Os pesadelos parecem ter voltado de vez. Em apenas uma semana, em quatro noites os pesadelos vieram me visitar. Eles são cada vez mais intensos e reais, tornando-os mais assustadores do que nunca.

O inusitado é que o único que consegue me tranquilizar, é Peeta. Sempre que tenho estes pesadelos, ele me acorda e me acalma. Nesta noite tive três pesadelos seguidos. Meu sono não foi nada tranquilo.

Saio dos braços de Peeta. Sei que deveria recusar sua ajuda. Porém, não posso, os pesadelos são mais forte do que eu, me deixam completamente sem forças.

Vou para o banheiro, sei que quando voltar, Peeta não estará mais aqui. Todas as vezes são assim. Eu acordo, deixo-o dormindo em minha cama, vou para o banheiro e quando volto, ele já não está mais em minha cama. Se não fosse pelo cheiro da sua colônia, que fica impregnada em meus lençóis, diria que tudo não passou de um sonho distante. Nós nunca conversamos sobre os meus pesadelos. Parece que fizemos um acordo mútuo e silencioso, este assunto não deve ser tocado. De dia agimos normalmente, como se ele não soubesse de meus pesadelos e nunca tivesse nem chegado perto de meu quarto.

Após tomar um longo banho volto para meu quarto. Como das outras vezes, Peeta não está mais em minha cama. Tudo que restou dele é o cheiro de sua colônia.

Não sei o que se passa comigo. No entanto, sentir o cheiro de Peeta me dá a sensação de tranquilidade. Isso é irônico, eu deveria era ficar com raiva, porém, seu cheiro tem o efeito totalmente oposto em mim.

Meu celular começa a tocar. Olho na tela, é Rue.

– Alô.

– Katniss, você está atrasada! – Rue me repreende.

– Atrasada?

– Lembra...

Tento puxa na minha memória, mas não me lembro de nada.

– Não acredito que você esqueceu! Você prometeu que iria me ajudar a comprar um vestido para o aniversário de Gale!

Droga, havia esquecido completamente disso. Aliás, só agora lembrei que hoje é o aniversário de Gale. E que seus pais irão fazer uma festa para comemorar seu aniversário.

– Desculpa, Rue! Eu realmente sinto muito! Onde você está?

– No shopping... – sua zanga diminui um pouco.

– Estou indo para aí! E você poderia me ajudar a escolher um presente para o Gale...

– O quê? Você ainda não escolheu um presente para ele? Que tipo de namorada é você?

– Aham...

– O que você está esperando? Vem logo! – diz, desligando o celular.

Achei melhor não contar para Rue sobre meu falso namoro com Gale. Aliás, pensei que para este namoro ser um pouco mais “real”, o melhor era não contar a verdade para ninguém. Por isso, ninguém, além de eu e Gale, sabe que nosso namoro é falso.

Mentir não é bom, mas é necessário, para proteger a mim e a quem eu amo. Não quero que Rue se meta nesta confusão. Às vezes, mentir é uma forma de proteção.

Encontro Rue no shopping. Passamos parte do dia procurando um vestido para Rue e um presente para Gale. No final, escolho um relógio simples, mas com um toque elegante. Acho que combina com Gale.

Depois do shopping, vou para a casa de Rue. Passo o resto do dia lá.

Rue me maquia e coloca em mim um vestido verde. Ela acredita que verde combina comigo. Rue é ótima com roupas, já eu sou um desastre, não me importo com vestidos ou com a última cor da estação.

Vamos para a festa.

Como a festa é organizada pelos pais de Gale, é uma festa formal. Praticamente, todas as pessoas importantes de nosso círculo social estão presentes. Festas assim, não são para comemorar alguma coisa, mas sim um pretexto para formar alianças.

Gale vem nos receber na entrada. Percorro meus olhos pelo recinto. Meus olhos se detêm em uma figura, Peeta. Não é exatamente uma surpresa vê-lo aqui. Era óbvio, que o tutor da namorada do filho estava na lista de convidados. Seu olhar vai parar em mim, me encara.

– Katniss! – diz Gale, me dando um rápido beijo nos lábios. – E o meu presente?

– Pensei que eu fosse seu presente? – brinco.

– É claro, que é – sorri me abraçando.

– Mas aqui está seu presente! – digo, estendendo um estojo em um belo embrulho.

Ele abre o embrulho e sorri.

– Parece que você conhece muito bem meus gostos!

– Katniss está se esforçando para ser uma boa namorada – brinca Rue.

Sorrio e lhe dou uma leve cotovelada.

Os pais de Gale vêm nos cumprimentar. Porém, não ficam muito tempo conosco. Afinal, eles são os anfitriões da noite.

– Isso está uma chatice – lamenta Gale. – Se fosse uma festa organizada por mim, estaria muito mais animada!

Os pais de Gale fazem um sinal para que ele vá falar com um dos convidados, Steve Troy, renomado cirurgião plástico.

– Como você é uma boa namorada – ri. – Vou te poupar de ficar meia hora falando sobre as novas cirurgias.

– Eu agradeço – rio também.

– Gale gosta mesmo de você! – diz Rue, quando ele se afasta.

Sorrio. Parece que Gale sabe atuar muito bem.

– Ei, olha só quem está aqui! – fala Rue surpresa.

– Quem? – indago.

– Johanna Mason – responde. – Pensei que ela tinha se mudado de vez para a Europa... Mas pelo visto voltou.

Olho para a direção que Rue está olhando. Lá está ela, Johanna Mason, famosa socialite, conhecida por seus três casamentos com homens influentes da sociedade. Seu último marido foi o dono de uma fábrica têxtil, muito rico, aliás. Ela é bastante jovem para ter se casado já três vezes, mas dizem que já está de olho no quarto marido.

– Já volto! – fala Rue indo falar com o filho do sócio do seu pai que acabou de chegar.

– Katniss!

Nem preciso me voltar em direção a voz para saber de quem se trata. É a voz que mais odeio no mundo, é a única voz que consegue me acalmar nas noites de pesadelos.

– Peeta – falo me voltando para ele. – Pensei que não iria vir...

Ele nada responde. Observo seu aspecto, ele ainda continua um deus grego, lindo, sedutor, sexy. Contudo, há visíveis sinais de cansaço em seu rosto, como um guerreiro que foi para a guerra, e agora regressa a casa depois de muito tempo ausente.

Peeta sorri. Até mesmo em seu sorriso há algo de cansaço e um pouco de... tristeza? Olho para ele, confusa.

– Dê meus parabéns a Gale.

– Já vai? – pergunto surpresa.

– Vou sim... – sua voz é tão cansada e... há algo de perturbador nela, como se ele estive... fugindo?

– Ah, Peeta! Você está aqui! – diz uma voz feminina.

Me volto surpresa em direção a voz. E a minha surpresa só aumenta, ao constatar quem é a dona da voz, Johanna Mason.

Ela se aproxima de Peeta e lhe dá um beijo na bochecha. Porém, não é um simples beijo na bochecha, há algo de provocante no beijo. Aliás, muito provocante, um beijo sensual em qual não há o menor vestígio de inocência. O que foi isso? Peeta conhece Johanna Mason?

– Olá, Johanna – cumprimenta um Peeta visivelmente desconfortável.

Olho para ele interrogativa, tentando entender a situação.

– Você nunca mais me procurou... – lamenta com uma voz chorosa. – Saiba que nunca mais encontrei alguém como você... – sua voz está cheia de sensualidade e luxuria.

– Conhece Katniss? – fala Peeta, tentando se recompor.

– Ah, pequena Katniss, não tinha notado que estava aí! – diz me dando um rápido beijinho no rosto.

– Como vai, Johanna? – cumprimento.

Mas sua atenção já não está mais em mim.

– O que está fazendo aqui? – pergunta a Peeta.

Ele não responde apenas sorri.

– Johanna – parece que ele conseguiu encontrar sua calma novamente. – Não quer uma bebida?

– Quero – sorri e seu sorriso demonstra que ela deseja muito mais que uma bebida.

Os dois saem me deixando sozinha e cheia de perguntas. Há algo de muito suspeito nisto tudo.

Tento não os perder de meu campo de visão. Eles vão até um pequeno bar, onde um barman serve bebidas. Tento ler seus lábios. Fracasso, não consigo compreender nada. Johanna parece muito a vontade. Peeta no inicio está desconfortável. No entanto, logo ele parece tomar conta da situação. Os dois se despedem, cada um vai para um canto, e eu os perco de meu campo de visão.

– Katniss, procurando por algo? – indaga Gale.

Estava tão concentrada tentando o que se passa entre Peeta e Johanna que não vi Gale se aproximar.

– Nada não... – tento sorrir.

– Meus pais querem falar com você...

Apenas faço um sinal com minha cabeça indicando que concordo. Vamos falar com os pais de Gale, eles estão conversando com algumas pessoas. Realmente, não querem falar comigo, apenas exibir a nova namorada do filho, que por acaso é a única herdeira do império Everdeen. As pessoas com as quais os pais de Gale conversam são alguns sócios em potencial, se os Hawthorne querem fazer negócios, nada mais natural mostrar que eles são a melhor escolha. E eu sou uma ótima maneira de demonstrar que eles são a melhor escolha. Afinal, os Hawthorne se tornarão uma família muito poderosa caso aliem-se ao império Everdeen.

– Me desculpa por isso – murmura Gale em meu ouvido, assim que a atenção do círculo sai um pouco de nós dois.

– Tudo bem – digo no mesmo tom.

Já estou acostumada com pessoas que se aproximam de mim por interesse. Aliás, quem não se aproxima de mim por interesse? Afinal, sou a rica herdeira dos Everdeen.

No entanto, agora não tenho tempo para lamentar minha condição de pobre menina rica. Algo me chama atenção, Johanna que caminha em direção à biblioteca. Observo que Peeta parece seguir seus passos e também vai para a biblioteca.

Dou uma desculpa qualquer e vou em direção à biblioteca.

A biblioteca dos Hawthorne fica localizada em um lugar afastado de tudo. Ainda bem, isso facilita para que ninguém me veja. E ainda tenho mais sorte ao constatar que a porta da biblioteca está entreaberta, com espaço suficiente para que eu veja o que se passa em seu interior.

Me coloco em uma posição em que eles não possam me ver e em que eu possa vê-los e escutá-los perfeitamente.

Johanna se aproxima de Peeta lhe dando um beijo de tirar o fôlego de qualquer um. Isso realmente foi um tanto quanto... estranho. Sei lá, mas ver Peeta sendo beijado por outra mulher é... estranho.

Ele sai dos braços de Johanna, mas ela ainda o persegue.

– Peeta, você não sabe o quanto senti saudades de você! Neste mundo não há ninguém como você. Ninguém que possa me satisfazer como você!

– Johanna... Nos divertimos muito não é mesmo?

– E como! – concorda.

– Mas acho que é melhor que isso fique no passado – a voz de Peeta é calma.

– No passado? – sua voz se altera um pouco. – Já sei... – volta a ficar calma. – Agora que você está aqui, deve ter achado alguma ricaça que paga o dobro do que eu pagava. Fala, Peeta, quanto ela paga, que eu pago o triplo! – sorri de maneira provocante, pegando a bolsa Prada.

– Não – diz calmamente, porém de maneira resoluta fazendo um gesto de recusa com a mão.

Olho perplexa para a cena que tenho diante de meus olhos. O que significa tudo isso?

– O quê? Você só pode estar brincando – ri de maneira nervosa. – Peeta Mellark recusando dinheiro? Esta ricaça deve estar pagando muito mesmo! Vai, diz quanto ela está pagando, que pago o triplo!

Peeta fica em silêncio.

– Já entendi tudo, você está se fazendo de difícil! Anda, me diz quanto você quer. Você quer aquele apartamento em Paris? Ou aquela Ferrari que você estava de olho? Diz, que eu te dou tudo.

– Johanna, você está bêbada. Poupe seu dinheiro, vá para sua casa.

Ela solta uma gargalhada.

– Se eu não te compro por bem, então vai ser por mal – ela sorri de maneira ameaçadora.

– Johanna, eu já disse, vá para sua casa – Peeta se mantém calmo.

– Vou descobrir quem é esta ricaça e depois vou contar para todos o que você fazia na Europa. Vou dizer que você dormia com as ricaças por dinheiro. Quero só ver se você poderá circular por esta sociedade se todos souberem de seu segredinho. Você não passa de um gigolô barato. Pessoas como você não podem lamber o chão em que eu passo. Você não é nada, Peeta Mellark, nada!

Não acredito que acabei de descobrir um dos segredos de Peeta Mellark. Um segredo tenebroso.

– Cala-se, Johanna! – ele se altera.

– Você vai ver Peeta! – Johanna ri cada vez mais alto.

– Se você contar, Johanna... – Peeta respira. – Conto para todos que você gosta de se divertir com garotos como eu – diz de maneira ameaçadora.

– O quê? – ela se assusta, só não sei se é devido ao tom ameaçador de Peeta ou à ameaça.

– É isso mesmo que você escutou. Quem tem mais a perder, eu, um gigolô barato, um nada, como você diz, ou você, a ricaça? – seu tom sarcástico queima mais do que as brasas.

Porém, as brasas também o queimam. Noto que quem sai mais ferido depois destas palavras, não é Johanna e sim ele. Em seus olhos vejo uma dor que nunca havia visto antes. Ele é um animal ferido, que está preste a morrer, e lança seu último ataque, mesmo sabendo que suas feridas só irão aumentar.

Johanna se cala.

– Então, Johanna, o que vai ser?

Como ela nada responde, ele sorri.

– Sabia! Agora vá para a casa.

Depois de tudo que ouvi e vi, estou abalada. Minha mente está nebulosa, perturbada. Tento ganhar forças para sair deste lugar, em minha fuga acabo esbarrando em algo, provocando um ruído. O barulho não é muito alto. Acho que ninguém ouviu.

Saio da mansão dos Hawthorne. O vento gelado me envolve. Eu deveria estar feliz em descobrir um segredo tenebroso de Peeta Mellark. No entanto... a felicidade que eu deveria encontrar, não encontro. É que como uma pessoa sedenta perdida em um deserto, depois de muito procurar ela descobre um oásis no deserto. Ela reúne todas as suas forças para chegar ao oásis e quando finalmente chega descobre que tudo não passou de uma miragem.

Não sei quanto tempo fico no quintal da casa do Hawthorne. Ao mesmo tempo em que parece que fiquei apenas dez minutos, parece que ao meu redor já se passaram horas.

Não volto mais para a festa. Mando uma mensagem de texto para Gale pedindo desculpas, conto que estou com uma dor de cabeça horrível. Faço o mesmo com Rue.

Apenas quando chego em casa, observo que já são quase três horas da manhã.

– Katniss?

Me volto, e encontro Peeta sentado no sofá da sala.

– Estava te esperando.

Olho para ele de maneira interrogativa.

– Precisamos conversar...

Nada falo.

– Sei que você ouviu toda a minha conversa com Johanna.

Neste momento é como se uma corrente de ar frio houvesse passado por mim, me deixando completamente gelada.