Como Se Livrar De Uma Vampira Apaixonada escrita por Rafa


Capítulo 22
Capítulo 22


Notas iniciais do capítulo

Oi gente! Capítulo mais cedo. Espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/428447/chapter/22

– Sra. Welmon?

Levantei o olhar de um rabisco elaborado que estivera fazendo no caderno e vi David Karoufsky balançando sua mão gorda, tentando atrair a atenção da professora. Eu nunca tinha visto David levantar a mão para nada, então achei que ele estivesse com diarreia e precisasse de permissão para ir ao banheiro ou... na verdade não consegui pensar em nenhum outro motivo para o imbecil do David chamar a atenção para si mesmo dentro de uma sala de aula. Por isso o que ele disse em seguida me surpreendeu totalmente.

– Diga, David – respondeu a Sra. Welmon, parecendo tão perplexa quanto eu.

– Fiz um relatório sobre um livro.

O quê?

– Nossa! – A Sra. Welmon não sabia se deveria ficar feliz, aterrorizada ou as duas coisa. – Fez? Bom, você não tinha sido escolhido...

– Eu sei – disse David. – Mas estava tão interessado no livro que o li antes do tempo.

Dava pra ver que a Sra. Welmon estava um pouco intrigada, apesar de suas dúvidas óbvias. Ouvir que um aluno – especialmente um péssimo aluno como David – tinha lido um livro antes do tempo... bom, devia ser o mesmo que ganhar na loteria e encontrar o amor verdadeiro num dia só.

– Leu? – repetiu ela, com um brilho nos olhos.

Algo naquela situação me deu a impressão de estar muito errado. Virei-me para Quinn, um pouco alarmada, mas ela apenas observava, os olhos plácidos, com aquela calma nova e estranha que havia cultivado.

– E o que você leu? – indagou a professora.

Drácula – anunciou David. – E estou preparado para falar sobre ele.

Ah, não. Ah, por favor, não. Agora estávamos numa espécie de terreno perigoso. David e Kitty haviam tramado alguma coisa. Por favor, Sra. Welmon, diga a ele para calar a boca.

– Bem, David, ainda faltam algumas semanas para lermos Bram Stoker – ponderou ela.

– Eu sei, mas fiquei empolgado com o livro. Me fez pensar em muitas coisas. Quero falar sore ele para a turma.

A Sra. Welmon hesitou por mais um segundo, mas a ideia de um aluno medíocre ter descoberto coisas em que pensar era demais pra ela.

– Então, por favor, David. Compartilhe seu relatório conosco.

Ela se sentou enquanto David se erguia da carteira e andava pesadamente até a frente da sala.

Meu coração havia disparado. Olhei para Mindy, mas ela manteve a cabeça voltada para frente. Que diabo iria acontecer? Será que minha ex-melhor amiga sabia?

David sacudiu uma folha de caderno e pigarreou. Então leu, daquele seu jeito monótono e desajeitado:

– O que surpreende no Drácula de Bram Stoker é o fato de ele se basear na história real de um vampiro que viveu na Romênia. O nome desse vampiro era Fabri, o Empalador, que é meio parecido com o sobrenome Fabray.

Cala a boca, David...

Atrás de mim, Kitty riu baixinho e sussurrou “Ops” de modo que apenas Quinn e eu escutássemos.

– Algumas pessoas dizem que os vampiros ainda existem – continuou David. – Se você procurar na internet vai ver que há um monte de informações de pessoas que bebem sangue, sangue humano, e se dizem vampiros. Muitos desses malucos vivem na Romênia, onde costumam ser mortos porque as pessoas normais não querem conviver com eles.

David parou e olhou para um ponto atrás de mim. Para Quinn. Não.

– David, não sei se isso é apropriado – interveio a Sra. Welmon, colocando-se de pé.

Mas David retomou a leitura, mais depressa, antes que alguém pudesse impedi-lo.

– Encontrei até nomes de pessoas que bebem sangue. Um monte de gente que diz que é vampiro tem o sobrenome Fabray, como Quinn. É uma coincidência estranha.

– David, sente-se agora! – ordenou a professora.

Mas era tarde demais. Os murmúrios haviam começado e todo mundo se virou boquiaberto para Quinn. Todo mundo menos eu. Eu apenas olhei direto para frente, talvez porque meu coração houvesse parado e eu estivesse tecnicamente morta. Meus dedos, que apertavam a mesa, estavam frios e rígidos.

– Vocês podem checar na internet – concluiu David, ignorando a professora. – Vampiros. Iguais aos do livro. – Ele fez uma pausa. – E esse é o meu relatório.

David dobrou o papel e o enfiou no bolso de trás, com um sorriso presunçoso. Um sorriso que sumiu mais ou menos no mesmo instante em que uma sombra foi lançada sobre minha mesa.

Quinn, não entra nessa.

Mas é claro que uma princesa vampira não ficaria parada deixando que brincassem com ela. Quinn foi até a frente da sala e o sorriso de David desapareceu por completo.

– Queria apresentar algum argumento com seu “relatório” incoerente e mal concebido, Sr. Karoufsky? – perguntou Quinn, parada diante de David. Suas costas estavam viradas para a turma, mas dava para ver a tensão nos ombros. Como um gato pronto para atacar um rato gordo.

– Quinn – disse a Sra. Welmon, avançando rapidamente.

Quinn a ignorou. Ela se inclinou sobre David, cutucando o peito do valentão com o dedo indicador, empurrando-o contra o quadro branco.

– Porque se tinha alguma coisa a dizer, deveria ser mais direto. Você não é inteligente o bastante para ser sutil.

– Chame a segurança – ordenou a Sra. Welmon a Dirk Bryce, que estava sentado mais perto da porta. – Corra!

Dirk hesitou por um instante, como se tivesse com medo de perder a ação, depois disparou como uma bala no corredor.

Desviando-se do dedo de Quinn, David engoliu seco, olhando para os colegas da turma. Pareceu reunir alguma coragem com a presença deles.

– O que eu estou dizendo e que os seus pais foram mortos porque eram vampiros sugadores de sangue. Está claro o bastante?

– David Karoufsky, pare com isso agora! – berrou a Sra. Welmon, puxando os ombros de David e levando-o para mais longe de Quinn.

– Você está me acusando de ser uma vampira? – perguntou Quinn, acompanhando passo a passo o recuo de David. – Por que eu sou mesmo...

– Não! – berrei, me levantando da cadeira e correndo até Quinn. Agarrei seu braço e a puxei com o máximo de força que pude. – Não deixe o David provocar você.

Quinn se virou, furiosa, como se fosse me empurrar, mas nossos olhares se encontraram e ela recuperou o autocontrole. A nova resignação fez seus olhos ficarem vítreos de novo. Ela soltou meus dedos do seu braço com delicadeza. Comecei a segurá-la outra vez, como se pudesse silenciá-la com minhas mãos, mas, no último segundo, deixei o braço tombar ao lado do corpo. Não havia nada que eu pudesse fazer.

Toda a turma mergulhou num silêncio fantasmagórico enquanto eu e Quinn nos encarávamos. Eu implorava em silêncio para ela não dizer mais nada que a prejudicasse. Para não provocar uma briga de verdade. Quinn me desafiava com um não dito “Por que não agora? Por que não deixar que o fim comece?”.

Dava pra ouvir a respiração ofegante de David, Quinn e a Sra. Welmon enquanto todos esperávamos o que poderia acontecer em seguida. Atingíramos o ponto crítico. Estávamos nos equilibrando à beira do caos – ou da tranquilidade.

Quinn encontrou um modo de optar pela tranquilidade.

Virou-se lentamente de volta para David.

– Da próxima vez que tiver algo a me dizer, seja direto. E esteja preparado para uma resposta que vai deixá-lo com vontade de ter tido o bom senso de permanecer calado.

– Isso é uma ameaça? – David se virou para a Sra. Welmon. – Ela não pode fazer ameaças! Isso é motivo de expulsão!

– Pare, David – disse a Sra. Welmon. – Pare agora.

Então a segurança chegou, invadiu a sala e nos encontrou de pé, tensos, mas controlados.

– O que está acontecendo aqui? – perguntou o policial da escola, ansioso para exercer um pouco de abuso de autoridade.

Esperei que o mundo caísse, mas, para a minha surpresa, a Sra. Welmon não entregou a história toda. Sua voz estava um pouco trêmula, embora ela tenha permanecido firme enquanto dizia:

– Não está acontecendo nada. Foi só um pequeno desentendimento. Está tudo bem agora.

Os olhos de David se arregalaram e ele apontou para Quinn.

– Mas ela acabou de me ameaçar...

– SILÊNCIO! – trovejou a Sra. Welmon, com mais força do que jamais a ouvira usar. – SILÊNCIO, DAVID!

Demorei alguns segundos para deduzir o que ela estava fazendo.

Protegendo Quinn. Sua favorita. A única aluna que amava literatura tanto quanto ela. Ela poderia ser uma sugadora, mas, para a Sra. Welmon, Quinn Fabray sempre seria a garota da fileira dos fundos que entendia as metáforas ocultas, simbolismos obscuros e as paixões sombrias que consumiam um personagem fictício chamado Heathcliff. A boa e velha Sra. Welmon protegeria Quinn dos ventos uivantes enquanto ela estivesse em sua sala de aula.

Infelizmente, Quinn não poderia passar a vida inteira na aula de literatura inglesa.

Enquanto a turma saía da sala, olhei para Kitty Wilde. A sugestão de um sorriso presunçoso, divertido e satisfeito reluzia em seus lábios rosa-algodão-doce, com excesso de brilho.

***

– Rach, apague as velas.

Meu aniversário de 18 anos. Deveria ser um dos pontos mais altos da minha vida, mas foi horrível. Deprimente. Eu não tinha amigos e, portanto, não tinha festa. Meu único convidado, claro, era o tio Dorin, cuja presença contínua havíamos finalmente revelado a Quinn e a meus pais.

Meu tio estava sentado à mesa, observando tudo com seus olhinhos brilhantes.

– Isso é adorável – ficava dizendo ele. – É o máximo.

– A cera está pingando – avisou mamãe, dando-me um cutucão. Ela havia feito um bolo vegano com xarope de arroz, leite de soja e suco de maçã sem açúcar. Mas que delícia. Mesmo assim soprei, para deixa-la feliz. As velas estremeceram e se apagaram. Não perdi tempo fazendo um pedido.

– Parabéns! – disse mamãe, tentando animar a festinha.

Quinn me olhou do outro lado da mesa enquanto mamãe cortava o pseudobolo. Se existe uma coisa pior do que um vampiro furioso é sua versão impenetrável. Ninguém pode exibir um olhar vazio como um vampiro. Devolvi o olhar. Eu sentia sua falta. Se pelo menos ela falasse comigo... Quinn devia estar solitária. Todo mundo a evitava na escola, sussurrando pelas suas costas, enquanto a história do relatório de David se espalhava nos corredores, dando mais força aos boatos que já circulavam. O fato de Quinn ter praticamente admitido que era uma morta-viva, bem na frente da turma, não havia ajudado a acalmar a situação.

De repente não era incomum ouvir a palavra “vampiro” sussurrada nos corredores da Escola Woodrow Wilson.

– Ei, isso está uma delícia – disse papai, comendo sua fatia de bolo.

Ele acredita mesmo nisso?

– Temos um presente para você.

Mamãe sorriu, me entregando uma caixa embrulhada no papel alegre e amarrotado, rosa e amarelo, que vínhamos reutilizando desde que eu tinha 10 anos.

– Ah, presentes! – exclamou Dorin, batendo palmas. – Adoro presentes.

Tirei com cuidado o papel de embrulho para que mamãe pudesse guarda-lo para mais um ano. Dentro da caixa havia uma calculadora bem moderna e um cartão anunciando que eu tinha renovado a assinatura da revista Mago da Matemática. Lancei um olhar perplexo aos meus pais. Eles sabiam que eu havia saído da equipe de matemática.

– Talvez um dia você recupere o interesse – explicou mamãe.

Eu sabia o que ela queria dizer de verdade: talvez possa ser você mesma de novo. Vai superar Quinn e sua vida vai continuar.

– Obrigada mamãe e papai. É um presente maravilhoso.

– Quinn, você também não tem um presente para Anastácia? – cutucou Dorin.

Quinn voltou bruscamente de algum devaneio particular.

– Ah, é. Claro.

Ela estivera tão distante, tão trancada em si mesma que eu não esperava que ela fosse comprar algo para mim.

Olhei com ansiedade enquanto ela enfiava a mão no bolso da calça jeans, tirando uma caixa. Uma caixa minúscula. De veludo vermelho. Como aquelas em que se colocam anéis. Anéis de noivado.

Meus pais prenderam a respiração. De repente meu coração estava disparado.

Quinn empurrou a caixa por cima da mesa.

– Aqui. Feliz aniversário. Muitos anos de vida.

– Minha nossa – disse mamãe. – Não sei se...

Forcei meus dedos a não tremerem enquanto pegava a caixa e abria a tampa. É agora? Será que Quinn mudou de ideia? Vamos em frente com o pacto?

Mas não.

Dentro, num pequeno quadrado de veludo branco puríssimo, não estava um anel, e sim colar, com uma pedra de um vermelho tão fechado que chegava a ser quase preto.

Era lindo.

E eu odiei.

Quase saí correndo por conta da decepção que apertou meu peito, tornando difícil respirar. Ao ver a caixa que serviria para um anel, eu acreditara mesmo que Quinn havia voltado atrás. Por um breve momento eu tinha visualizado nós duas juntas. Todo o nosso futuro passou diante dos meus olhos. Eu. Quinn. Paz entre vampiros. A segurança nos braços uma da outra, imunes às ameaças dos Anciões ou dos nossos colegas de escola. Por um breve momento eu havia pensado que a caixinha guardava a promessa de tudo isso.

Olhando para Quinn do outro lado da mesa, percebi que minhas esperanças haviam sido absurdas. Ela não tinha uma postura de alguém pedindo outro alguém em casamento. Estava sentada, empertigada, os olhos vazios, contida em seu novo estado, serenamente desinteressada. Quinn Fabray não era uma pretendente prestes a se casar. Era uma vampira prestes a ser destruída. Esperando o que se abateria sobre ela.

Senti vontade de gritar e jogar o colar do outro lado da sala, como uma criança mimada que não tivesse ganhado o brinquedo que queria. Mas eu não era uma criança mimada. Era uma jovem mulher arrasada e precisava demonstrar uma elegância que não possuía.

– Obrigada – conseguir dizer. – É lindo. – Então fechei a tampa e deixei a caixa de lado. – Estou cansada. Se vocês não se importarem, acho que vou subir.

Meus pais pareceram tristes e esgotados e percebi que eles também estavam sendo arrastados para baixo por meu sofrimento aparente demais e pela preocupação comigo e com Quinn. Empurrando a cadeira para trás fui até mamãe e lhe dei um abraço apertado.

– Muito obrigada pela festa. Você é a melhor mãe do mundo.

Fui até meu pai.

– E você é o melhor pai. De todos os tempos.

– Você é uma jovem linda Rachel – disse papai, a voz embargada. – Nós dois temos orgulho de você.

Soltando-me do abraço de papai, cumprimentei Dorin e Quinn com a cabeça.

– Boa noite e obrigada – falei.

– Boa noite, Anastácia – cantarolou Dorin. – Muitos anos de vida!

Quinn não disse uma palavra. Só ficou lá parada, olhando o presente rejeitado.

Mantive a compostura por todo o caminho até o quarto, mesmo depois de estar fora do alcance da audição da minha família. Enquanto me despia e vestia a camisola, não cedi às lágrimas. Segurei os soluços até me deitar na cama. Enterrei o rosto no travesseiro e os abafei, para que ninguém ouvisse. Não deixaria meus pais mais preocupados do que já estavam.

– Rachel.

A voz dela veio da porta.

Através das lágrimas, vi a forma ondulante de Quinn parada na entrada. Enxuguei os olhos, sem graça por ter sido surpreendida chorando.

Ela entrou no quarto, fechou a porta em silêncio e veio até mim, sentando-se na cama.

– Por favor, não chore – disse ela, me tranquilizando. – Não há nada que valha suas lágrimas. É seu aniversário.

– Está tudo errado – protestei, esmagando o choro com as palmas das mãos.

– Não Rachel – Quinn puxou minhas mãos. Passou gentilmente os polegares sobre meus olhos, primeiro um e depois o outro, enxugando as lágrimas. – Para você as coisas vão ficar bem. Este é um dia feliz. Seus 18 anos são um marco importante. Por favor, não suporto ver suas lágrimas.

– Um dia feliz?

Eu estava incrédula.

– A caixa... você pensou que era outra coisa. Eu vi seu rosto. Você ficou desapontada. Pensou que eu tivesse mudado de ideia...

– Pensei – respondi, ainda fungando.

– Não, Rachel. – Ela balançou a cabeça. – Nunca. Você precisa esquecer aquilo tudo.

– Não posso – respondi, estendendo a mão para ela, mas Quinn se levantou depressa, quase como se tivesse medo de me tocar, e eu sabia que, apesar do seu distanciamento e da sua frieza, uma parte dela ainda se sentia atraída por mim. Sempre soube que ela se sentira atraída por mim, como eu me sentira atraída por ela.

– Você não me deu a chance de explicar o meu presente – declarou ela, enfiando a mão de novo no bolso e pegando a caixa. Em seguida a entregou a mim. – É melhor do que um anel. Melhor do que a promessa de... o quê? A eternidade com uma vampira condenada?

– Nada me deixaria mais feliz do que você concordar com o pacto – falei, recusando-me a pegar a caixa.

– Ah, Rachel, abandone essas ideias em favor do que eu posso oferecer. – Ela estendeu a mão de novo, com a caixa na palma. – Você não reconheceu o conteúdo?

Eu estava confusa, mas me levantei, curiosa, pegando a caixa.

– De onde?

– Da foto. Sei que olhou pra ela Rachel. Eu sabia que você iria olhar, na hora certa. Quando estivesse preparada.

Minha mãe. Era o colar da foto que ela havia enfiado no livro. Abri a tampa de novo.

– Ah, Quinn. Onde conseguiu?

– Ele foi guardado para você, na Romênia. Para lhe ser dado nessa ocasião. Era o pertence preferido de sua mãe e é uma honra para mim lhe entregar uma recordação tão importante. Espero que você use durante muitos anos, com boa saúde e boa sorte.

Fui até a mesa e peguei a foto na moldura de prata, olhando o jaspe-sanguíneo que enfeitava o pescoço de minha mãe. A pedra que agora eu segurava na outra mão era uma coisa palpável da existência de Mihaela Dragomir. Uma ligação verdadeira com ela. A pedra se destacava sobre o veludo branco e era de um vermelho fechado, como um coração de verdade. Um coração transplantado da minha mãe para mim.

Quinn veio por trás, pondo as mãos nos meus ombros.

– Ela não é linda, poderosa, majestosa... como você? – perguntou ela.

– Acredita mesmo nisso?

– Acredito. E acho que você também passou a acreditar.

– Então...

– Não. – Quinn nem me permitiu falar do pacto.

Pus a foto novamente sobre a mesa e me virei para o espelho. Tirando o colar da caixa, encostei-o diante do pescoço.

Quinn me acompanhou pelo reflexo da minha imagem.

– Permita-me, por favor.

Outra vez ela parou atrás de mim, tirando o cordão delicado dos meus dedos. Afastei o cabelo do pescoço e Quinn passou o cordão em volta e prendeu o fecho.

A pedra era fria ao encostar na pele, como devia ser o toque de vampira da minha mãe. Enquanto eu me olhava no espelho, o poder que eu havia sentido crescendo dentro de mim – o poder dela – surgiu como uma força ainda maior. A conexão que eu viera estabelecendo com Mihaela Dragomir finalmente estava soldada junto ao fecho daquele cordão e eu quase podia ouvi-la sussurrar no meu ouvido: “Não a considere perdida ainda, Anastácia. Esse não é o nosso estilo. Sua vontade é tão forte quanto à dela e o amor de Quinn é tão forte quanto o seu.”

Virei-me para encarar Quinn e não esperei que ela se afastasse, me puxasse para perto ou fizesse qualquer movimento. Pus as mãos em seus ombros, deslizei-as para cima e envolvi o seu pescoço com os braços.

– Rachel, isso não pode acontecer...

Quinn agarrou meus pulsos com as mãos, como se quisesse me empurrar.

– Pode acontecer – garanti, segurando-a com firmeza, os dedos se cruzando atrás do pescoço dela, afagando seu cabelo loiro.

– Por que não sou capaz de fazer o que deveria? – gemeu ela, cedendo com facilidade, não só aceitando meu abraço, mas correspondendo a ele. – Eu já deveria ter ido embora... Acho que desperdiço tempo só de estar perto de você. E em troca de quê? De alguns momentos que em breve não serão nada além de lembranças para você? Uma anotação trágica no diário de uma garota?

– Você ficou por causa desse momento – respondi, permitindo agora, que ela assumisse o controle, como sabia que ela iria querer. Eu exercera todo o poder de que precisava. Tinha atraído Quinn de volta, resgatando-a daquela distância fria. Agora eu queria que ela me beijasse. Que mordesse o meu pescoço. Que realizasse o que nós duas queríamos havia tanto tempo. Desde que ela tinha se inclinado sobre mim na cozinha, no dia em que chegou à minha casa, a mão roçando no meu rosto. Desde que havia me encarado e dito: “Seria realmente tão repugnante, Anastácia, ficar comigo?

Mesmo naquela época eu sabia, bem no fundo, que não seria nem um pouco repugnante. Que seria algo quilômetros e quilômetros além de legal. Que poderia ser simplesmente a glória.

Quinn hesitou por só mais um instante, me olhando nos olhos.

– Não sou menos perigosa para você, Anastácia – sussurrou ela. – O que quer que façamos será apenas por esta noite. Não muda nada. Vou partir para encontrar meu destino e você ficará aqui para seguir adiante com o seu.

– Não pense nisso agora – implorei. Eu não acreditava que o que faríamos naquela noite não mudaria nada. Acreditava que poderia mudar tudo. – Só esqueça o futuro por enquanto.

– Como quiser, minha princesa – disse Quinn, fechando os olhos, se entregando a mim. Em seguida se inclinou para roçar seus lábios suaves contra os meus, primeiro com delicadeza, depois com mais insistência.

Enfiei os dedos mais fundo em seus cabelos, puxando-a contra mim, e, quando fiz isso, Quinn soltou um gemido faminto, passando as mãos por minha cintura, e nos beijamos com mais força, como se estivéssemos famintas uma pela outra. Como se estivéssemos devorando uma a outra.

E enquanto nos beijávamos, nos beijávamos de verdade, algo dentro de mim foi esmagado, como um átomo se partindo, irrompendo com toda a força de um núcleo despedaçado. Mas eu também estava em paz. Era como se tivesse encontrado meu lugar no Universo, no caos, e Quinn e eu pudéssemos seguir juntas por todo o tempo sem fim, como pi, existindo infinitamente, irracionalmente, girando para sempre.

Seus lábios deslizaram em direção ao meu pescoço e meus incisivos começaram a doer ao toque de suas presas, que roçaram minha pele, afiadas. Ela passou os dentes por toda a extensão do pescoço, até onde o jaspe-sanguíneo repousava, perto do esterno.

– Quinn, sim – insisti, mostrando o pescoço o máximo que podia, oferecendo e implorando. – Não pare... por favor, não pare desta vez...

Se ela me morder, será minha... Para sempre...

– Não, Rachel. – Ela lutou contra si mesma, mas a apertei de novo, sentindo suas presas morderem minha carne, quase o bastante para rasgar a pele, e meus dentes se afiaram contra as gengivas, perto de atravessá-las.

– Sim, Quinn... minhas presas... estou sentindo...

Não.

Quinn recuperou o controle, mas era um controle tênue, e ela deslizou as mãos envolvendo o meu rosto, afastando-se, me olhando nos olhos de novo.

– Chegamos perto demais, Anastácia... O beijo deve bastar. Não serei eu a condená-la, mesmo que você deseje isso. Não vou arrastá-la para a destruição também.

– Não entendo... – Nós chegamos tão perto...

– Por favor, nunca lamente isso, Rachel – implorou ela, e seus olhos eram o oposto de frios e distanciados. De repente ela parecia abalada, quase desesperada. – Não fique com raiva quando eu for embora ou mudar. Por favor, só se lembre disso como foi de verdade e foi tudo pra mim. Para a mulher que sou agora.

– Você não vai mudar, Quinn – garanti, segurando seus pulsos, sem entender. O que tínhamos acabado de compartilhar... Com certeza nós duas juntas, poderíamos selar pactos, acabar com guerras e reagir a qualquer desafio. Éramos da realeza vampírica. E estávamos juntas. – Você não vai a lugar nenhum. Agora está tudo bem. Vai ficar bem.

– Não, Anastácia. Não está bem. Não vai ficar bem.

Até aquele momento eu não havia notado que meu quarto tinha sido rasgado por um clarão de luz vermelha, que produzia uma imitação bizarra de sangue nas paredes.

– Quinn? O que está acontecendo?

Ela não respondeu. E ainda me segurava quando papai entrou bruscamente no quarto.

– Quinn, a polícia está aqui – disse papai. Eles estava controlado, ainda que de maneira estranha. – Uma garota disse que foi mordida por um vampiro e identificou você.

– Quinn?

Olhei-a desesperada, esperando por uma resposta. Mas Quinn apenas me beijou mais uma vez, de leve, nos lábios, e se virou para o meu pai.

– É melhor que eu enfrente isso sozinha, Sr. Berry – disse ela. – Por favor, deixe-me lidar com isso sem a sua ajuda dessa vez.

Papai hesitou, depois ficou de lado e permitiu que Quinn saísse, me segurando enquanto eu tentava ir atrás.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí? o que acharam? Vem muito drama por aí gente. Agora a Rachel toma as rédeas da situação.