou a parede, e como explicar o ataque de Titã que ela nunca tinha sentido antes?
     Bom, se nunca tinha sentido, não poderia saber como era realmente.
     - O que fez comigo? – rugiu ela sentindo a boca seca.
     - Porque eu iria explicar? – respondeu sorrindo – basta saber que você sente o que eu quero que sinta. Já que gosta tanto daquela menina, vamos ver o que acontece se a ver sendo morta.
     Novamente ela tocou na sua testa com os dedos, e Urano começou a sentir medo do que iria presenciar ou sentir agora. Mas ela sabia que era tudo uma farsa, certo? Não poderia ser facilmente enganada agora. Não poderia!
     - Mãe, mãe! – chamava pequena correndo – olha o que eu peguei.
     Com um olhar do tipo "meu Deus" ela olhou para as mãos da criança. Onde foi que ela conseguiu achar aquilo? E como foi que fez tudo aquilo com sua roupa?
     - O que pensa que vai fazer com esse gatinho?
     - Ora.. cuidar dele – respondeu com a maior inocência do mundo – eu prometo!
     - Ele deve ter uma mamãe para cuidar dele, não?
     - Mamãe Haruka – falou a pequena – deixa eu cuidar dele! Eu prometo visitar ele todos os dias.
     - Visitar? – agora ela ficou confusa – não vai levar para casa?
     - Para que? Vou deixar ele no quintal, dar comida para ele, coçar a nuca, brincar.
     Conforme ela falava, ela acariciava o gato e este parecia corresponder, como se entendesse o que ela falava.
     - Umino Namida Anne – disse Haruka nervosa – Michiru não vai gostar de te ver toda esfolada quando chegar em casa. Coloque ele onde o achou. Se ele gostar de você vai te seguir até em casa.
     - Deixa de ser papai, mamãe Haruka.
     - O QUE FOI QUE DISSE?
     - Nada não – ela correu com o gatinho – nada mesmo.
     Haruka sorriu. Ela sabia que Anne as vezes a chamava de pai para irritá-la. Mas ela também mostrava como não gostava daquilo. Fechou os olhos por alguns instantes pensando em uma cena quando ela tinha três anos. Quando os abriu, seu sangue gelou.
     Anne estava andando no meio da rua, talvez para ir a praça em frente, fora da faixa e com um carro indo na sua direção.
     Desesperada, ela começou a correr atrás da menina. Sabia que os carros tinham dispositivos para se desviar de pedestres. Era muito raro ocorrer um atropelamento na cidade e isso fazia décadas. Mas seu instinto de proteger a criança era forte. Depois daria uma bronca nela. Depois pensaria com medo no que poderia ter ocorrido.
     Agora no entanto ela só pensava em correr, em chegar até Anne, até sua filha, até aquele pequeno pedaço endiabrado de capetinha a tempo. Não queria confiar a vida dela a um dispositivo que podia falhar na pior hora possível. Não iria confiar a vida dela a isso. Na verdade, talvez só confiasse sua vida a sua companheira, a mãe de ventre de Anne, a Michiru.
     Pelo canto dos olhos ela percebe que o motorista está em pânico, tentando desviar o carro. Não podia ser. Não podia! Não podia falhar agora. Estava há dez metros da criança e o carro a quinze. Tinha que conseguir fazê-lo, tinha que conseguir. Ela salta usando suas potentes pernas em direção a Anne, que ainda não tinha percebido o carro se aproximando.
     Ela percebe que não iria conseguir pegar a menina a tempo, então ela torce o corpo para deixá-lo entre o carro e ela. Era a única chance.
     A menos de um segundo da colisão, ela estica os braços e agarra Anne firmemente. Logo em seguida sente o impacto nas costas. Ouve o barulho de vidro se estilhaçando, ouve gritos de transeuntes próximos. Percebe vagamente uma forma peluda passar perto do seu rosto – era o gatinho que ela tinha nas mãos. Sente suas costas torcerem conforme o metal do carro era amassado para absorver o impacto. E esperava que seu corpo amortecesse o que Anne devia estar sentido agora.
     Aquela era a primeira parte, sentir o impacto. A segunda era ser lançada para frente quando o carro parasse. Ela leva as pernas para a frente assim que sente suas costas deixarem a frente destruída do veículo. Precisava delas para orientar sua queda agora.
     Em desespero ela põe uma perna no chão e pela inércia começa a girar sem controle, segurando a menina para junto de si e tentando o impossível para não apertá-la demais. Para ela demorou tanto, e foi tão devagar que chegou mesmo a contar suas cambalhotas. As mesmas não parecem terminar nunca.
     Finalmente ela para, com a criança em seus braços.
     Conseguira.
     Salvara sua filha.
     E agora era hora de lhe dar uma bela bronca.
     Ela se levanta e com cuidado move Anne para olhá-la de frente.
     Ela sente o seu coração parar.
     Os olhos de Anne... estavam abertos. Não piscavam e não pareciam ter vida.
     Sua cabeça pendia de forma estranha para a direita.
     Não... não podia... não podia ser. NÂO PODIA!
     O impacto foi demais para o frágil pescoço da menina. Ele se quebrou com as forças aplicadas, sufocando seus pulmões e impedindo o sangue de chegar ao cérebro.
     Sua criança, sua linda criança estava morta! MORTA!
     Ela fecha os olhos para não ver mais. Não tenta evitar as lágrimas chegarem de forma sussurrante. Não se incomoda com seus soluços. Não se incomoda com nada.
     A única coisa que a incomodava era ter um corpo sem vida nos braços.
     Um corpo que tinha metade de seus genes.
     Sua filha.
     Sua única filha.
     Aquela que ela convenceu Michiru a batizar de Lágrima do Oceano...
     - Não achou interessante?
     Urano pisca os olhos incrédula. Estava novamente presa. Só que desta vez sentia lágrimas nos seus olhos. Na verdade ainda sentia a dor em seu coração do que acreditou ter visto e sentido.
     Não só foi real para sua mente, como não conseguiu nem por um instante perceber que era uma ilusão.
     - Parece que acertei... essa garota é o seu ponto fraco – disse a mulher aparentemente satisfeita com a descoberta.
     - Sua... maldita!
     - É só o começo, minha cara senshi... e não se preocupe. Garanto que tenho imaginação suficiente para fazer você ver sua doce criança morrer de uma forma diferente a cada vez que brincarmos.
     Novamente ela moveu seus dedos para tocar na sua testa, e agora sailor Urano tinha certeza.
     Ilusão ou não, seus piores pesadelos iriam se tornar realidade.


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