Amor Além Da Vida escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 1
Capítulo - Único - Amor Além da Vida


Notas iniciais do capítulo

Oi pessoinhas cá estou eu com mais uma fic Emmellie, e mais um drama familiar. Esse foi barra, chorei horrores enquanto escrevia. Caso alguém seja fraca como eu, prepare o coração e os lencinhos.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/424445/chapter/1

Denver, Colorado. O inverno castigava a população com toda agressividade do mês de dezembro. Telhados, ruas, calçadas e árvores estavam cobertos por uma camada branca de neve que caíra na noite anterior.

Exatamente aqui, nessa cidade, havia uma família prestes a descobrir que a força de um grande amor vai além da vida.

Emmett McCarty, um ex fuzileiro naval, um homem que carrega em seu coração traumas de um passado violento, e os horrores da insensibilidade de uma nação. Casou-se com Rosalie Hale, atualmente Rosalie McCarty, logo depois que foi liberado do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos.

Emmett tinha sido o grande amor de Rosalie na adolescência. E como havia prometido esperou seu retorno após uma missão no Iraque. O casal tem uma filhinha, que atualmente está com sete meses de vida. Julia, esse era o nome da garotinha que nascera para fortalecer ainda mais o amor entre os dois; que logo se descobriria ir além da vida.

Julia, a criança de sorriso de covinhas, herdara praticamente tudo do pai. Desde o seu sorriso ao azul de seus olhos, com cabelos em um tom de castanhos claros que fazia a mãe se derreter enxergando as semelhanças da filha com o pai.

Ainda com a expressão sonolenta, cabelos presos em um coque frouxo, Rosalie andava de um lado para o outro dentro da cozinha, não muito espaçosa, da casa que moravam, preparando o café da manhã para o marido e a mamadeira da filha, que brincava no cercadinho estrategicamente colocado ao lado da mesa.

Era uma manhã de sábado, Rosalie teria o dia inteiro de folga para curtir a o marido e a filha, não fosse um telefonema mudar todos os seus planos.

Ela fechava a mamadeira quando o toque do telefone fixo soou através da cozinha como um agouro. Rosalie se sobressaltou com o toque inesperado do telefone, sentindo um calafrio. Até mesmo Julia demonstrou ter se assustado, agitando os bracinhos com muxoxos de choro. Antes de atender a ligação Rosalie correu até o cercadinho, acalmando a filha lhe colocando a chupeta na boca. Voltou correndo para perto do telefone retirando-o da base rapidamente.

– Alô!

– Eu preciso da pasta com os documentos que te pedi que separasse ontem antes de sair do escritório – resmungou a chefe de Rosalie do outro lado da linha.

“Bom dia para você também”, pensou Rosalie, no entanto, se limitou a falar sem sarcasmo. – Mas eu deixei tudo pronto sobre sua mesa ontem. Avisei que eram aqueles os papeis que deveria pegar.

– Esse é o problema. Eles estão exatamente no mesmo lugar. Preciso que vá buscá-los para mim, urgente.

– Mas... – Rosalie tentou argumentar, mas foi imediatamente interrompida.

– Estou no aeroporto, Rosalie. Embarco em menos de uma hora para Nova Iorque. Sabe muito bem que o que estou indo fazer envolve muito dinheiro. Não posso nem pensar em perder esse voo, vai que volta a nevar e os voos são cancelados. Se por um acaso pretende manter seu emprego, me traga esses documentos agora. Não posso embarcar sem eles. Também não posso sair do aeroporto, preciso fazer o check-in e despachar a bagagem.

Rosalie respirou fundo antes de responder. – Farei exatamente o que está me pedindo, mas talvez não dê tempo. Muitas ruas estão interditadas por causa da neve que caiu a noite. As poucas ruas que estão livres ainda estão escorregadias.

– Venha de esqui se for preciso, mas me traga esses documentos antes que eu embarque naquele avião. Ou do contrario será demitida e nem carta de recomendação terá.

A chefe de Rosalie, Isadora Anderson, finalizou a ligação sem lhe dar tempo para falar o que quer que fosse.

– Nojenta – resmungou Rosalie, fazendo caras e bocas, devolvendo o telefone a base. Voltou a pegar a mamadeira, e foi buscar a filha que já estava impaciente dentro do cercadinho. Rosalie havia começado com a mamadeira há pouco tempo, mas, às vezes, Julia se negava exigindo o peito. Quando encostou o bico da mamadeira na boquinha rosada da filha ela virou o rostinho se negando, mas Rosalie insistiu e ela acabou aceitando. Com Julia sugando o bico da mamadeira, Rosalie roçou o nariz em uma das bochechinhas dela, sentindo o cheirinho inconfundível de bebê. Do seu bebê.

– Vamos vê se o papai já está acordado, amor? – sussurrou ainda roçando o nariz na bochecha da filha.

A passos lentos, Rosalie subiu as escadas e caminhou pelo corredor, segurando a mamadeira na boquinha de Julia, que mantinha os olhinhos vidrados na mãe enquanto se alimentava.

Parada em frente à porta do quarto do casal, Rosalie posicionou melhor a mamadeira entre as mãozinhas de Julia para poder abrir a porta. Revelando assim o interior do cômodo. Emmett dormia deitado de bruços, com os cobertores de inverno cobrindo metade de seu corpo apenas. Suas costas estavam nuas, expondo todos os músculos revelando também algumas de suas cicatrizes dos tempos em que esteve em missão.

Lençóis revirados na cama, roupas jogadas ao chão se mostrando como evidências da noite de amor intensa que tiveram. Mais uma dentre tantas outras.

Com um sorriso involuntário marcando seus lábios, Rosalie observou o marido dormir. Evitando fazer barulho se aproximou da mesinha de cabeceira do lado direito, pegando um bloquinho de notas, lilás, em uma das gavetas, rabiscando um recado em seguida.

“Emmett precisei ir ao escritório buscar uma pasta com documentos importantes e levá-los ao aeroporto para entregá-los a Isadora. Não se preocupe amor, Julinha está comigo. Caso acorde antes que eu volte, o café já está pronto. Beijos das duas mulheres que o amam como nunca chegarão amar outro alguém. Rosalie e Julia.”

Deixou o bilhete na mesinha de cabeceira, do lado que o marido dormia, sem fazer barulho. Inclinou-se com a filha nos braços depositando um beijo nas costas de Emmett antes de se afastar e sair do quarto.

Julia não chegou a tomar todo o leite da mamadeira, e Rosalie já imaginava o porquê disso. Mesmo assim a colocou encostada ao seu ombro para que arrotasse.

– Vamos passear com a mamãe amor, vamos?! – Rosalie murmurava esfregando a mão nas costas da filha até que ouviu um pequeno arroto. Logo em seguida a mudou de posição em seu colo, beijando a barriguinha sobre as roupas de inverno. Julia lhe sorriu revelando os poucos dentinhos, dois na parte superior e dois na inferior.

– Está sorrindo para a mamãe, amor. Mas que coisa mais gostosa é esse meu bebê – Julia agitou as mãozinhas, sorrindo, chegando a soltar um gritinho. Rosalie beijou a mãozinha, quando essa encostou em seu rosto. – Minha vida. Bebê linda da mamãe – murmurava beijando a mãozinha roliça.

Antes de descer as escadas Rosalie passou no quarto da filha e preparou a sacolinha com coisas necessárias. Já no hall, ela pegou a chave do carro no aparador e foi retirá-lo da garagem. Enquanto isso Julia agarrou uma mecha dos cabelos da mãe tentando levá-lo à boca.

– Não bebê. Não pode comer o cabelo da mamãe, amor – disse Rosalie, com um sorriso enorme enquanto afastava a mecha de seus cabelos da boca da filha, que logo resmungou, se remexendo, tentando pegá-la de volta.

Rosalie se distraiu com a porta da garagem, com isso Julia voltou a agarrar uma mecha de seus cabelos dourados, levando-o à boca enchendo-o de baba. Ela abriu a porta do carro, guardando a sacola com as coisas da filha no banco traseiro ao lado da cadeirinha. Cuidadosamente acomodou Julia, tendo cuidado de verificar, mais de uma vez, todos os cintos. Com cuidado Rosalie afastou a mecha de seus cabelos da boquinha de Julia, depois segurou ambas as bochechas com apenas uma mão obrigando-a a abrir a boca, verificando se havia algum fio de cabelo dentro.

– Não pode colocar os cabelos da mamãe na boca, filha – murmurou, beijando o rostinho antes de se afastar. A garotinha fez um muxoxo de choro, Rosalie tentou distrai-la pegando um brinquedinho de borracha na bolsa ao lado entregando a ela, que agarrou com as duas mãozinhas.

– Fica brincando aí com seu brinquedinho amor, porque a mamãe vai ter que dirigir agora.

Rosalie se afastou, fechando a porta devagar, observando o seu presente divino, a garotinha que tanto desejou um dia ter em sua vida. Julia estava bem agasalhada, com roupinhas pesadas de inverno. Na cabeça, cobrindo seus cabelinhos ralos, havia um gorro de tricô vermelho. Apenas as mãozinhas e o rostinho estavam à mostra. Assim como a filha, Rosalie também estava completamente agasalhada. Usava um par botas marrom e, completando suas roupas de inverno, um sobretudo bege. As luvas estavam penduradas no bolso do sobretudo, e na cabeça, um gorro de tricô branco.

Esfregando as mãos uma na outra, ela deu a volta em torno do veículo – um citroen aircross, vermelho –, sentando-se no banco do motorista.

Antes de dar partida no motor olhou para trás, esticando o braço para acariciar a perninha da filha que estava com meias grossas.

– Vamos lá bebê?! – murmurou se posicionando melhor no banco antes de dar partida no motor. Manobrou para fora da garagem, abaixando novamente a porta com o uso do controle remoto dessa vez.

No momento em que saía do jardim cercado de neve, a filha da vizinha, Charlotte, uma garotinha de cinco anos, acenou com as mãozinhas recheadas de neve. Rosalie acenou de volta, imaginando que Charlotte estava preparando bolas para uma eventual guerra de neve com as crianças da vizinhança.

Mesmo com pneus adequados para trafegar em dias como aquele, ainda assim, às vezes, parecia deslizar na camada fina de gelo que aparece no pavimento. Rosalie sempre fora cautelosa em dirigir, sobretudo, em dias de neve, mas, às vezes, surpresas desagradáveis surgiam.

A nevasca da noite anterior havia dado uma trégua, mas deixara seu rastro branco por todas as partes. Removedores de neve trabalhavam em todos os lados sem parar.

Foi dirigindo que Rosalie xingou a chefe, mentalmente, por tê-la feito sair de casa em um dia como aquele. Do escritório, ela seguiu para o aeroporto o mais rápido que pode, sem exceder as regras de segurança. Chegou ao aeroporto com dez minutos de atraso, do tempo estipulado por ela mesma. Correu pelo saguão desviando de pessoas apressadas, carregando a filha no colo e a pasta com os documentos entre as mãos.

Próximo ao corredor de embarque, Isadora Anderson recebeu a pasta com os documentos sem ao menos externar algum tipo de agradecimento ou satisfação. Tudo o que disse foi: “teria chegado antes se não tivesse trazido a criança junto”.

Rosalie a xingou, um milhão de vezes, refazendo o caminho de volta ao estacionamento.

– Quem ela pensa que é para falar comigo desse jeito?! Essa será a última vez. Quando voltar pedirei demissão, e procurarei emprego em outra agencia – resmungou ajeitando a filha novamente na cadeirinha, tomando todo o cuidado de verificar se estava bem presa.

Ela entrava no veículo quando ouviu o celular tocar. Sentada ao volante, retirou da bolsa e o atendeu.

– Oi, amor. Acordou agora? – perguntou assim que encostou o celular ao ouvido, já sabendo que era uma ligação de Emmett.

– Oi, amor – respondeu ele, com a voz ainda sonolenta. – Acabei de ver o seu bilhete. Porque não me acordou, eu teria ficado com a nossa filha. Ou melhor, teria ido com vocês.

– A megera estava com pressa, amor. Estava no aeroporto aguardando o voo para Nova Iorque, eu não podia ficar e esperar você se vestir. E também eu não quis te acordar, você estava dormindo tão gostosinho depois da noite maravilhosa que tivemos.

Emmett sorriu do outro lado da linha. – Vamos repeti-la essa noite. E amanhã, e depois de amanhã, até o resto de nossas vidas juntos.

– Eu te amo – declarou Rosalie.

– Você é minha vida, anjo. Você e nossa filha são o motivo pelo qual desejo acordar todas as manhãs. Dirija com cuidado e votem em segurança para mim. Evite mudanças bruscas. Não pise nos freios com violência. Reduza a velocidade e a mantenha constante.

– Eu sei amor. Serei cautelosa, por mim, e por nossa filha.

– Eu amo vocês – afirmou Emmett.

– E eu te amo, nessa ou em qualquer outra vida – murmurou Rosalie, sentindo uma sensação estranha no peito.

A ligação fora finalizada com uma sensação nostálgica atravessando o coração do casal. Nem um deles soube dizer a origem disso. No banco traseiro do veículo, Julia começou a chorar como se também compartilhasse da mesma sensação. Rosalie estendeu o braço, colocando a chupeta na boca dela, tentando acalmá-la.

– Não chora amor. Já estamos indo para casa. Vamos ficar com o papai o resto do dia embaixo de um edredom bem quentinho, recebendo e dando carinho.

Julia agitava os bracinhos e pernas como se quisesse sair da cadeirinha. Tentava balbuciar a palavra mamãe, com baba se acumulando em seus lábios corados pelo frio.

– Não chora minha vida – Rosalie saiu do carro, e entrou novamente, por uma das portas traseiras. – O que foi amor? Fala para a mamãe? – perguntou mesmo sabendo que a filha não saberia responder.

Preocupada, Rosalie desafivelou os cintos, retirando Julia da cadeirinha. A garotinha chorava impaciente. Imaginando que a filha estivesse com cólicas, massageou sua barriguinha, depois de ter esfregado bem as mãos uma na outra para aquecê-la. Aproveitou para trocar a fralda de xixi, agasalhando-a novamente. Mesmo assim Julia continuou a chorar. Decidida Rosalie tentou o que teria grandes chances de acalmá-la. Desabotoou o sobretudo, afastou o sutiã e a blusa de inverno, colocando o bico do seio na boquinha da filha, que aceitou com vontade chegando a fazer um pequeno barulho se sucção. Uma das mãozinhas estava espalmada sobre o seio de Rosalie enquanto os olhinhos estavam vidrados nela.

– Vai com calma, amor – sussurrou, beijando a testa da filha. Julia afastou a boquinha do seio da mãe, piscando os olhinhos, com cara de choro. – Não, não chora amor. A mamãe não está brigando com você – se explicou colocando o seio novamente na boquinha de Julia. – Pode mamar a vontade amor. – sussurrou, fazendo carinho no rostinho dela, observando a boquinha se mexer ao sugar o leite materno.

Poucos minutos depois, Julia adormeceu com a boca no seio da mãe. Devagar Rosalie substituiu o bico do seio pelo o da chupeta. Cheirou suas bochechinhas em seguida a colocou de volta na cadeirinha. Afivelou bem e saiu do carro novamente, entrando logo em seguida no lado do motorista.

Dessa vez não houve interrupções, Rosalie em fim pode sair do estacionamento. A todo o momento esteve atenta à pista escorregadia, e sempre lembrando-se das instruções do marido preocupado. Porém, sua preocupação aumentou quando pequeninos flocos de neve começaram a cair novamente.

– Mas que droga – resmungou. – Não podia esperar que eu chegasse em casa. Não é pedir muito, é?

O carro seguia em uma velocidade aconselhável e constante sobre o pavimento escorregadio. Dos dois lados da estrada por onde o carro de Rosalie trafegava havia uma pequena vegetação coberta de neve, da noite anterior.

Através do retrovisor observou sua garotinha que dormia alheia a tudo a sua volta. Não levou mais que um nanosegundo para que Rosalie voltasse sua atenção à estrada. Entretanto, era tarde demais... Um veado atravessou a pista há poucos metros do carro de Rosalie, os olhos do animal ficaram fixos nos faróis do veículo como se estivesse petrificado.

Rosalie se assustou com a rapidez com que o animal surgiu. Suas mãos apertaram com força o volante do carro. Seu coração passou a esmurrar forte o peito. A respiração ficou pesada, seu peito arfava com força. Esquecendo-se de tudo o que o marido sempre lhe falava, ela pisou nos freios bruscamente. Seus olhos se tornando um espelho do terror que estava sentindo, tendo quase certeza de que algo grave aconteceria. O carro derrapou na pista escorregadia, girando fora de controle. O veado, assustado, voltou a correr sumindo em meio à vegetação coberta de neve do acostamento.

Sentindo o rosto queimar por causa de sua agitação sanguínea, Rosalie usou de toda força de vontade, alimentada pelo medo, pelo desespero de proteger a filha, agarrada ao volante, pisando firme no freio em uma tentativa inútil de fazer o carro parar. Na tentativa desesperada de salvar sua vida e a de seu maior tesouro.

Julia acordou com o barulho e solavancos que o veículo dava ao rodopiar desgovernado. Logo seu chorinho assustado foi notado pelos ouvidos da mãe em desespero. Rosalie queria acalmá-la, garantir que tudo ficaria bem, mas não podia. Não havia chance alguma dela soltar o volante daquele carro e afastar os pés do freio. O pânico a dominava.

O veículo tombou para o lado do motorista e saiu deslizando em alta velocidade, arrastando a lataria no pavimento escorregadio. Os cabelos de Rosalie lhe caíram ao rosto, grudando nas lágrimas que começavam a cair.

Julia chorava alto, presa a cadeirinha de segurança, assistindo a tudo com olhinhos arregalados.

– Me perdoa amor – sussurrou Rosalie segundos antes de o veículo descer o pequeno barranco coberto de neve e colidir com força em uma árvore. O impacto destruiu toda a lataria do lado do motorista. Foi naquela manhã, de um sábado de neve, que a jovem mulher, tão bela quanto um anjo, deu seu último suspiro pensando no marido e filha. As duas pessoas no mundo as quais mais amava.

Com o carro tombado e prensado na árvore, o corpo de Rosalie ficou preso às ferragens. Seus longos cabelos dourados caiam displicentemente ao rosto já sem vida. Uma linha grossa de sangue escorria na pele clara de sua testa, na região das têmporas, pingando devagar. O abdômen perfurado sangrava escorrendo por entre a lataria. Um de seus braços estava mole ao lado do airbag, deixando a mão que carrega a aliança em evidência. O airbag estava aberto, entretanto, a colisão acontecera totalmente na lateral do motorista, naquele caso não havia nada o que ele pudesse fazer. A forma como o carro se chocou contra a árvore deixara nula todas as chances de sobrevivência para Rosalie.

Presa a cadeirinha, sua filha continuava a chorar sem saber o que tinha acontecido. A sacolinha e o brinquedo estavam caídos contra a janela do carro. Apesar da inclinação, a cadeirinha mantinha a criança presa no mesmo lugar. Com sua agitação em meio ao choro o gorro vermelho caiu da cabeça, e um sapato do pezinho.

Os minutos se passaram, uma hora talvez. Nem um carro passou por ali, e se deu conta do acidente. As pessoas pareciam fugir da nevasca que estava novamente a caminho. O corpo da jovem Rosalie sangrava sem vida, e sua filhinha, fruto do amor com o único homem que amou, chorava com medo e com frio. Com metade da lataria do carro destruída o vento gélido entrava no veículo atingindo o bebê sem piedade. As bochechinhas estavam terrivelmente coradas e as mãozinhas começavam ficar roxas.

Na bolsa presa as ferragens o celular de Rosalie tocava com insistência. Uma chamada se encaminhava para caixa postal e logo outra se iniciava. O céu estava cinza, sem vida, assim como a jovem que outrora dirigia aquele carro. Pequenos flocos de neve caiam devagar, alguns dentro do veículo.

Foi hermético, sobrenatural talvez. Mas o amor materno foi além do que se pode compreender. Foi além da vida...

Como em uma cena de um filme, o espirito de Rosalie estava do lado de fora do carro, com lágrimas no rosto e o desespero cravado em seus olhos. No auge do desespero tentou retirar a filha dali. Mas era algo impossível. A cada tentativa desesperada de abrir a porta do carro, ouvindo o choro do bebê, suas mãos atravessavam a lataria. Julia estava assustada e chorava muito, chegando algumas vezes a se engasgar. Sentia muito frio. Ainda assim o desespero de uma mãe, que já nada podia fazer, tentava em vão resgatá-la, sem poder partir.

Em um grito abafado que somente ela pode ouvir, Rosalie gritou liberando toda dor e angustia que corroía sua alma.

– Não. Não. Não... – mãos erguidas próximas à cabeça e os joelhos curvados. – Não. Não... Meu Deus, por favor, não... – ela tentou mais duas vezes e nada aconteceu. O bebê continuava a chorar e o amor daquela mãe lutava além da vida para protegê-la. Para resgatá-la dali com vida.

E de repente, como se anjos ouvissem suas preces. Como se ouvissem o seu clamar desesperado, barulho de motor de carro foi ouvido. Não havia mais nada a fazer a não ser arriscar o improvável.

O desespero do amor de uma mãe por seu bebê foi mais forte do que a compreensão humana. O espirito de Rosalie correu, subindo o pequeno barranco coberto de neve indo ao acostamento acenando para que o carro parasse e fosse ajudar o seu bebê.

Na caminhonete preta que se aproximava do local do acidente, estava um casal. Aparentemente beirando a mesma faixa estaria que a própria Rosalie e Emmett.

O homem de cabelos negros e bigode notou uma luz estranha há alguns metros à frente. Pouco a pouco começou diminuir a velocidade do veículo, pisando cautelosamente no freio, até que a caminhonete parou. Ele olhou em volta antes de seus olhos focarem na luz que voltava para o barranco. A mulher de cabelos curtos e avermelhados que estava no banco ao lado percebeu as marcas de pneus no pavimento salpicado pela neve que começara a cair quando o acidente estava em curso. Como se previsse o pior, ela saiu do carro correndo em direção ao barranco por onde seguiam as marcas do acidente.

Seu marido, Omar, chegou ao acostamento apenas com dois segundo de diferença. Quando olharam abaixo encontraram o veículo tombado com metade da lataria destruída prensado a árvore. Rapidamente Omar sacou o celular do bolso discando o número de emergência. A ligação foi breve apenas tempo suficiente para as explicações necessárias.

Mesmo falando ao telefone Omar se manteve atento à luz cintilante que se aproximava do veículo tombado, e foi ali que ela se dissipou. Incialmente Omar pensou que fosse algo relacionado à tempestade de neve que estava a caminho, algum indicio de aurora boreal, mas ao ouvir o choro do bebê, ele soube que era muito mais do que sua mente pudesse assimilar. Sem pensar duas vezes, ele desceu o barranco correndo, atirou-se de joelhos ao lado do carro tombado. Primeiro ele viu a mulher loura já sem vida ao volante, deduziu que fosse a mãe do bebê que chorava. Seu olhar correu para o banco traseiro onde encontrou Julia presa a cadeirinha, chorando em desespero, ficando roxa de frio, sem entender o que tinha acontecido com sua mamãe.

– Tem um bebê dentro do carro – gritou Omar. – A mulher que dirigia está morta, mas a criança está viva e parece bem. Só está muito assustada e com muito frio.

Com a declaração desesperada do marido, Karen desceu o barranco correndo para ajudá-lo resgatar o bebê.

– Oh meu Deus, ela está morta – gritou Karen, levando as mãos à frente do rosto. Institivamente seu corpo reagiu com nervosismo, ficando com as mãos trêmulas.

– Me ajude a retirar a criança – Omar exigiu. – Se deixá-la aqui esperando o resgate chegar, vai morrer por hipotermia.

Karen agiu rápido ajudando o marido a abrir uma das portas traseiras que estava virada para cima. Estava travada. O desespero do casal aumentou. Mas, buscando uma saída, Omar notou o vidro da janela do carona quebrado, ali infiltrou o braço, rasgando seu casaco grosso até alcançar a trava. Quando afastou o braço para fora novamente, caiu sentado na neve, cansado, respirando irregular. Consternada com o desespero da criança, Karen abriu a porta do carro, derrubando alguns flocos de neve que se acumularam depois do acidente. Em questão de segundos Omar estava de pé, tentando desesperadamente retirar a criança da cadeirinha. As fivelas haviam imperado depois de tanto solavanco, ele as forçou abrir, usando toda sua força, à medida que garotinha chorava.

Levou alguns minutos até que Julia estivesse fora do veículo. Na tentativa desesperada de aquecer a criança, Karen retirou seu grosso casaco envolvendo o pequenino corpo trêmulo, aconchegando-a em seu peito.

Durante os momentos em que Karen tentava aquecer Julia, Omar tentou encontrar a bolsa em busca de algum documento de identificação, mas a bolsa estava presa às ferragens assim como a moça que dirigia. Então ele desistiu.

O casal voltou para o acostamento, subindo o pequeno barranco devagar. Cansados, assustados e com frio, entraram novamente no veículo. Omar girou a chave na ignição pondo o motor para funcionar para que o aquecedor funcionasse.

– Vamos esperar o resgate chegar para entregarmos a criança. Eles localizaram a família dela. É tudo o que podemos fazer agora.

– Não – disse Karen, abraçando Julia, que ainda chorava, mas não tanto quando estava dentro do carro. – A mãe está morta. Vamos ficar com ela.

– Não podemos Karen. Essa criança, em algum lugar, tem uma família que a espera.

– Por favor, me deixa ficar com ela – suplicou, com lágrimas nos olhos. – Perdemos o nosso bebê há um ano... Eu não aguento mais esse vazio. Por favor, vamos ficar com ela.

Omar encarou a esposa, mantendo a mão sobre a chave na ignição. A pequena Julia chorava, desejando o aconchego e o calor dos braços da mãe. Uma mamãe que não mais voltaria. Não mais lhe carregaria em seus braços, não a amamentaria antes de dormir, não mais lhe daria todo o amor o qual fora destinada a dar. Sua vida ao lado da mamãe que um dia tanto a amou, acabava ali, naquele barranco coberto de neve.

– Ela está ferida? – perguntou Omar.

– Não. Só está assustada e querendo a mãe, eu acho. Mas não se preocupe querido com o tempo ela se acostuma a nós. Veja, ela é tão linda. Um verdadeiro anjinho da neve, que veio para mim. Que veio para nós.

– Isso não é certo, Karen. Podemos ser presos e condenados por isso. O nosso dever é esperar o resgate e devolver a criança a família.

– Por favor, Omar... – Karen suplicou, abraçando a pequena Julia, tentando acalmá-la.

– Isso não é certo... – ele voltou a repetir, mas, dessa vez, manobrou o veículo de volta para a pista, e seguiu em frente como se nada houvesse acontecido. Levando o fruto do amor entre Rosalie e Emmett para longe da família.

A poucos metros do local do acidente uma ambulância e o carro do resgate passaram as pressas pelo carro que levava a criança embora, sem ao menos notar o modelo tampouco sua cor.

Tudo ocorreu muito rápido. Os dois veículos parram no acostamento, e a equipe de resgate saltaram apressados. Havia uma grande mobilização de profissionais trabalhando no resgate da vitima. O frio castigava a equipe tornando tudo ainda mais difícil. Vozes de comando eram ouvidas a distância a todo instante.

Os minutos se estenderam. O corpo de Rosalie foi retirado das ferragens, colocado sobre uma maca e sendo conduzido para a ambulância quando uma picape ranger, preta, cabine dupla, estacionou de qualquer jeito no acostamento. Antes mesmo que o veículo parrasse Emmett saltou, deixando a porta aberta. Seu corpo inteiro tremendo, coração esmurrando forte o peito. O subconsciente forçando a mente acreditar que aquilo não era real. Aquilo não podia estar acontecendo em sua vida.

Mesmo com as pernas bambas, respiração pesada e falha, Emmett correu ao encontro da maca. Sentiu os olhos arderem com lágrimas ameaçando cair, quando reconheceu uma mecha dos cabelos dourados que pendia da maca.

Emmett correu, com os pés afundando na camada de neve do barranco, empurrando quem entrasse em seu caminho, como nunca havia corrido em toda sua vida. Ao se aproximar da maca empurrou os paramédicos que estavam na frente, não dando ouvidos quando um deles lhe disse que não havia mais nada que pudesse ser feito.

Mesmo sendo um homem adulto e forte, Emmett não resistiu à dor devastadora de ver o seu grande amor ensanguentado, já sem vida, sobre uma maca. Com uma dor lancinante rasgando seu coração em mil pedaços, sentiu as pernas perderem todo e qualquer controle cedendo ao seu peso, fazendo-o cair de joelhos na neve. O peito forte arfava descontroladamente. Lágrimas rolavam em seu rosto sob a rajada de ar frio agressiva, com o sabor amargo da perda.

– Rose! – gritou ele a plenos pulmões, com fumaça saindo entre seus lábios. – Rose! –gritou mais uma vez, sentindo como se alguém tocasse seu coração com o dedo, e de repente até respirar se tornou difícil. – Rose... – unindo todas as forças que lhe restavam, ele ficou de pé e correu para mais perto da maca, debruçando-se sobre o corpo da esposa. Abraçando-a como se tal gesto pudesse trazê-la de volta a vida. Não se importou com o sangue tampouco com o que os paramédicos falavam. Tudo o que ele queria era o seu grande amor de volta, sorrindo ao seu lado. Nunca na vida havia sentido tamanha dor, nada no mundo se comparava aquilo. Seu coração sangrava dentro do peito, sua alma estava destruída. Sua vida havia acabado ali. Todo o seu futuro havia acabado ali naquele maldito barranco, prensado naquela maldita árvore, naquele maldito dia de neve. – Rose!– gritou agarrado ao corpo da esposa. – Não me deixe... Por favor, volta pra mim... Meu amor. Não me deixe. Como poderei viver sem você...? Volta pra mim... – ele se afastou minimamente, apenas o suficiente para poder tocar o rosto dela. Com a mão trêmula afagou o rosto sujo de sangue, afastando alguns fios de cabelos. – Anjo, por favor, fica comigo... – murmurou, com a voz falha, limpando o rosto de Rosalie em sua mão, cuidadosamente. Ele maneou a cabeça varias vezes como se negasse o que seus olhos viam. – Meu amor... Não faz isso comigo... – pedia em meio aos soluços e lágrimas que escorriam em seu rosto.

Alguém tentou retirá-lo de perto da maca, mas Emmett o empurrou sem se importar com quem quer que fosse. Tremendo, ele se inclinou lentamente beijando os lábios da esposa sem pressa. Uma lágrima caiu de seu olho esquerdo diretamente no rosto dela. Ele voltou a se afastar apenas o suficiente para acariciar os cabelos dourados de Rosalie.

– Rose... Meu amor...

Em meio a tanta dor, Emmett não percebeu tampouco os paramédicos, quando o espirito de Rosalie surgiu com faíscas fracas de luz se posicionando atrás de suas costas. Em seu rosto havia dor, indícios de choro, ela também sofria pela despedida forçada. Ela ergueu a mão direita, transparente sob a luz cinza de um dia de neve, e encostou ao ombro do marido, sem chegar realmente a tocá-lo.

Emmett continuava chorando, afagando os cabelos, do corpo sobre a maca que recebia pequenos flocos de neve. Rosalie sofria assistindo toda dor do marido que tanto amava. Como podia o destino ser tão cruel e separá-los daquela forma.

Ele não chegou a sentir o toque da mão dela, entretanto, sentiu um calor diferente atravessar seu coração.

– Amor o nosso bebê – sussurrou mesmo sabendo que o marido não podia ouvi-la.

Emmett não soube ao certo a origem, mas, naquele momento, sentiu angustia e desespero pela filha que ainda era só um bebê. Lutando contra a dor lancinante em seu coração ele se forçou a lembrar onde a filha estava. Foi então que a realidade o atingiu em cheio, destruindo o que restava de seu coração. Julia, sua garotinha de apenas sete meses, estava com a mãe. Seus instintos gritaram e no minuto seguinte ele corria desesperado para perto do veículo tombado e parcialmente destruído. Dessa vez não o permitiram se aproximar, dois homens fortes o seguraram firme pelos braços.

– Julia – ele gritou, com fumaça saindo por entre seus lábios.

– Não tem mais ninguém dentro do veículo – alguém respondeu.

– A minha filha – gritou Emmett, desesperado, tentando se soltar indo ao resgate de sua garotinha. – Ela é apenas um bebê. Ela estava com a mãe naquele carro – ele gritava se debatendo.

Ainda perto da maca, o espirito de Rosalie observava tudo com angustia e dor. Sua dor emocional vencia qualquer outra dor que sentiu nos momentos que antecederam sua morte prematura.

Um terceiro homem se aproximou trazendo consigo a bolsa de Rosalie e a sacola do bebê, um brinquedinho de borracha, um sapatinho e o gorro vermelho que Julia usava.

– O bebê não está no carro. Tudo o que encontramos foram esses pertences. E através dos documentos foi que entramos em contato coma família.

Emmett encarrou os objetos nas mãos do homem desconhecido, negando-se a acreditar no inferno que vida havia se tornado para ele.

– Minha filha está naquele carro. Preciso resgatá-la. Eu devo isso a minha esposa – gritou exaltado em meio ao desespero.

– Não tem mais ninguém no carro. Tudo indica que alguém a levou. As fivelas do cinto da cadeirinha foram forçadas a abrir. Uma das portas traseira do veículo também estava aberta. Ainda não sabemos quem, nem para onde a levou, mas alguém a resgatou deixando o corpo da mãe para trás, sendo que não havia mais o que ser feito por ela. Acreditamos que seja a mesma pessoa que chamou o resgate. Talvez a tenham levado para um hospital, caso a criança esteja ferida, ou para uma delegacia. Vamos verificar.

Emmett cedeu, parando de lutar, chorando feito um garotinho.

– Rose... Julia... Rose, não faz isso comigo. Não pode me deixar... Onde está o nosso bebê, amor? Quem a levou? Onde ela está?

A equipe de regate continuou trabalhando no local. Os paramédicos conduziram o corpo de Rosalie para o interior da ambulância enquanto Emmett chorava sua dor sob os flocos de neve que caia, com coração dilacerado.

No acostamento mais um carro parou, e dessa vez foi uma mercedes, preta. De dentro dela saiu uma mulher de cabelos castanhos, com lágrimas no rosto e olhar triste. Era a mãe de Emmett, Esme. Desesperada começou a descer o pequeno barranco coberto de neve, afundando os pés, indo ao auxilio do filho.

Ofegante, Esme se ajoelhou atrás das costas do filho, que chorava ajoelhado na neve, agarrado aos objetos que um dos homens do resgate lhe entregou. Esme o abraçou como se abraçasse uma criança assustada.

– Meu amor... Filho, vamos para casa – murmurou ela, também chorando.

– Mãe... – Emmett soluçou. – Minha Rose me deixou. Me deixou, mãe... E eu não sei aonde pode estar a nossa filha. Alguém a levou. Como viverei daqui em diante sem as duas?! Como?

Chorando, Esme abraçou o corpo do filho com força lhe passando todo apoio que somente o calor dos braços de uma mãe conseguiria passar.

– Querido não sofra assim... – pediu com angustia. – Vamos embora, meu amor. Está muito frio aqui.

– Não. Tenho que encontrar a nossa filha... O nosso bebezinho.

– Ela não está aqui. Já me explicaram tudo por telefone. Nós vamos procurá-la juntos. Por favor, querido...

– Mãe, a Rose... – ele soluçou novamente. – Meu Deus a minha Rose.

– Eu sei querido... Mas precisamos ser fortes. Pela Julia. Pela sua filha. Vamos encontrá-la. Levanta, meu amor – Esme pediu, ficando de pé, estendendo a mão para Emmett. – Vamos nos despedir da Rose como ela merece... – explicou cautelosamente, temendo machucá-lo ainda mais.

Emmett ficou de pé com dificuldade, segurando os objetos, sentindo as pernas sem forças. Virou-se de frente para o pequeno barranco tentando unir forças para sair dali. Olhando na direção do acostamento ele teve a certeza de ter visto pequenos pontos de luz brilhante.

– Rose – ele gritou agitado, pronto para ir até lá.

– Não, querido – Esme sussurrou, encostando a mão em seu ombro. – Por favor, filho, fique calmo. Você está transtornado, meu amor. Isso não te faz bem.

– Eu quero as duas aqui comigo – ele suplicou, olhando para Esme, como um garotinho assustado. – Rose... A minha Rose... – ele se afastou bruscamente correndo para perto da ambulância, batendo nas portas, já fechadas, exigindo que abrissem para que ele pudesse entrar.

Esme foi atrás dele novamente, segurando-o pelo braço. Tentando fazê-lo se acalmar.

– Não vai adiantar filho...

– Não diga isso. Não diga – exigiu ele. – Eu quero ir com ela. Eu tenho esse direito. Não podem me proibir de ficar com a minha esposa.

Esme olhou para um dos paramédicos e pediu, com o olhar consternado de mãe, que deixasse seu filho ir acompanhando o corpo da esposa. Esse seria o único jeito de mantê-lo mais calmo.

A ambulância foi aberta enquanto ele esperava ansioso. Sentou ao lado da maca e permaneceu chorando, afagando os cabelos da esposa já sem vida. A ambulância foi fechada novamente e seguiu seu caminho desaparecendo na nevoa daquele dia gélido e mórbido. A equipe de resgate continuou no local após o guincho ter chego para retirar o veículo parcialmente destruído.

Esme voltou para seu carro. Sentada ao volante fez uma ligação e pediu que alguém viesse buscar o carro de Emmett que estava no acostamento. Os objetos que retirou das mãos do filho, guardou no banco de trás. Antes de girar a chave na ignição, ela passou ambas as mãos no rosto, respirando fundo, buscando forças para seguir em frente.

Em algum lugar longe dali, o casal que levara o bebê se desfez do celular, quebrando-o e jogando-o na neve com intuito de permanecer com a criança e não serem localizados.

[...]

Duas semanas se passaram e a família não recebeu nenhuma noticia do paradeiro da criança. A polícia investigava, mas nada havia sido encontrado até o momento. Quem a levara? Para onde? E por quê? Isso ninguém da família sabia dizer. Todos estavam abalados e nenhum deles falava com quem não estivesse participando das investigações.

Os dias que se seguiram após o funeral de Rosalie estavam sendo destrutivos para Emmett. Sem notícias da filha, ele acabou se isolando de vez. Se negava a receber visitas, mesmo que fosse membros da família. Ficava o tempo inteiro trancafiado em casa se martirizando com a morte prematura da esposa e o desaparecimento de Julia.

Não se alimentava direito. Não fazia a barba desde o fatídico dia em que Rosalie se foi. As cortinas da casa estavam sempre fechadas agora, deixando o ambiente escuro, mórbido. Mesmo com a luz do dia brilhando lá fora.

A casa estava suja e muito bagunçada. Alguns objetos foram quebrados durante uma crise de desespero e negação. O quarto do casal estava do mesmo jeito do dia em que Rosalie saiu, levando a filha no colo: lençóis bagunçados e peças de roupas jogadas ao chão, vestígios da última noite de amor que tiveram.

Familiares e amigos o procuravam todos os dias, mas Emmett se negava a recebê-los. Preferia não ver, ou falar com ninguém. Preferia ter uma sobrevida a ter vida alguma sem Rosalie e Julia.

Havia vida lá fora, mas o homem de coração destruído pouco se importava. As pessoas iam e vinham do trabalho. Crianças brincavam na vizinhança. No entanto, para Emmett McCarty viver havia se tornado apenas uma metáfora.

Sem a esposa e sem a filha, fruto do seu grande amor, que sentido teria sua vida? Era o que ele se perguntava todos os dias. Negando a própria existência, com pensamentos que subjugam a alma.

Sentado no carpete da sala, recostado ao sofá, ele tomava mais uma cerveja. Latas vazias estavam jogadas por toda a casa, a mais de uma semana. Sua feição era entristecida e abaixo de seus olhos havia grandes olheiras.

Meio vacilante Emmett ficou de pé, sentindo uma vontade absurda de chorar mais uma vez. Tinha raiva de Deus e da vida. Viver havia de tornado um acontecimento lamentável; uma desventura. Irritado arremessou a lata de cerveja, pela metade, contra a parede da sala, seguido de um urro de dor.

Arrastando os próprios pés, sentindo as pernas fraquejarem, caminhou até o quarto que uma vez fora do casal. Olhando em volta, seus olhos encontraram todas as coisas que Rosalie gostava. Destruído emocionalmente, caminhou até a penteadeira empurrando com o braço todas as coisas ao chão. O barulho de coisas caindo, algumas sendo quebradas, ecoou pela casa quase que instantaneamente.

Com passos vacilantes, ele entrou no closet, recolheu grande parte das roupas de Rosalie e voltou para o quarto, jogando todas elas sobre a cama. Abraçado a um vestido vermelho que ela adorava, Emmett se deitou na cama junto às outras peças de roupas da mulher que tanto amava.

O coração doía com o lamento da alma destruída. Os olhos arderam com o novo acumulo de lágrimas, e lá estava ele, chorando mais uma vez a perda de seu grande amor.

– Rose... Volta pra mim, minha vida – ele sussurrava, aspirando ao aroma do vestido dela.

Os minutos se passaram entre seu lamento e um choro silencioso, nas sombras do escuro que se encontrava o quarto, sofrendo sozinho.

O telefone fixo começou a tocar insistentemente, implorando por atenção. Perdido em um mundo obscuro de dor e angustia, Emmett parecia não notar. Lá fora, mais uma vez o dia se tornou noite. Ainda abraçado ao vestido de Rosalie, ele levantou da cama e voltou ao closet. Revirou todas as divisórias, da parte mais alta, em busca de uma caixinha em especial. Depois de alguns poucos segundos a encontrou, e então foi a vez de procurar pela chave. Levou mais alguns segundos, e quando estava com ela entre seus dedos, sentou no chão com a caixa preta sobre o colo, onde também estava o vestido de Rosalie.

Com o movimento atrapalhado das mãos, abriu a caixa e permaneceu encarando a arma – uma pistola, calibre .380 Auto ou .380 ACP. Também conhecido como "9mm Curto". Retirou a pistola da caixa, lentamente, com olhar frio e uma decisão tomada. Sem a esposa e a filha, Emmett decidira que não queria mais viver.

Decidido, carregou a arma, deixando a caixa com um cartucho no chão. Saiu do closet levando a pistola e o vestido da esposa. Ao sair do quarto do casal, entrou no quarto da frente, o que pertencia a Julia. Lágrimas percorreram seu rosto quando viu o bercinho que juntos escolheram para a chegada da pequena. Ele caminhou até lá, com passos cautelosos. Recostou-se nas grades debruçando-se sobre o berço para poder acariciar o pequeno travesseiro. O recolheu, levando-o a altura do nariz, aspirando o perfume de bebê. Do seu bebê.

Pouco a pouco seu corpo foi cedendo ao lado do berço até está sentado ao chão. Com o rosto encostado na grade, ele ficou relembrando todas as vezes que pôs a filha para dormir. Do lindo sorriso de poucos dentinhos, e de suas covinhas adoráveis. Lembrou-se também do quanto Rosalie era cuidadosa e carinhosa com o seu bebê. Do quanto ela amou aquela garotinha desde que descobrira estar gravida, desde que era apenas uma sementinha, uma promessa de amor incondicional. De como estavam felizes juntos enquanto aguardavam sua chegada. De todos os planos que fizeram.

Emmett abraçou o travesseiro junto ao vestido e permaneceu assim alguns minutos, com olhos fechados, remoendo sua dor como se fosse um momento de despedida. Quando voltou abrir os olhos encarou a pistola em sua mão e preparou para efetuar o disparo. Ele erguia a mão com a arma, na altura das têmporas, quando de repente parou em choque. Seus olhos não acreditavam no que viam. Ali, bem a sua frente, estava o anjo mais lindo que alguém já descrevera. Era ela, a sua esposa, o seu anjo, o seu verdadeiro amor bem diante de seus olhos como uma verdadeira visão do paraíso.

Assim como ele, ela também tinha lágrimas no rosto e parecia tão triste quanto. Rosalie olhou o bercinho vazio e depois o marido sentado no chão.

– Rose... Você veio meu amor – sussurrou Emmett.

Maneando a cabeça negativamente ela suplicou.

– Não faça isso, por favor. Me dói tanto amor vê-lo assim... – seu tom de voz soou com lamúria. – Me perdoa... – suplicou. – Eu te amo Emmett, mas você precisa ser forte. Não faz isso com você mesmo, pelo o nosso amor, por amor a nossa filha.

– Rose... Eu não quero ficar sozinho. Não suporto viver sem vocês. Não suporto viver assim.

– Você precisa encontrá-la... Ela precisa de você. De sua figura paterna. Do seu amor incondicional. Ela está assustada... Você tem que encontrá-la e permanecer ao seu lado até que chegue o dia em que encontrará um homem que a ame, da mesma forma que você me amou. Não conseguirei partir em paz enquanto nossa filha não estiver com você – Rosalie pedia, com lágrimas no rosto e tristeza no olhar. – Quando encontrá-la diga todos os dias o quanto eu a amo. O quanto a desejei. O quanto tentei protegê-la... Eu não queria amor. Eu não queria, mas tudo aconteceu tão rápido. Me perdoa. Não faz isso, por favor. Não desista assim. Por mim. Por nossa filha... Escolha viver...

Soluçando, Emmett deixou a arma no chão e ficou de pé, segurando apenas o travesseiro de Julia e o vestido de Rosalie.

– Eu te amo, Rose... – murmurava à medida que se aproximava. – Fica comigo, amor. Não vá...

Ela maneou a cabeça novamente. – Não posso... – murmurou em suplica. – Mas não consigo partir em paz se minha filha não estiver com você.

– Quem a levou? Você sabe quem a levou? Fala pra mim.

Rosalie continuou maneando a cabeça negativamente, com angustia e dor.

– Eu não sei... Um casal, mas não sei quem são. Nunca os vi antes. Não sei para onde foram nem porque ficaram com ela. Eu só queria que eles a resgatasse do frio e a levassem para você, mas eles não fizeram isso. E por isso não consigo encontrar minha paz. Preciso que o meu bebê esteja com você. Encontre-a, por favor.

Emmett estendeu a mão tentando tocá-la, mas foi impossível. Ao seu toque ela era como uma nuvem de fumaça.

– Eu quero poder te tocar... Eu quero te sentir outra vez... – ele soluçou.

– Por favor, amor. Prometa-me que vai voltar a viver. Por amor a nossa garotinha não desista. Encontre-a. A traga para casa. Diga todos os dias que eu a amo. Fale de mim para ela. Cante para ela, as mesmas canções de ninar. No dia de seu aniversário de quinze anos lhe presentei com todas as minhas joias. Quando estiver noiva, mostre o meu vestido de casamento e deixe que decida se irá usá-lo. Dê a ela a chance de crescer com o seu amor.

– Rose... – sussurrou ele, com a mão estendida em direção a dela.

– Emmett... – ela sussurrou em resposta, erguendo a mão para tocar a dele. Chegando o mais perto que pode. – Meu amor por você e pela nossa filha vai além dessa vida...

– Eu vou encontrá-la, Rose, nem que seja a última coisa que eu faça.

– Eu amo vocês e continuarei amando de onde eu estiver. Nessa ou em qualquer outra vida... – Rosalie sussurrou no momento em que sua imagem começou a se dissipar com pontinhos de luz, os mesmo pontinhos de luz que Emmett havia visto no acostamento no dia do acidente que tirou a vida de seu grande amor. Naquele instante Emmett não teve dúvidas de que lá também tinha sido a presença dela.

Decidido, Emmett saiu do quarto da filha e guardou a arma novamente no mesmo lugar onde estava antes. Tomou um banho e até fez a barba. Saiu de casa, mesmo já sendo noite. Sentiu a brisa gélida atingir seu rosto como navalhas. Todavia, estava decidido. Iria à polícia em busca das últimas informações. Iria as emissoras de TV, rádio e jornais. Faria o apelo desesperado para quem quer que esteja com sua filha que a devolvesse. Iria à casa dos seus pais lhes pedir ajuda. Moveria céus e terra para ter Julia de volta no calor de seus braços. Para que Rosalie tivesse a paz que buscava.

No dia seguinte, depois de tanta divulgação em rede aberta, revistas, jornais e internet a família passou a receber muitos telefonemas, mas nenhum deles tinha informações verídicas que os levassem ao paradeiro de Julia.

Uma semana se passou Emmett já saia de casa para verificar de perto o andamento do caso. Ia ao cemitério levar flores ao túmulo da esposa e relatar como andavam as investigações. Ele conversava, mesmo que sozinho, e voltava para casa menos angustiado porque sabia que onde quer que Rosalie estivesse, estaria lhe ouvindo.

Mais dois dias se passaram. Era manhã quando Emmett recebeu uma ligação da delegacia, informando que sua filha fora deixada em um hospital da cidade dentro de um cesto, e estava com febre. Junto com a criança havia um bilhete, digitado, que dizia:

“Por favor, a entregue ao pai. Essa é a bebê que resgatamos do carro no dia em que a esposa de Emmett McCarty faleceu. Ele é o pai que a procura. Diga que estamos arrependidos de toda dor que lhe causamos ao ficar com ela. Diga que pedimos perdão. Quero deixar claro que em momento algum a machucamos. Tudo o que fizemos foi cuidar dela. É uma bebê linda e adorável. Quando a tive em meus braços perdi a razão. Tudo o que quero é que seja feliz. Eu desejei ser feliz ao lado dela, mas também percebei, embora um pouco tarde, que não se constrói felicidade verdadeira em cima da dor de outra pessoa. Por isso imploro que a entreguem ao pai. Mesmo que ele não saiba quem sou, desejo que um dia possa vir a me perdoar.”

Depois do telefonema Emmett saiu às pressas para o hospital, levando o brinquedinho que a filha brincava no dia do acidente. No caminho ligou para a família e pediu que fosse encontrá-lo lá.

Ele entrou no hospital correndo, em busca de informações. Julia já havia sido examinada e estava medicada por conta da febre. Não era nada grave, apenas mais um dentinho que estava nascendo na parte inferior. Quando a entregaram a Emmett, ele a abraçou, não contendo as lágrimas de alivio e a sensação de missão cumprida. Julia estava de volta aos seus braços, de onde nunca deveria ter saído.

A pequena sorriu para o pai, reconhecendo-o. Emmett não resistiu a enchê-la de beijos por todo rostinho corado. Apesar de estar ainda um tanto febril, Julia já se mostrava mais animada somente por estar novamente com o pai.

– Meu bebê... – sussurrou ele, saindo do quarto hospitalar com a filha nos braços, segurando o brinquedinho. Ele cheirando suas bochechinhas roçando o nariz.

Foi andando pelo corredor em busca da saída, que ele voltou a sentir a presença de Rosalie. Institivamente olhou para trás, e lá estava ela, no final do corredor, lhe sorrindo como um verdadeiro anjo. Com lágrimas nos olhos, ele sorriu de volta como se dissesse. “Encontrei nossa filha”, Rosalie maneou a cabeça positivamente.

Ambos caminharam ao encontro um do outro. Rosalie estendeu a mão para tocar o rosto da filha. Julia lhe sorriu como se pudesse vê-la. Rosalie roçou o nariz na bochechinha morna, da criança que foi a maior realização de sua vida. Depois afagou o rosto do marido e, surpreendentemente, vencendo os limites da razão, dessa vez, Emmett pode sentir o toque, suave.

– Eu te amo... – disse Emmett, com a voz embargada.

Uma lágrima solitária percorreu o rosto de Rosalie enquanto tocava o rosto do marido, vendo a mãozinha roliça da filha se unir a dela.

– Meu amor por vocês vai além da vida... – sussurrou ela.

Na outra extremidade do corredor a família de Emmett surgiu ansiosa, chamando por ele, ansiosos para ver Julia novamente. Para abraçá-la e lhe dar todo amor que sua mamãe esperava que recebesse.

Rosalie se afastou acenando um adeus. Emmett virou para ver a família que se aproximava às pressas, não conseguindo controlar a necessidade de estar perto de Julia novamente. Emmett olhou de volta para o lado onde Rosalie surgira.

– Eu te amo, Rose. Para sempre... Para todo o sempre.

– Amo vocês... – ela sussurrou, desaparecendo novamente com pequenos pontos de luz que somente os dois maiores amores de sua vida presenciaram.

A família se aproximou, pegando a criança do colo do pai, passando de braço em braço, enchendo-a de beijos e mimos.

Naquele dia Emmett voltou para casa, com a filha nos braços, acompanhado pelo resto da família com o coração menos destruído e a alma menos dilacerada, porque agora acreditava que o amor entre eles ia além da vida.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí o que tem a dizer? Por favor, não passe despercebido. Deixe sua impressão. O que sentiu ao ler? Me permita saber o que foi. Só vai levar alguns minutinhos. Se você também escreve fic's sabe a importância de um review.

Quem sabe uma recomendação se achar que a fic merece :)

Beijo, beijo

Sill