The Blue Blood escrita por Mrs Granger


Capítulo 1
# 1


Notas iniciais do capítulo

enjoy o/



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Clara detestava passar o final de semana na casa da tia-avó Penny.

O casarão velho rangia e estalava com o vento dia e noite, era todo coberto de poeira - nos tapetes, nas estantes, nos móveis, por todos os lados. A mobília era antiga e desgastada, parecia a Clara que era de séculos passados e que estava ali, intocada, há muitos anos, corroída por cupins. Não havia televisão, computador, sinal de celular, internet e nem mesmo telefone. O lugar estava isolado no meio do mato: à direita, esquerda, à frente e para trás, para onde quer que se olhasse, havia árvores, arbustos e uma vegetação rala e seca, típica do verão. Sem vizinhos, sem mercado, shopping, farmácia ou hospital. Para chegar a qualquer um desses lugares era preciso pelo menos meia hora de carro, luxo esse que tia Penny também não tinha. Andava a pé para todos os lugares, caminhando por até horas embaixo do sol, usando seu casado peludo e Pink.

Pior que a casa, sua localização e a ausência perturbadora de aparelhos eletrônicos, era a própria tia Penny. Usava sempre roupas extravagantes, casacos longos e coloridos, cheios de pelos e chapéus enormes duas vezes maiores que sua cabeça. Era ranzinza, estava sempre de mau humor e quase nunca conversava. Não tinha amigos, não se encontrava com outras pessoas da família, não tinha parentes, e não tinha paciência. Tia Penny era uma mulher extremamente rígida e cheia de regras, o que quer dizer que, se Clara fizesse uma coisinha que perturbasse a rotina da casa, era punida e voltava para o orfanato antes de terminar o fim de semana.

Os pais de Clara haviam morrido há seis anos e desde então ela ficara num orfanato, sendo que ninguém da família tinha se apresentado para cuidar dela. Na época era só uma criança, assustada, com medo e muito triste, mas depois foi crescendo e se tornou um tanto amargurada e revoltada. Sentia-se rejeitada por ninguém na família querer ceder a casa a ela- nem os avós, nem os tios – e ter de permanecer no orfanato, o que ela achava terrivelmente chato. Depois dos primeiros meses, não quis mais receber visitas dos avós, nem dois tios ou dos primos: se recusava a ver qualquer pessoa da sua família. Acabou que, no final das contas, tia Penny foi até o orfanato e pediu o direito de passar o final de semana com a menina. Na semana seguinte, ela apareceu de novo, e na outra, e na outra... E isso se tornou um hábito. Várias vezes Clara tentava se esconder, fingia que estava doente e arrumava uma desculpa para não ir- tudo em vão. Tia Penny sempre a levava, fazendo chuva ou sol, quer Clara quisesse ir ou não.

Ela não gostava do orfanato, mas também não gostava do casarão velho da tia-avó. Na verdade, não gostava de estar em lugar nenhum senão seu quarto quieto e silencioso, cercada pelos seus livros, histórias fantásticas e contos de fadas. Aquele era, para ela, o mundo perfeito. O mundo no qual queria viver. Fadas, gnomos, elfos, feiticeiros, grandes e gloriosas batalhas, lindos guerreiros e belas damas, torres e castelos, muralhas e armas... E magia. Magia para transformar tudo. Aquele mundo não era triste e tedioso como a realidade.

Mas mal sabia Clara que logo a sua vida começaria e se parecer com um de seus livros.

* * *

Era quase noite quando chegaram ao casarão de tia Penny. A construção, grande, antiga e imponente, se erguia conta o céu acinzentado que começava a adquirir uma cor alaranjada no horizonte com o pôr do sol. Clara sentiu cheiro de chuva e um vento frio batia em seu rosto. Na estrada, um pouco mais ao longe, ela viu o carro branco com o nome do orfanato colado na lateral fazer o retorno e voltar à pista, cantando pneus.

Perfeito. Começa mais um final de semana com a tia Penny. Suspirou. Caminharam pelo gramado escutando o farfalhar das árvores, Tia Penny rígida e ereta ao lado de Clara, sempre parecendo alta e intimidadora. Parecia bem firme e forte para uma senhora de setenta anos - Quase não tinha rugas e a pele era lisa, pouco flácida, com algumas marcas de expressão. A porta dupla do casarão se abriu com um clap quando tia Penny colocou a chave na fechadura e girou devagar. Por um instante, houve um silêncio repentino e perturbador no quintal, como se o vento tivesse parado de soprar e as folhas das árvores parassem de se mover. Não – Clara recebeu com um arrepio na espinha –o vento parou de soprar. Parou mesmo. Ela olhou ao redor, apreensiva.

–Algum problema? – Tia Penny girou o pescoço rigidamente e encarou-a, os olhos azuis claros frios como gelo.

–Viu isso? – Clara olhou em volta- Você abriu a porta e o vento parou se soprar...

_Você? – A voz de Penny estava fria e baixa.

–A senhora – Clara se corrigiu, com um suspiro. – Viu ou não?

– Não vi nada. – Tia Penny entrou na casa mal iluminada, tirou o casaco de pele e pendurou no mancebo em forma de serpente que ficava ao lado da porta. Acedeu uma luz fraca. Quando Clara entrou na sala, o cheiro de poeira invadiu seu nariz e ela espirrou.

– Bem vinda – A tia-avó foi até o sofá e se sentou cuidadosamente na ponta. A pesar de antiga, a sala de estar tinha um ar elegante: uma leira de pedra, lisa e limpa, estava encostada ao lado de uma grande janela. Poucos objetos decoravam a sala- um espelho redondo e emoldurado em dourado, um vaso vazio e uma mesa baixa de pés retorcidos no centro do recinto. O carpete negro se estendia por toda a sala. Clara começou a andar em direção as escadas de madeira, que ficavam próximas ao corredor, para subir até seu quarto.

– Daqui a dez minutos temeremos um chá. Arrume os cabelos e desça logo, não se atrase. – ordenou tia Penny.

Clara assentiu desanimada e começou as subir as escadas, que rangiam e faziam um barulho estrondoso. No corredor do segundo andar, reparou em diversos aposentos que pareciam abandonados, as portas ao longo do corredor sempre fechadas, velhas e com teias de aranha dos batentes. Algumas tinham desenhos estranhos entalhados na madeira, outras, rostos contorcidos em alto relevo com as bocas abertas e os olhos escancarados, parecendo afogar e se dissolver na madeira. A cada passo, uma nuvem de poeira era levantada e um taco no chão rangia. Uma aranha passou correndo pelo chão e Clara soltou um arquejo. “Ela deveria contratar alguém para limpar esse lugar. “ pensou.

Continuou subindo até o terceiro andar- seu quarto ficava atrás da terceira porta à direita. Era o único lugar que tinha autorização para frequentar. O restante da casa ficava trancado e eram cantos proibidos onde ela não deveria entrar nem tocar em nada. Tia Penny deixava-a usar o banheiro do terceiro andar, a sala, cozinha e o quarto. Só. Nada de visitas ao sótão ou aos outros quartos da casa. Muito menos uma visitinha ao porão. Clara até achava todo aquele mistério na casa um pouco sinistro, mas não questionava tia Penny. Algumas vezes, tentou sair do quarto à noite, sorrateiramente, escutando os barulhos da casa e o lamento do vento lá fora: ficou com tanto medo e levou um susto tão grande quando Tia Penny a encontrou que decidiu abrir mão dos passeios noturnos pela casa.

Exatos dez minutos depois, ela descia pela escada de madeira, alisando o corrimão liso e empoeirado e reparando, pela primeira vez, que entalhados na madeira havia desenhos esquisitos, iguais aos gravados nas portas do andar de cima: rostos contorcidos, criaturas aladas e com chifres, híbridos com cabeça de um animal e corpo de outro. Por algum motivo, Clara sentiu um arrepio e uma apreensão começou a atormentá-la. Alguma coisa estava errada. Ela sabia. Era quase com se pudesse pressentir o que o estava para acontecer.


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Notas finais do capítulo

Continuo?



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