C De Chuva escrita por Mar


Capítulo 1
Único




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Antes, eu odiava a chuva. Agora, depois de sete meses, tudo o que eu mais queria era senti-la. Irônico, não?

A tarde estava abafada, mas as gotas que ganhavam intensidade estavam frias, como o vento que mexia o mato mal cuidado do terreno baldio. Costumávamos vir aqui nos dias de sol e nos deitávamos na terra para olhar as nuvens. Eu e Cath. Sempre nós dois.

Depois de sete meses enclausurado no meu próprio corpo o que menos me importava era a possibilidade de pegar gripe. E pensar que tudo aquilo havia acontecido por causa da chuva... Naquele dia eu estava de bicicleta, indo justamente para esse terreno em que agora me encontro, até que começou a chover. Andei mais e mais rápido, torcendo para que a chuva não aumentasse, e assim passei por um semáforo que estava fechado para mim. A próxima coisa que me lembro são luzes e vozes indistintas.

Sete meses em coma. E durante esse tempo, algumas vezes, eu pude ouvir o que as pessoas a minha volta falavam. Não subi aos céus, minha alma não saiu do corpo ou algo do tipo, eu apenas ouvi.

- Eu te ouvi, Cath.

Ela, que encarava o céu como se ele fosse se abrir e nos engolir, me olhou.

- Não falei nada, Martin.

- Não, Catarina, não agora. Quando eu estava em coma, algumas vezes eu te ouvi – Sorri, enquanto lentamente virava a palma da minha mão para cima – Só você. Não ouvi mais ninguém.

- Bem... – Ela colocou uma mecha do seu cabelo loiro atrás da orelha – Tirando sua mãe e seu irmão, só eu fui te visitar.

Eu poderia jurar que vi uma lágrima rolar por aquele rosto fino, mas talvez fosse só a chuva.

- Não me importo. Bastava você do meu lado... Só me sinto mal por não ter te respondido na hora...

- Você sempre foi meu melhor amigo, Martin – Ela me interrompeu, se lembrando do que disse quando pensava que ninguém podia ouvir.

- Amigo? Você sempre diz aos seus amigos que sente muito por não ter dito que os ama? Que toda vez que vocês se sentam aqui, nesse terreno, você tem vontade de beijá-lo?

Minha cadeira de rodas se mexeu quando Catarina a soltou e saiu correndo.

- Eu te amo! – Gritei – Se eu pudesse, correria atrás de você e te beijaria!

Mas é claro, eu não podia. Graças ao acidente, perdi os movimentos das pernas e ainda estava recobrando os movimentos dos braços. Fechei os olhos e balancei a cabeça, tentando tirar alguns cachos molhados da minha testa.

Imaginava Catarina chorando ao lado da minha cama. Imaginava como ela estava linda quando abri os olhos depois de sete meses, enquanto sentia a chuva descer pela minha espinha. Só depois que senti seus lábios encostando-se aos meus é que percebi que o arrepio que também descia minha espinha não era causado pela água. Seu perfume e suas gotas de chuva se derramaram sobre mim.

Depois disso, ninguém disse mais nada. Cath empurrou minha cadeira de rodas para a rua e vagarosamente voltamos a minha casa – vendo é claro, a surpresa de minha mãe, que não sabia do nosso pequeno passeio.

Descobri que o que eu mais queria sentir não era a chuva, mas quem me proporcionaria aquilo, também tinha no começo do nome a letra C.


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Notas finais do capítulo

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