A Canção Permanece A Mesma escrita por Bella P


Capítulo 15
Capítulo 14




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PURGATÓRIO – Uma semana antes

Astoria passou por entre as árvores como um borrão, com o seu cabelo chicoteando em seu rosto. Um galho prendeu em sua calça, ocasionando mais um rasgo que ela teria que reparar mais tarde quando tivesse tempo, quando não estivesse correndo por uma floresta sem cor para salvar a sua vida.

Subitamente o terreno que antes era plano, com a exceção de algumas raízes pelo caminho, tornou-se íngreme, o que a fez tropeçar e rolar por uns bons minutos ladeira abaixo.

Quando chegou ao fim do barranco depois de praticamente trombar com todas as pedras, troncos e galhos do caminho, Astoria agradeceu por já estar morta. Almas não quebravam ossos ou coisas do tipo. Não em simples acidentes. Em batalhas já eram outros quinhentos. Passou setenta anos no Inferno fugindo e lutando contra demônios para saber que os bastardinhos podiam causar estragos em sua pessoa. Assim como os monstros que a perseguiam.

A vantagem era que ela também podia causar estragos de volta com a sua espada de lâmina curta demoníaca. Um souvenir que trouxe do Inferno quando deu fim no demônio que "caridosamente" lhe informou sobre a porta dos fundos que levava ao Purgatório.

Porque qualquer lugar era melhor do que o Inferno com a sua contagem temporal em décadas por cada mês terrestre passado e que mais pareciam uma eternidade, as almas torturadas gritando de agonia, a atmosfera abafada, o cheiro enjoativo de enxofre e os demônios que sempre a olhavam querendo arrancar um pedaço seu.

Astoria rapidamente colocou-se de pé e encostou em um tronco grosso de árvore, o usando como esconderijo temporário. O que a perseguia, e isso ela descobriu nos primeiros meses no Purgatório, eram leviatãs. O esboço de Deus das primeiras criaturas inteligentes para habitarem a terra e do qual ele não gostou e resolveu aprisionar naquele buraco. Ela, sinceramente, se estivesse lá durante a Criação teria dito ao Homem para ter jogado eles fora e não guardado no fundo da gaveta para persegui-la quando finalmente conseguiu escapar do inferno que era o Inferno. Sem trocadilhos.

Mas o que os anos no Purgatório a ensinaram - e Astoria agradecia pelo tempo ali passar praticamente igual ao da terra, talvez com alguns dias a mais, outros a menos, o que não a deixava tão perdida - era como fugir e matar os leviatãs.

Folhas secas sendo esmagadas por passos pesados eram a indicação de que o trio que a perseguia, que ela achou ter pedido há uns três quilômetros atrás, se aproximava. Astoria inspirou profundamente e fechou os dedos com mais força no punho de sua espada. Geralmente preferia o combate mano a mano e evitava monstros em bando. Foi assim que sobreviveu todos esses anos no que era considerado o pesadelo dos caçadores. E iria sobreviver mais este dia, ainda mais que estava tão perto de conseguir sair dali, quando tinha finalmente conseguido contato com a terra para informar a Draco sobre o seu paradeiro.

O pequeno truque de projeção astral que usou para entrar nos sonhos de Maribel quase lhe custou a sua magia e a deixou exausta por três dias, a obrigando a se esconder em um tronco oco. O problema é que ficar parado no Purgatório era garantia de se tornar jantar de algum monstro qualquer e era por isso que agora estava sendo perseguida por três leviatãs. Deveria ter continuado a andar, mesmo caindo de cansaço, ao invés de ter parado para tirar uma soneca.

O som de um galho seco se partindo a fez trocar o peso do seu corpo para a perna direita, a sua perna de impulso, e quando o leviatã se aproximou o suficiente, Astoria saiu de seu esconderijo com a espada já fazendo um arco no ar, pronta para cortar a cabeça do monstro fora. O problema foi que ao invés de carne, a lâmina encontrou outra. E desde quando leviatãs usavam armas?

Em um pulo ela se afastou, com a espada ainda erguida, para ver olhos verdes iguais aos seus a mirando com surpresa.

– Mas que diabos... - disse a voz grave do homem mais a frente e Astoria recuou mais um passo, franzindo as sobrancelhas e tentando colocar aquele sujeito em alguma categoria de monstro.

Ele não possuía o olhar ensandecido por sangue dos leviatãs, ou as presas dos vampiros, mas ainda poderia ser um lobisomem, um ghoul ou uma aparição. O que era uma pena, ele era bonito demais para morrer. Mas Astoria ainda era uma caçadora, e ossos do ofício atrelados ao instinto de sobrevivência a faziam se esquecer dos ensinamentos da mãe e apelar para o decepar primeiro e perguntar depois.

E ela faria isto se o estranho também não estivesse hesitando em atacá-la. O que não era o comportamento padrão dos monstros do Purgatório. Todas as criaturas que ali estavam podiam farejar a humanidade nela, por isso a perseguiam. Era carne nova na área pronta para ser degustada.

– Dean? - um outro homem surgiu de entre as árvores e que mais a lembrava um lenhador de filmes antigos. Mais um que a olhava mas hesitava em atacá-la. Isto estava ficando interessante e estranho a cada segundo que passava.

Por outro lado, Dean estava surpreso. Há uns dois dias Benny ouvira de um clã de vampiros que um outro caçador estava preso no Purgatório, e a ideia de que fosse Sam vindo resgatá-lo praticamente fez o homem sair em uma busca desesperada pelo irmão. Juntos talvez pudessem encontrar Castiel e dar o fora daquele lugar que já estava lhe dando nos nervos. Não gostava de estar em desvantagem, ainda mais em um lugar onde ele se tornou a caça e não mais o caçador.

A procura não foi fácil. O dito caçador era tão bom quanto Dean em evasivas e em não deixar rastros, o que cimentava ainda mais a sua suspeita de que era Sam. Então, umas duas horas atrás, Benny e ele souberam de um grupo de lobisomens que os leviatãs estavam na cola desse caçador. E com isto partiram atrás de qualquer migalha que lhes desse uma pista de para onde ir.

Encontraram a primeira migalha em um corpo sem cabeça de um leviatã que ainda não tinha começado o processo de regeneração, mostrando ter sido uma caça recente. E então vieram os rosnados e rugidos característicos dos leviatãs quando eles estavam em bando, comunicando-se uns com os outros, quando estavam prestes a encurralarem a presa.

Benny e Dean dispararam em uma corrida frenética, pegando um leviatã de surpresa e o decapitando antes que ele pudesse reagir. Os outros dois que o acompanhava não foram tão surpreendidos assim e geraram um certo trabalho para a dupla antes de finalmente serem eliminados.

Um grito de surpresa soou por entre as árvores e que não pareceu ter vindo de um monstro. Dean engoliu em seco, torcendo para que Sam não tivesse sido capturado, e apressou os passos, descendo com cautela o barranco que surgiu no meio do caminho e dando um pulo para trás e erguendo a sua faca em um gesto reflexo quando uma lâmina veio a toda velocidade na direção da sua cabeça.

Por pouco Dean não foi decapitado e quando o seu atacante se afastou, ele percebeu de pronto que não era Sam. Ele nem de perto lembrava Sam.

Na verdade era uma mulher que mal chegava ao seu ombro em altura. Tinha os olhos tão verdes quanto os de Dean, assim como as mesmas sardas. Os cabelos longos e emaranhados eram da cor dos de Sam. Possuía o físico e aspectos de uma caçadora, com pernas grossas de quem estava acostumado a correr atrás ou fugir de monstros, os nós dos dedos estavam sujos de sangue e o modo como empunhava a arma não era com uma postura de alguém amador.

Dean estava desapontado, mas também curioso. A mulher, se fosse realmente a tal caçadora dos rumores, aparentava ser humana e parecia estar ali por vontade própria. Por quê?

– Ela é humana. - Benny atestou o que Dean já suspeitava, o que o fez abaixar a guarda de maneira estúpida.

– Você não. - a mulher rosnou para Benny e ergueu a sua arma, dando um passo à frente pronta para atacá-lo.

– Uou! Devagar irmã! Ele é seguro. - Dean pôs-se na frente do companheiro, na esperança de que isso cessasse o ataque dela, e fez com as mãos o gesto universal de que não queria encrenca: as mãos erguidas e com as palmas viradas na direção dela.

– Ele é um vampiro. - Astoria rosnou. Era uma bruxa e como tal tinha um radar natural para criaturas sobrenaturais. O sujeito bonitinho e de olhos verdes não havia feito o seu radar apitar. O fantasiado de lenhador sim.

Tensão caiu sobre o grupo, com Dean observando de perto qualquer movimento suspeito da mulher. Todo o corpo dela estava em postura de batalha, pronta para atacar a qualquer sinal de perigo. Dean tinha que admitir que estava impressionado, pois ela tinha as atitudes de uma caçadora que foi treinada de berço.

– Que tal tentarmos algo diferente? - Dean começou antes que ela resolvesse cortar a cabeça de Benny fora só por cortar. - Sou Dean Winchester. - apresentou-se e esperou por uma resposta a qual ela hesitou em dar por alguns segundos antes de finalmente dizer:

– Astoria Campbell. - quando estava caçando, Astoria apresentava-se com o nome da família da mãe. Os Campbell eram conhecidos e respeitados há gerações dentro da comunidade de caçadores, e odiados e temidos pelos monstros. Apresentar-se como um Campbell facilitava a obtenção de informações na rede de caçadores, pois eles sempre eram desconfiados, até mesmo com os seus.

Dean estava surpreso. Não fazia nem pouco tempo, quando Samuel havia voltado à vida por um breve momento, que ele havia descoberto a existência de mais parentes por parte de mãe. E não eram poucos. Os Campbell eram um clã que tinha conexões em todo os EUA e em alguns países da Europa.

E a mulher possuía uma grande semelhança com ele.

– Os Campbell do Kansas? - Astoria franziu as sobrancelhas.

O homem conhecia os Campbell e isso só podia significar uma coisa:

– É um caçador. - a resposta dela não era bem o que Dean esperava, mas a expressão surpresa que ela fez quando perguntou se a sua família era do Kansas foi o suficiente.

– Treinado pelo meu pai John depois que a minha mãe Mary Campbell morreu. - não gostava de falar das tragédias em sua família, mas no mundo sobrenatural essa historia já não era novidade para ninguém.

Quem não ouviu falar dos irmãos Winchester, treinados pelo pai desde crianças para caçar depois que a esposa Mary morreu em um incêndio causado por um demônio?

– Dean... - agora que Astoria associava o nome a pessoa.

A sua mãe havia contado à ela e a irmã várias histórias sobre a prima Mary. Como elas cresceram juntas e foram treinadas desde meninas a serem caçadoras. Mas Mary, à medida em que foi crescendo, percebeu que não queria aquela vida, que aquilo não era para ela, o que gerou várias discussões entre ela e o pai, Samuel.

Mary depois das brigas costumava se refugiar na casa do tio, irmão de Samuel, pai de Sophia que era a única que apoiava a decisão da prima por ela própria ter uma outra visão sobre a caçada.

Sophia acreditava que nem todo monstro era tão monstro assim para ser morto sem perdão. Que havia muito mais sobre o mundo sobrenatural do que o seu pai e tio podiam imaginar. E quando ela conheceu Phillip Greengrass, ficou mais certa disto, embora não tenha contado a ninguém da família que havia se casado com um bruxo.

Mesmo se mudando para a Inglaterra com Phillip, Sophia ainda manteve contato com Mary, trocando informações sobre o nascimento de seus filhos. Mas depois que a prima morreu, Sophia nunca soube que fim levou os filhos dela. John não tinha ciência de que havia mais Cambpells além de Mary e por isso sumiu do radar da família.

Era essa a história que a mãe de Astoria lhe contava. E foram das cartas trocadas entre Mary e Sophia que ela descobriu, naquela terrível semana em que Draco esteve entre a vida e a morte no hospital, sobre o acordo que Mary fez com o demônio dos olhos amarelos e teve a "brilhante ideia" dela mesma fazer um acordo. O que a fez descobrir a existência dos demônios da encruzilhada.

Acordo este que era a causa dela estar ali no Purgatório, conhecendo um primo do qual só ouvira falar, mas que nunca encontrou pessoalmente.

– Purgatório pequeno heim. - brincou e Dean riu. O bom humor parecia fazer parte da genética dos Campbell.

– Deve ser mal de família acabar se metendo em roubadas como estas. - foi a resposta de Dean para a brincadeira dela.

– Dean. - Benny o chamou, interrompendo a reunião entre os primos. - Precisamos continuar em movimento. - alertou e ele tinha razão. Ficar parado em um mesmo lugar no Purgatório não era boa ideia e ainda tinham que encontrar Castiel para darem o fora dali.

Dean olhou para Astoria que parecia mais relaxada do que antes, agora que sabia que eles não eram uma grande ameaçada. Não sabia por que ela estava no Purgatório, mas não conseguiria seguir viagem com a mente tranquila sabendo que deixou alguém da família para trás.

– Você vem conosco? - perguntou e Astoria lançou um longo olhar para Benny.

Viajar com Dean seria mais vantajoso do que sozinha, embora não soubesse por que ele estava ali e como faria para sair do Purgatório, mas ao menos teria outro caçador treinado para guardar a sua retaguarda. Mesmo que ele tivesse escolhido como parceiro um vampiro. E havia uma vantagem a mais: ele era da família.

– Quanto mais melhor, certo? - deu de ombros, prendendo a espada no cinto de sua calça. Dean assentiu com a cabeça, aprovando a decisão dela de seguir viagem com eles, e assim o trio peculiar voltou a caminhar. - Então, por que você está no Purgatório? - perguntou e Dean hesitou um pouco em responder, mas por fim pensou: que diabos, não era como se tivesse alguma coisa a perder, e começou a contar sobre a sua história, não completa, pois isso levaria tempo, mas a parte que realmente interessava.

Contou sobre Castiel, sobre a guerra no Céu, como o anjo usou as almas do Purgatório para ganhar mais poder, pirou na batatinha achando ser Deus e quando devolveu as almas os leviatãs ficaram para trás e começaram a fazer uma festa de arromba na Terra. Falou sobre o líder deles, um sujeito chamado Dick, sem trocadilhos, e que quando o mataram Castiel e ele foram sugados para dentro do Purgatório e se separaram no meio o caminho.

– E você o procura desde então. Há quase um ano. - Astoria falou longamente, com uma expressão que Dean não entendeu, e quando ela trocou com Benny um olhar que o vampiro pareceu compreender, o caçador ficou ainda mais confuso.

– E você? - ele perguntou e Astoria hesitou antes de suspirar e começar a narrar a sua história.

– Você é uma bruxa?! - Dean praticamente gritou e levou a mão ao cabo da faca no cós de sua calça.

– Ah, você foi criado dentro do ensinamento Jedi com base na filosofia Darth Vader: matarás todas as criaturas sobrenaturais com que cruzares, inclusive os bruxos de verdade. - Astoria disse com desdém.

Sophia havia treinado Daphne e ela sob a filosofia de "caçaremos aquilo que nos caça". Diferente dos outros caçadores que não se davam nem ao trabalho de discriminar o que era realmente ameaça de uma criatura sobrenatural que só queria viver em paz no seu canto.

– Me desculpe se o meu pai me ensinou a atirar primeiro e perguntar depois. - Dean defendeu-se.

– E ainda sim você é BFF de um vampiro. - Dean calou a boca depois dessa e deixou ela continuar a história. - Só para esclarecimento: as bruxas que você encontrou provavelmente eram as bruxas apossadas. Humanos que fazem pactos com demônios por poderes mágicos e juventude eterna. Estou certa? - Dean fez que sim com a cabeça. - Bruxos de verdade nascem com magia provinda da mãe terra, é inerente à eles e com eles fica até depois de sua morte. Foi assim que eu sobrevivi setenta anos no Inferno.

E Astoria começou a contar à Dean e Benny sobre a comunidade mágica, sobre Voldemort, sobre a guerra, Draco, a batalha de Hogwarts e o ataque que a levou a fazer um acordo com um demônio da encruzilhada.

– Espere um momento. - Dean a interrompeu. - Se você fez um acordo, sua alma deveria estar presa e sendo torturada, não correndo livre, leve e solta pelo Inferno. - Astoria não o perguntou sobre como ele sabia disto. A expressão de Dean era resposta o suficiente.

– Foi assim que você conheceu Castiel? Ele te resgatou do Inferno? - porque somente forças divinas seriam capazes deste feito, com certeza. Dean nada disse e não precisou, a cara dele disse tudo. - Tecnicamente seria isso o que você disse se eu tivesse deixado os cães infernais me transformarem em brinquedinho de mastigar. Ao invés disto, eu antecipei a minha viagem e cheguei ao Inferno antes que o demônio viesse me buscar.

– O quê? - Dean era o rei das analogias, mas Astoria conseguia superá-lo e dar um nó na sua mente.

– Ela se matou Dean. - foi Benny quem respondeu. - Suicidas vão para o Inferno.

– Não sei dizer se você e extremamente inteligente ou doida. - Astoria riu das palavras do primo.

– Foi o mesmo que Draco me disse quando eu sugeri isto.

– E agora ele esta arrumando um meio de te salvar.

– É o meu garoto. - ela deu de ombros.

– Então vamos achar o Castiel e sair daqui antes que outro humano venha fazer uma visita desnecessária ao Purgatório. Porque eu não sei quanto a vocês, mas este ambiente em cinquenta tons de cinza já está me dando nos nervos.


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