Um Final Alternativo- A Menina Que Roubava Livros escrita por Mademoiselle T


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem ;)



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Um Final Alternativo para A Menina que Roubava Livros.

Liesel Meminger caminhava lentamente pela rua Himmel. Seus pais mortos. Rudy. Tommy Muller. Frau Holtzapfel. A família Steiner. Todos mortos. Todos acolhidos pela figura encapuzada que Liesel conhecera alguns anos atrás,no enterro de seu irmão. A garota de catorze anos se abaixou e tomou em suas mãos uma flanela com a suástica bordada e rosnou para o objeto. O criador daquele símbolo horrível matara seus pais. Ele convocara a guerra. Ele matou tanto as pessoas que abominava quanto os residentes de seu próprio país.

-Saumensch! Saukerl! Filho da mãe! Desgraçado...

Ela rasgou a flanela em duas partes, e depois em quatro, seis...

Liesel caiu de joelhos,abraçando o corpo,chorando. Chorando pela morte de seu irmão,Werner. Chorando pela morte de seus verdadeiros pais. Chorando pela morte do homem que a ensinara á ler e á escrever. Chorando pela morte da mulher que a acolhera em sua casa quando ninguém mais a queria. Chorando pelo amor de sua vida. Que tal um beijo, Saumensch?,aquela frase chicoteava sua mente cada vez que a garota relembrava os dias em que Rudy dissera isso á ela. E Liesel o beijara? Não. Ela o deixara morrer sem ao menos provar de seus lábios adocicados. Ela se levantou e continuou á vagar pelo o que antes era a rua mais pobre de Molching,mas que agora era somente uma montanha de cinzas e corpos. Ela pôde ver dois soldados da LSE carregando um pequenino corpo que era da irmã menor de Rudy, Bettina. A garota que teria cinco anos para sempre. Ela olhou mais adiante e viu o que era sua casa, mas que naquele momento era somente um monte de cinzas,tijolos e poeira. Será que os corpos de seus pais ainda estariam ali?,pensou ela,mas resolveu não ir mais adiante,pois poderia enlouquecer se visse o pior. E, acredite, ela já soubera de muitas pessoas cujas vidas foram retiradas pela loucura.

Liesel andou mais um pouco até tropeçar em um instrumento que estava caído no chão. O acordeão de Hans Hubermann. Papai..., pensou ela,deixando lágrimas escorrerem de seus olhos quando viu o acordeão. Papai, porque você? Porque?,pensou ela ao se abaixar pela recolher o instrumento e trazê-lo até o corpo. Ela abraçou o que provavelmente era a última lembrança de seu pai e chorou baixinho. Lembrou-se das noites no porão quando ele assassinava uma por uma das canções em seu acordeão. Quando ela o acompanhava quando ia fazer suas pinturas e os dois paravam em frente de uma casa para enrolar cigarros e para ouvir o papai tocar acordeão. E agora ele se fora. Liesel nunca mais ouviria a doce melodia do instrumento. Nem da voz calma de seu pai. Ou dos palavrões e insultos de sua mãe. Ela nunca mais veria o sorriso de Rudy e seus olhos brilhantes lhe convidando para um beijo em um dia de verão. Ela ainda tinha esperança de que Max Vandenburg ainda estivesse vivo no campo de concentração onde estava preso. Mesmo assim,ele não ficaria vivo por muito mais tempo,pois agora que os americanos estavam atacando,o processo nos campos seria acelerado antes que a guerra acabasse. Talvez ele até já estivesse morto. Talvez tivesse até encontrado com seus pais e Rudy no paraíso,pois com certeza todos eles iriam para o paraíso, se ele exisitisse.

A menina que roubava livros continuou andando até que alguém tocou-a o ombro e ela se viu parada diante de um soldado da LSE. Ele segurava uma pequena caixa de madeira e forçava um sorriso.

-Uma sobrevivente. Que bom que te achamos, criança.

Ele leu o nome escrito á tinta na caixa e repetiu-o alto:

-Liesel Meminger. É você?

Perguntou ele e Liesel assentiu,enxugando algumas lágrimas que escorregavam de seus olhos e dançavam em suas bochechas.

-Sim, sou eu. Se me permite perguntar: onde o senhor achou isso?

O soldado apontou para o monte de cinzas e tijolos que antes era o número 33 da rua Himmel.

-Estávamos vasculhando aquele lugar á procura de corpos e achamos isso. Está cheio de livros dentro. Seus livros.

Liesel pegou a caixa em suas mãos e a abriu. Lá dentro estavam O Manual do Coveiro,Dar de Ombros,O Dicionário Duden,entrou outros dos livros que lera e que roubara da biblioteca do prefeito. Lembranças,murmurou ela,fechando os olhos e levando a caixa junto ao corpo como fez com o acordeão. Ela agradeceu ao soldado e viu de longe uma área hospitalar montada de última hora. Começou á andar até lá.

Quando chegou lá, vislumbrou a cena mais triste e amedrontadora de sua vida:

Dezenas de corpos mortos eram cobertos com mantas ou tentavam ser reanimados. Pessoas moribundas vagavam de um lado para o outro enquanto algumas enfermeiras tentavam ajudá-las,dando-lhes remédios escassos,comida e água. Crianças que haviam sobrevivido aos bombardeios choravam desesperadamente ou clamavam por suas famílias,mas estas nunca responderiam aos chamados. Uma mulher passou por Liesel carregando uma garotinha loira de olhos cinzentos que chorava baixinho e tinha vários cortes no rosto e nos braços.

Liesel caminhou entre as camas onde pessoas feridas e algumas mortas se deitavam e parou em um vão que dava para um corredor inteiro de pessoas que já haviam passado desta vida. Ela reconheceu Kurt,o irmão mais velho de Rudy,Barbara,sua mãe,Bettina,Kristina Muller,a irmã de Tommy e o próprio estava deitado ao lado dela,com um leve sorrisinho no rosto,como se agradecesse por ter tido uma morte rápida e tranquila ao ter de enfrentar uma guerra ou outros bombardeios. Ao lado da cama de Barbara estava a cama de Hans Hubermann e ao seu lado estava Rosa Hubermann. Nenhum dos dois parecia estar morto,mas somente em um sono profundo. Liesel se aproximou lentamente do pai e da mãe de criação e reprimiu um gritinho agudo e uma enxurrada de lágrimas. Ela se sentou na ponta da cama de Hans e lhe afagou a mão:

-Oi,papai...

Ele não respondeu. E nem responderia, nunca mais. Liesel engoliu as lágrimas e tentou não tremer, mas era impossível.

-Papai,obrigada por...

Ela não faria aquilo. Ela não gaguejaria ou se sentiria insegura enquanto falava com seu pai pela última vez. Liesel tomou fôlego e começou:

-Papai,obrigada por tudo. Obrigada por me ensinar á ler e a escrever. Obrigada por ler para mim todas as noites O Manual do Coveiro quando eu acordava de um pesadelo. Obrigada por tocar o acordeão áquelas noites no porão e obrigada por me mostrar o sentido da vida.

Ela continuou:

-Nunca vou me esquecer de você, papai, nunca, nunca, nunca mesmo...Obrigada.

Ela deu um beijo na testa do papai e caminhou até a cama de Rosa. A mulher parecia ter morrido no meio de um grande ronco,pois sua boca estava aberta como se ela estivesse no meio do ato mas não tivesse conseguido terminá-lo. Liesel sorriu para a mulher que tantas vezes a chamara carinhosamente de Saukerl e Saumensch e disse:

-Obrigada por tudo também,mamãe. Obrigada por ir á minha escola para avisar que Max tinha acordado. Obrigada por me chamar tantas vezes de Saukerl e Saumensch e brigar comigo. A sua sopa era a melhor do mundo. A senhora foi a mulher mais doce e corajosa que já conheci. Espero que Deus tenha uma lugar para mandar as melhores pessoas,porque você vai pra lá,mamãe,eu sei vai.

Ela depositou um beijo na testa a mãe e já ia saindo em direção ás camas dos Steiner quando se lembrou de que ainda segurava o acordeão de seu pai junto ao corpo. Ela o deixou ao lado de Hans. Os melhores amigos passando juntos para a outra vida.

Liesel caminhou em direção á cama de Rudy e se inclinou para beijar seus lábios. Nenhuma palavra. Nenhuma lágrima. Nenhum pedido de ressurreição desesperado. Nada. Somente o beijo que Rudy sempre tanto quis. Quando os lábios dos dois jovens se separaram Liesel,sorriu e acariciou o cabelo cor de limão de Rudy que estava sujo de poeira e cinzas,assim como seu rosto,mas,mesmo assim,ele parecia sorrir depois de ter recebido o beijo que tanto sonhara.

-Descanse, Saukerl, tenho certeza de que nos encontraremos logo.

E foi naquela manhã sombria e fria de Dezembro que Liesel Meminger acolheu a morte como uma velha amiga,mas não antes de enterrar seus maiores tesouros. Ela cavou a neve com as mãos pálidas do frio e depois abriu um buraco na terra grande o suficiente para acolher uma caixa de tamanho médio. Antes de colocá-la dentro do buraco, abriu-a novamente e colocou um livrinho preto intittulado A Menina que Roubava Livros lá dentro. Toda sua história. Até o momento em que conseguira escrevê-la. Aquilo ficaria ali para sempre. Ou pelo menos até alguém achar a caixa de madeira com os tesouros da pequena Liesel Meminger.

Cinco palavras são capazes de resumir o destino da roubadora de livros:

Uma faca achada entre alguns entulhos na cidade.

Um sorriso travesso no rosto.

Uma caixa cheia de livros.

O vislumbre de pessoas amadas.

A sensação de finalmente estar no lugar certo.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado ;)



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