Passei minha mão pelo cabelo tentando encontrar uma outra pena, mas não consegui encontrar nenhuma. Ela era branca, e brilhava naquele escuro do meu quarto. Fiquei passando meus dedos por ela, sentindo sua textura macia, e então senti algo me puxar para uma lembrança...

“_ Vou te ensinar a amar, e a aceitar o amor de Deus... (Ela tem que entender que isso é para o bem dela, não consigo negar e parar essa minha vontade que querer protege-la, é instantâneo... Afinal, sou seu anjo da guarda!!)”

    Não era apenas uma lembrança, era um pensamento também. E não um simples pensamento, aquilo me atordoou,

_ Como assim? Ele, e-le... é meu anjo da guarda? _ Meus pensamentos já não estavam mais concentrados em mim, eu podia sentir minha garganta sufocar, era impossível aquilo pra mim, nos ensinamentos foram ensinados que os demônios são como são porque não temos a proteção divina. Eles não estão do nosso lado, em nada, porque nossos pecados são imensos, e eles são incapazes de suportar.

   Então eu não era tão ruim assim como eu pensava?

_ Eu não fui ruim e pecadora o suficiente? Heim... O que você quer de mim? _ Eu bufei para o céu acima da minha cabeça, e então pude encontrar seus olhos sobre mim. Ele era sereno, e eu estava a ponto de explodir. Eu não queria aquilo, não pra mim, eu já havia sido taxada a minha vida inteira por não ser como meus irmãos, nem como minha mãe, e nem nunca me assemelhar ao meu pai.

   Eu continuava a olhar para Lysandre lá do alto, eu podia sentir seus olhos sobre mim, mas eu não podia distinguir o que se passava em seus pensamentos só pela tua expressão. Ele sabia o que eu pensava, ele sabia o que eu fazia e o que eu deixava de fazer, ele sabia que minha única frustação nesse mundo, minha única lamentação é por eu ser como eu sou. E isso me incomodava muito, porque de uma certa forma eu queria saber mais a respeito dele.

_ Ah, droga!! Eu não devia ter pensado isso... _ Olhei para cima, e vi um sorriso se formar em seu rosto, ele era tão, tão... Ahhhh,

_ Pare de pensar sua cabeça de vento!! _ Ordenei para mim mesma. Ouvi me chamarem na porta avisando que teria reunião no grande salão, o único lugar que os olhos de Deus e dos anjos não alcançavam... Ali eu estaria protegida da curiosidade do anjo, bom, pelo menos enquanto eu estivesse ali.

   Me dirigi para o grande salão que ficava abaixo da sala da caldeira e ao lado do purgatório de Balt (pobre Balt, esse era mais zoado do que eu kkkk)... Vários demônios dos mais fortes já estavam presentes, e não entendi o motivo de eu estar ali. Mas não demorou muito até que eu entendesse o verdadeiro motivo, eles haviam capturado um anjo. O que era estranho, ao ver Lysandre ele não me pareceu preocupado, ou agitado. Mas pensando bem, ele parecia bastante sereno, mergulhado em pensamentos, devia ser algo proposital, um anjo não deixaria se capturar assim tão facilmente.

   Notei que o anjo não se debatia, ele não estava desacordado, estava bastante acordado, e preso pelas correntes grossas em brasa. Meu pai caminhou até a frente e começou seu longo e chato discurso, sobre como estávamos sendo oprimidos por tanto tempo, e de como poderíamos um dia conseguir a vitória sobre os mundos!!

   Só não dormi porque me contento em ver a cara de sono e de chateação de todos, era realmente uma cena maravilhosa vê-los se incomodar com algo tão pequeno.

_ Ouçam bem o que vou lhes falar... _ meu pai não dispensava a maneira formal de se falar, modo brega de falar para impor respeito.

_ Eles nos atacaram, levaram nossas almas, entre essas almas, levaram uma muito importante para mim, vamos até lá em cima, recuperar e arrastar conosco o que eles nos roubaram.

_ Mas como vamos fazer isso, somente Deus pode abrir o muro da divisão...

_ Temos ele, nosso convite de entrada no céu... _ Meu pai disse isso apontando para o anjo, por isso ele não estava preocupado, essa era a ideia, nos arrastar para o mundo deles, lá eles eram mais fortes, então me coloquei a falar...

_ Não acha muito imprudente ir até o mundo deles na condição em que estamos agora?

_ Você não tem que achar... _ meu pai retrucou, o que fez todos rirem da minha cara, mas continuei debatendo...

_ É o que eles querem não percebe? Que vamos até lá, onde eles são mais fortes, para acabar ainda mais conosco, realmente pensa que não devo achar nada com relação a isso?

   Mas meu pai fingiu não ouvir nada do que eu havia dito a ele. Ele fez com que todos o seguíssemos até o muro da divisão, e realmente, como ele havia dito, Deus abriu o portão para nós, fácil demais na minha opinião, o que provava ainda mais a minha tese sobre as coisas. Eu me desmaterializei no ar, me escondendo atrás das nuvens, era muito claro, e aquela luz me incomodava.

   Eu podia ver os demônios se movendo no ar em direção ao céu, mas não vi nenhum anjo voar em direção a eles. Mas foi somente eu pensar dessa forma, que uma legião deles os atacaram, como eu não estava no meio da multidão, não fui pega de surpresa como eles,

_ Tolos, eu avisei!
_ O que você avisou?

_ Ahhhh... vai assustar a vó! _ bufei para Lysandre quando o vi. Ele soltou um sorriso para minha histeria e aquilo me deixou ainda mais nervosa. Fechei minhas mãos em punho com força,

_ Você tem que aprender a ser mais calma...

_ Hum? Calma? Kkkk _ dessa vez, quem riu fui eu, e então percebi que com essa frase ele fez eu realmente me acalmar, e então ele voltou a falar...

_ Sobre o que você avisou a eles? E porque não os está ajudando?

_ Eles não me escutam, avisei que era uma cilada de vocês para pegar-nos aqui que somos mais fracos, mas eles nunca me levam a sério, e como vim arrastada, não me sinto na obrigação de ajudar aquele bando de folgados que só gostam de fazer bagunça da forma idiota deles...

_ Opa, opa, opa... Vai com calma ai. É incrível, você acertou em cheio mesmo, era um plano, confesso, _ olhei pra ele com desdém, e apontei para minha cabeça, esperei ele perder a paciência com a minha reação, mas foi exatamente diferente, e impensável para mim... Seus braços penderam do lado do corpo, ele soltou um suspiro com a cabeça erguida em direção ao céu, eu podia ver bem seus olhos caindo lentamente em minha direção, então ele foi se aproximando lentamente.

_ Você gosta disso não é? _ perguntei pra ele, que fez cara de quem não entendeu... Então agarrei sua camisa e fiz ele ficar mais perto...

_ O que você esta fazendo?

_ Você não sabe? Estou apenas me aproximando mais de você, nunca quis sentir como é estar em contato com um outro alguém Lysandre? _ Ele apertou o passo e se afastou de mim instantaneamente, mas o segurei com mais força o puxando para mim.

   Ele cambaleou um pouco, sua pele encostou na minha, e eu pude sentir ambos se arrepiando com o toque, era uma sensação muito boa, eu nunca tinha sentido esse desejo antes. Ergui minha cabeça perto do seu pescoço, e deixei meus lábios o tocarem, Lysandre suspirou com minha ação, mas um barulho fez ele voar para uma distância segura e gritar para mim...

_ Nunca mais faça isso! _ dei risadas é claro, antes de ser atingida por algo que não vi, e acordar numa sela reluzente.

...

_ O que esta acontecendo, onde estou? _ Eu podia ver anjos voando de um lado pro outro de dentro de uma gaiola. Pude ver Lysandre ao longe, e ele parecia estar discutindo com alguém...

POV’s Lysandre...

_ Mas estou dizendo pai, ela não estava apoiando o conflito, tanto que ela estava sozinha, e...

_ E é claro, ela estava com você, como pode me explicar isso? Vou ter que interferir no seu livre arbítrio? _ abaixei minha cabeça, para não desencadear mais problemas em torno desse assunto e respirei fundo. Meu pai notou minha desistência e pôs suas mãos sobre meus ombros...

_ Consegues suportar os pecados dela? _ Arregalei meus olhos pra ele, assustado

_ Seu espirito esta alinhado com o dela, não adianta tentar me enganar, só quero saber se consegue suportar o peso dos pecados dela? _ abaixei novamente minha cabeça,

_ Não sei se consigo suportar, só sei que não consigo me desvincular, e não sei quando isso começou...

_ Um anjo da guarda não escolhe o coração, nem a mente a qual é designado, mas me preocupo, um demônio nunca teve um anjo da guarda para si.

_ Eu sei, mas...

_ Ok filho, eu vou libertar ela, mas antes quero conversar com ela, ver até onde a maldade atinge o coração dela.

   Com apenas um gesto, a jaula em que ela estava se desfez, ela notou que era para vir ao nosso encontro, enquanto ela caminhava na nossa direção , eu sentia sua agonia de pisar em solo sagrado, o que a fez querer se desmaterializar no ar, mas ela não o fez, continuou caminhando até nossa presença.

   Meu pai pôs suas mãos em seus ombros, a agonia passou pelos seus olhos, e eu senti a sua repulsa, mas ela se segurou para não explodir de raiva. Ela apenas fez uma pergunta emburrada...

_ O que estou fazendo aqui? _ meu pai não demorou a responder,

_ Acho que é meio óbvio, você pegaram e prenderam um dos nossos, depois vieram o trazer de volta,

_ E esse é o motivo de terem me pego? _ ela me olhou nervosamente, tentando se manter calma, mas entendi o que seus olhos queriam dizer, ela me culpava de a ter despistado para que a pudessem pegar.

_ Não, não é motivo para a pegarmos, mas um motivo ainda maior...

_ Poderia compartilhar esse motivo comigo? Ou não sou digna suficiente para tal informação?

   Ela estava sendo irônica, e o desconforto que estava causando a meu pai, a estava dando forças, mas ele era mais esperto, sabia como lidar com isso, então voltou a falar...

_ Acho que percebeu, que meu filho se tornou involuntariamente seu ‘Anjo da guarda’...

_ Não preciso de anjo da guarda, não pedi por isso, esse é o grande motivo para me prenderem nesse antro de luz?

_ Anjos não escolhem a quem eles vão dar sua lealdade, não sei se você sabe, mas sou bom demais com vocês, eu já poderia ter passado uma borracha sobre sua existência sem importância, vocês dão trabalho, são impiedosos, egoístas...

_ Então porque já não o fez?

_ Porque eu os amo, porque eu os criei, porque eu dei vida a vocês...

_ Não consigo entender o que e o amor, como posso entender esse seu sentimento por nós que o incomodamos tanto?

_ Pois é isso que eu vou te dar, um presente, vou te dar sentimentos, para que você passe a entender o sofrimento das pessoas, e que comece a entender o que eu sinto toda vez que uma alma é perdida para a escuridão...

_ Não, você não vai fazer isso! _ Mas antes dela lutar contra o que meu pai disse, ele deixou cair sobre ela sua graça. Ela desapareceu no ar, Ele a mandou de volta, quem vê de longe pensa que ele esta tentando facilitar a carga para mim, o peso dos pecados dela poderia me destruir, mas Deus não pensa somente em um, ele pensa em todos ao mesmo tempo, e se ele depositou sua graça sobre ela, é porque ele acredita em um bem maior, essa é sua forma de trabalhar, sua forma de fazer as coisas acontecerem, o que me faz admirá-lo mais e mais...

POV’s Off Lysandre...

   Acordei em uma vala escuro, perto da toca dos lobos. Pude escutar dali os gritos dos condenados o que foi me dando forças para caminhar até a presença de meu pai. Eu não sei o que me aconteceu, foi como se eu tivesse sido atingida com força na cabeça e apagado até então.

   Quando cheguei perto da sala onde meu pai estava, eu podia escutar seus gritos de ódio, por ter falhado em sua missão, quando eu entrei ele voou para cima de mim, mas minha boca disse automaticamente,

_ Eu, a-v-i-s-e-i!! _ ele bufou de raiva, e voltou para seu lugar...

_ Eu disse, mas ninguém quis me escutar, porque isso é tão difícil de entender?
_ Não estou com vontade de discutir isso com você agora, onde estava que não vi você durante a revolta?

_ Não sei, algo me bateu na cabeça, e só acordei agora a pouca, eu estava jogada em uma vala longe daqui... _ ele se pôs em pensamentos, e então concluiu...

_ Para ter demorado quase uma semana pra você voltar, deve ter sido atingida pelo cajado de Deus...

   Eu não quis ficar para ouvir mais asneiras, e já que eu havia ficado quase uma semana inconsciente, eu ia era descansar, e tentar me localizar em minhas memórias. Me dirigi até o meu quarto, e a cada lugar que eu passava, eu escutava sobre a nossa derrota durante a revolta. Claro que me deu vontade de gritar para todos o que eu havia jogado na cara de meu pai anteriormente, mas eu estava me sentindo estranha, e eu precisava de um tempo para refletir.

   Ao abrir a porta do meu quarto um vulto me atacou, me tampando a boca...

_ Escuta, não tenho muito tempo até me desmaterializar...

Continua...