Herança escrita por Janus


Capítulo 45
Capítulo 45




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     Dor...
     Dor e medo...
     Dor, medo e pânico...
     E uma pitada de tristeza e fracasso.
     Era essa a receita. Esse foi o prato que cozinhou, temperou e serviu para si mesma.
     E agora pagava o preço.
     Estava perdida. Imersa em um mundo de trevas e sem sentidos. Um mundo que já tinha visitado uma vez e que realmente não sabia como tinha retornado.
     Porque tinha perdido tempo? Devia ter ido salvar as crianças. Aquilo foi um sério e poderoso ataque, muito maior do que sailor Júpiter faria, especialmente com tantas pessoas próximas.
     Mas tinha que tentar... ela era uma princesa de Vênus e tinha de tentar. E pagou por isso. Por seu erro, sua arrogância. Achava mesmo que podia enfrentar aquela mulher? Achou mesmo que a conhecia?
     "Tola."
     Isso foi uma voz? Ou sua mente abalada e ferida estava já fraca demais para se manter coesa?
     "Incrivelmente tola"
     - Quem está ai?
     Nenhuma resposta. Apenas a escuridão fria e sem poder ser vista a permeava. Por dentro e por fora, na sua alma e em seu exterior. Não estava morta, não fora agraciada com tal alívio. Novamente foi tomada pela escuridão vazia e nula que tanto temia.
     "Não se envergonha?"
     - Quem é?
     "Uma senshi de Vênus... lastimável..."
     Ela percebe um choro. Um choro infantil e triste que lhe atraí. Alguém estava também perdido ali. Talvez fosse ela própria. Talvez parte de sua mente destroçada.
     "E ousa me ignorar. Vergonhoso"
     - Mas quem é você?
     "Não sabe? Não imagina quem eu seja?"
     O choro era mais forte agora. Quase que um farol a orientando ali. Não sentia suas pernas ou o resto de seu corpo. Na verdade, tinha consciência de não mais possuir um corpo. Mesmo assim, ela procurava se mover ali. Naquela escuridão, naquela fria escuridão sem emoções ou sentimentos.
     "Teve todas as chances, todo o preparo, toda uma vida, e ainda assim afrontou seus ancestrais"
     - Quem está ai?
     Uma luz... um círculo de luz a acertou em cheio, esmagando o corpo que não possuía e a prensando em um solo que também não existia. Não era uma dor física... não eram sensações físicas. Eram coisas que sua mente interpretava assim, mas sua consciência sabia que não era isso.
     Não que fizesse muita diferença. Estava perdida em meio as trevas e sendo cruelmente atacada. E por luz! Por aquilo que mais prezava e quase idolatrava... luz, luz divina, o temor das trevas, a benção de seu povo.
     - Porque?
     "Como ousa fugir assim? Como sequer ousou desistir?"
     Novamente foi atingida, mas não foi um círculo desta vez. Foi um facho de luz, uma linha reta e moldada de luz que a acertou, atravessou e a partiu em dois. E novamente a terrível dor a invadia, cada partícula de sua essência. Ela não gritava, pois não tinha boca para tanto. Não estava fisicamente ali, apenas sua essência, seu espírito habitava aquele reino de trevas. Não podia gritar, não podia chorar – quem está choramingando? – não podia implorar.
     E sequer conseguia entender.
     - Quem...
     A linha de luz novamente a ceifou, partindo-a mais ainda. Novamente a dor a permeava, ampliando ainda mais sua agonia e seu desespero. E de forma confusa e inconcebível ainda estava consciente, "viva" naquele lugar deprimente e sem alegria.
     "Reaja. Viva!"
     Reagir? Contra o que? Contra quem? E pelo que?
     - Eu...
     Novamente a linha de luz.. ele se aproxima, mas não a ceifa desta vez. A atinge como um porrete. Foi de lado... aquela luz... era uma espada. Uma espada feita de luz. Podia vê-la agora plenamente com os olhos que não tinha naquela escuridão que não existia. Podia sentir a dor na sua face que não estava ali mas que doía. E como doía. Uma dor na alma... quase a mesma dor que se sente quando se perde alguém muito querido.
     E o choro... o fraco choro infantil continuava a aumentar. Novamente ela se ergue, tentando se mover com um corpo que não existia. E novamente é agredida sem piedade. Socada e impactada pelo círculo de luz. Um escudo feito apenas de luz.
     Mas o que significava isso? Onde estava? O que estava ocorrendo? Como viera parar ali?
     'Acorde! Mova-se! Levante-se!'
     Quem estava falando isso? Ela observa o escudo e a espada. Era como se algo.. alguém os estivesse empunhando, considerando a forma como se movimentavam. Mas quem?
     - Porque...
     Novo ataque. Desta vez combinado entre o escudo e a espada de luz. Cortada, atingida, ceifada, esmagada, torturada por um tempo que não podia determinar. E a cada ataque, a dor de perda era maior. Aumentava de maneira insana. Não entendia. O que estava havendo?
     'Reaja!'
     Novamente a mesma voz imperativa. Reagir como? Porque estava sendo atacada? E esse choro que aumentava mais e mais porém continuava fraco e insistente?
     - Por favor.. chega... chega...
     Se pudesse ver como era atingida, certamente veria apenas sangue. Toda vez que falava algo, era atacada. Toda vez que tentava compreender era oprimida. Toda vez que pedia gentilmente, recebia dor. Apenas dor...
     'Vergonhoso!'
     Desta vez, preferiu não tentar retrucar. Nem entender. Parecia que estava sendo domada ali. Dominada por algo ou alguém que obviamente tinha muita experiência no assunto. Reagir contra o que? Que vergonha seria essa?
     'Senshi de Vênus... desperte. Erga-se. Não envergonhe os seus.'
     Mas quem era que estava falando? Seria um venusiano? Uma venusiana? Porque uma espada e um escudo feitos de luz? Porque aquela escuridão? Porque? Porque? Porque?
     - Basta! – disse ela tomando uma decisão.
     Ser era para morrer, que morresse de uma vez. Se fosse para ser despedaçada, que seja! Mas não iria mais tolerar aquilo sem nem ao menos ver o rosto de seu algoz. Ela ergue suas mãos inexistentes e convoca o seu poder. Tenta desesperadamente preencher aquela escuridão com luz.
     Ela sente o poder fluindo dela. Sente a energia que está consumindo. Sente sua própria essência gritar em agonia por aquele esforço. Mas, o que quer que fosse aquela escuridão, ela não esmaecia. Não diminuía e nem ao menos ficava menos densa.
     Ela perdeu.
     Exausta em sem forças, ela desaba no chão que não está ali. O choro ainda era presente. Ainda era infantil. E a cada vez mais ela sentia que precisava ir na direção daquele choro.
     'Levante-se.'
     Não... acabou. Ela perdeu e estava disposta a desistir de tudo. Não ia se levantar. Não iria sofrer de novo. Não iria continuar com este tormento. Esta espada, ou o que quer que fosse que pudesse acabar com ela. Basta!
     - Mate-me...
     Ela fecha os olhos que não estavam abertos e aguarda.
     E aguarda.
     Nenhum som. Nada. Nulidade total. Enfim, ficou sozinha.
     Sem ninguém. Em paz.
     Paz...
     A quem estava enganando? Como podia ficar em paz com tanta coisa para fazer ainda? O reino estava em perigo. Sua família estava em perigo. Todos estavam em perigo.
     Mas o que ela podia fazer? Ela perdeu. Nem teve chance contra àquela estranha mulher. Nenhuma chance. Será que foi morta por ela? Estaria em seu purgatório particular por sua derrota?
     'Levante-se guerreira de Vênus. Minha aprendiz, minha sensei.'
     Ela abre os olhos. E o escudo e a espada ainda estavam lá. Mas tinha mais uma coisa agora. Ombreiras. Ombreiras de luz. Ombreiras brilhantes de luz que compunham um quadro mais compreensível daquilo.
     Abriu a boca que não possuía e arregalou os olhos que não estavam lá. Ela... a espada.. o escudo.. eram daquela guerreira. A guerreira de luz milenar. A lenda. A sensei de todos os venusianos. A eterna sempai que tinha venerado em sua vida anterior no Milênio de Prata.
     A guerreira que em verdade nunca tinha existido. Era apenas uma referência para o seu povo. O seu agora quase extinto povo, com apenas um poucos representantes pela galáxia – dos quais, ela era um deles.
     Mesmo assim, sabia que era ela. Apenas ela podia usar seus poderes de luz para formar um escudo e uma espada. Jamais um venusiano pôde fazer isso.
     'Levante-se!'
     Ela obedece. Sem saber porque ela obedece. Ergue o corpo que não está lá e que foi duramente castigado e fica ereta. O choro infantil recomeça. Mais forte agora, mas ainda assim infantil.
     'Não tem o direito de desistir. Tem uma missão a cumprir, e uma família para cuidar. Parta agora. Siga o sinal. Siga o caminho que estou lhe fornecendo. Desperte!'
     Ela observa ao redor. Sinal? Tudo o que percebe é o choro. Sim! Esse é o sinal. Sem pensar duas vezes, ela segue o choro. O choro infantil, o choro que desde o começo a tinha lhe intrigado. E agora, conforme se movimenta naquela escuridão, ela percebe.
     Percebe que o choro.. o choro fraco e infantil... o choro que a está guiando... ele... ele parece provir da mesma voz daquela guerreira. A mesma voz. A voz que ela conhecia... A voz que por muito tempo seguiu e ouviu em sua vida. A voz de uma linda menina que era um de seus maiores tesouros. A voz linda da doce menina de olhos verdes que tanto prezava, e que tanto lhe dava orgulho apesar de as vezes fazer coisas comuns de adolescentes...
     A escuridão desapareceu por completo. Podia ver finalmente onde estava. Sua mente. Era lá que estava. Era lá que algo, alguém.. uma força muito grande a ajudou a despertar. Podia ver a guerreira agora. Ela a conduzia pegando na sua mão. Andava por aquele local deserto de sua mente a conduzindo como uma mãe conduzia uma criança. Não precisava ficar surpresa. Não iria ficar surpresa. Mas sabia que esqueceria disto. Não importava. Não importava mesmo. Era o bastante saber por alguns segundos daquele segredo. Daquele tão interessante e maravilhoso segredo. Ela podia ver a guerreira. Podia sentir a aura desta. Sabia o que pensava e sentia. Agora ela sabia... finalmente sabia.
     Sabia como ela era. Seu corpo, suas formas, seus braços, seu rosto.
     Ela sabia.
     Agora ela sabia.
     Agora que ela podia ver, agora que podia sentir a aura daquela guerreira, daquela sempai, daquela sensei...
     Agora que podia realmente perceber a natureza dela e de seus sentimentos e emoções...
     Agora que observava sem ter olhos os cabelos longos e brilhantes daquela mulher...
     Agora que estava ficando consciente de si mesma e de sua situação...
     Ela percebeu.
     Não era um guerreira ancestral. Não era a fundadora da raça, muito menos a sua melhor representante.
     Era Rita!
     Rita... filha... sua filha. Uma guerreira, uma senshi. Não uma lunar senshi, e muito menos uma mera sailor Vênus. Era ela... ela era a senshi, aquela senshi que as lendas mencionavam. A guerreira de luz, da piedade e do amor.
     A guerreira que a conduzia agora, por este mar gelado de escuridão e sem sensações com o seu choro pequeno, lamurioso e doce.
     Eu te amo filha...
    

-x-

 

     - Como... como ela está?
     - Ela vai ficar bem Ceres, mantenha a calma. Amanhã mesmo deverá estar andando. Agora vá descansar que você também ficou muito ferida.
     - Eu..
     - É uma ordem! – disse a princesa atrás dela – por favor amiga...
     - Está bem Serena... está bem.
     A doutora Amy observou a única integrante das asteróid que ainda podia ficar de pé sair da sala. Ainda não estava realmente a par do ocorrido. Tudo o que sabia fora que algo acabou destruindo um dos prédios da escola em que seus filhos estudavam, e que três da quatro asteróid ficaram gravemente feridas.
     Mas o que a estava deixando em pânico foi o fato de Sailor Vênus, a líder das sailors ter ficado fora de combate e muito mais ferida. Foi um milagre as crianças sobreviverem ilesas a isso. Um milagre mesmo.
     - Como está Mina?
     - Ela está bem princesa. Fisicamente ao menos. Mas sua mente ainda não responde bem. Alguma coisa a abalou muito. E eu francamente não sei o que esperar. Sume já tentou mas não consegue estabelecer um elo com a sua mente. E eu sugiro que vá para casa princesa. Sua mãe já ficou muito preocupada com você e sua irmã por um dia.
     - Eu...
     - É uma ordem, sailor Moon – ela a encarou friamente. Não queria ser dura ou bruta, mas o assunto estava fora dos jovens. Totalmente. Só não mandava Rita ir para casa pois ela ficaria muito mais agoniada com o estado da mãe do que já estava.
     Ficou alguns momentos com a cabeça baixa, se permitindo um pequeno intervalo para sofrer um pouco pela amiga. E depois caminhou lentamente até o quarto onde ela estava. Rita estava ajoelhada ao lado da cama, e Afonso estava sentado mais atrás, no pequeno divã para as visitas do paciente. Ele estava sério, sério e tentando de todas as formas não demonstrar o que sentia. Não com a filha ali.
     Pensou em dizer algo a eles. Mas o que iria dizer? A princesa usou seus poderes de cura, Anne também. Curaram seu corpo mas a mente dela parecia não estar ali. O painel acima da cama que mostrava seus sinais vitais indicavam um coma profundo. Algo realmente próximo a morte.
     Sem saber o que fazer, ela fechou a porta suavemente e se afastou. O que podia fazer já foi feito. O resto da jornada teria de ser feito pela sua amiga sozinha.
     Ou, talvez segurando na mão de sua filha. Não soube bem o porque de pensar nisto, mas não chegou mesmo a se questionar a respeito. Quanto a ela, já tinha suas ordens. Apresentar-se ao palácio assim que possível. Ou seja, agora.
     Começou a andar quando um alarme disparou. Virou-se correndo ao mesmo tempo em que ouvia Rita chorar e gritar alto. Quando irrompeu no quarto, viu ambas, mãe e filha, duas gêmeas com idades diferentes se abraçando e chorando mutuamente.
     Mina estava recuperada e bem. Mal reparou no Afonso se unindo naquele abraço familiar. Não reparava na alegria de sua amiga, e nem mesmo se incomodava em desligar os alarmes que estavam soando.
     Amy viu algo que ficou gravado em sua mente. Foi um mero instante, mas foi no momento em que entrou no quarto.
     Não era Rita quem estava abraçando sua mãe então. Era... uma sailor. Uma sailor com ombreiras de luz e um escudo no braço esquerdo também feito de luz. Mesmo tendo sido por um mero instante, foi isso o que ela viu. Não Rita, não a sailor Miranda, mas uma guerreira de luz.
     Obviamente foi apenas uma impressão causada por um fator desconhecido, visto que agora havia apenas Rita ali, chorando feliz ao abraçar sua mãe, e ambas sendo abraçadas pelo patriarca da família.
     As décadas seguintes cuidariam de mostrar o quanto ela devia ter dado importância àquela visão.


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